É curioso como as redes sociais podem passar um retrato apenas parcial de nós — talvez, creio, como acontece na própria vida “real”: quem de nós conhece verdadeiramente o próximo?
Creem-me, assim, um tipo urbano de fio a pavio, e há certa razão nessa ideia: fico tenso quando cercado de muita fotossíntese. Ocorre que “Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”, e nem sempre topo comigo mesmo; portanto, confesso: gosto imensamente da Amazônia, aqueles matos e águas. Há ali uma sintonia fina naquele mundaréu — cheias e secas sazonais, praias, matas, cardumes e bichos de terra —, sintonia inescrutável na sua inteireza e que talvez também seja parte de outra sintonia igualmente fina, também um tanto inescrutável, aquela simbiose de atavismos e conexões que nos faz brasileiros neste exato lugar e tempo. E aprecio a comida de lá: tambaqui, pirarucu, aviú, piracuí, jambu. (Porém, o país é enorme: do Sul, o barreado paranaense; em qualquer canto deste Brasil ainda belo, sempre e sempre, baião de dois ou feijoada — e quem inventou o acarajé merece ser canonizado.)
O mundo me excede, sempre me excederá, e eu me simplifico. Além do mato do Norte, gosto de bar perdido no interior, cachorro preguiçoso à porta e dono com pano de limpeza pendurado no ombro, e ainda tenho um lugar cativo no peito para igrejas coloniais, mas somente do tipo despretensioso. Gosto de balsa simples e toque de sino ecoando nas montanhas de Minas. Visito em cada capital os mercados antigos, muitos deles com aquela estrutura metálica que se importava da Inglaterra. Ouço o meu Villa-Lobos, mas o auge da raça é Luiz Gonzaga, perfeito, por exemplo, em “Respeita Januário”. Leio a palavra “cariri” e logo me vem uma nostalgia do nosso interiorzão. “Há nos meus olhos ironias e cansaços”?
É por isso que já disse e repito: às vezes me vem uma vaga vontade de ter sido explorador inglês no século 18, navegando espantado pelo Amazonas, parando aqui e ali para fazer contato com a gente da terra, talvez até largando de vez a úmida Londres e viver na exuberância verde que, naquele momento ainda não se saberia, será destruída por um povo que nasceu para asfaltar matos, represar águas, despejar dejetos em qualquer rio e, se possível, pintar de ocre o céu e poluir os nossos ouvidos com o pior tipo de música que se faz, atualmente, no mundo.
Consolo-me, então: “Passarinho que se debruça: o voo está pronto!”.
Fotografia: Édila Döler / Pixabay