O pior livro da década

O pior livro da década

Os livros de autoajuda costumam ser criticados por talvez não cumprirem o papel a que se propõem e por propagarem uma notável alienação literária. Injustiças à parte, existem no mercado bons autores e obras nesse segmento, bastante consolidado, que costuma figurar no topo das listas de mais vendidos. Dentre os brasileiros, um deles chama atenção pela alta tiragem e por seu inquietante título: SEJA FODA!, de Caio Carneiro. As surpresas positivas, no entanto, não vão além de sua chamativa capa.

O livro tem 205 páginas escritas, das quais nada menos que 72 trazem apenas um fundo preto contendo frases autorais (?) centralizadas, como mantras. Além das orações soltas, há 7 páginas com grandes interrogações brancas, e uma outra com uma mão desenhada que ilustra o que ele chama de pilares do sucesso — impossível ser mais clichê. Ou seja, metade do livro é um oco absoluto, que visa apenas destacar ementas diminutas do que já foi exposto ao leitor. Pergunta-se: quantas pobres árvores deixaram de existir para que um best-seller como esse pudesse chegar ao seu número de vendas, sendo boa parte das páginas desprovidas de conteúdo?

O prólogo do livro, que tem exatas 35 páginas, é na verdade um artifício para fazê-lo render. Nesse um quarto do total (e quase metade da obra realmente escrita), há uma preparação explicativa sobre o que virá mais adiante. Apresenta-se, a partir dali, uma profusão metalinguística sem o menor sentido aparente, cujos parágrafos únicos ocupam, em sua maioria, modestas metades de página. Algumas passagens, com um português bastante peculiar, são recheadas de frases rasas e travestidas de heterodoxas, como a curiosa “sucesso é igual fidelidade: ele só aceita 100%” (sic).

Seja Foda!, de Caio Carneiro (Buzz Editora)

Em sua busca ululante por motivar o leitor, o autor transmite a percepção de que seguir os passos trilhados por pessoas de sucesso — como ele próprio — é a chave para se tornar “FODA”. Sem detalhar de qual área empreendedora faz parte, vende a ideia de que a veia criativa precisa ser despertada e que o extraordinário se inicia com mudanças de mindset. Ele, que de fato é uma pessoa de sucesso, parte da premissa de que sua experiência pessoal pode ser uma fórmula genérica, aplicável a todos. Esquece-se, contudo, de que a maioria da população, diferentemente dele, não nasceu em berço esplêndido e não tem condições de, a seu exemplo, abandonar seu labor exaustivo para investir em marketing multinível e alcançar seu cômodo patamar financeiro. Não sem despencar em desgraça.

O livro é, com todo o respeito, um bocado mal escrito. E não há nenhuma metodologia clara: em uma tentativa de construção não-linear, o autor acaba por ser altamente redundante, trocando palavras comuns por sinônimos mais eruditos, mas com a profundidade de uma poça de chuva. Ele, por sinal, parece sentir um grande prazer em ser uma espécie de dicionário aleatório encarnado. Em diversos momentos do livro, traduz distinções entre conceitos que explica com pompa, como a diferença entre sucesso e significância, sonho e delírio, empolgação e motivação, dentre outros, com o fito único de causar impacto aparentando sabedoria.

Para os menos deslumbrados com frases de efeito, na melhor das hipóteses fica a impressão de que tudo que foi escrito poderia ser resumido em dez minutos de uma conversa qualquer. Não existe nada no livro que não possa ser objetivamente colocado em um artigo de poucas páginas, construído em uma noite de tédio. Na verdade, nem se pode dizer que haja uma coesão textual, tendo em vista que — pasmem! — o autor sequer se dá ao luxo de pormenorizar o sentido que teria cada uma das palavras que formam a sigla do título. 

Sinteticamente, houve uma sacada genial em aproveitar um grande momento de vida para engatar um best-seller infalível. O autor compilou ideias vagas e desconexas, arrumou um desenho convidativo de capa, pensou em um título estimulante e contou com seguidores fiéis, que compraram a ideia. Nesse sentido, há que se tirar o chapéu para ele. Repisando concepções amplamente batidas de outros livros do segmento, o autor construiu uma verdadeira quimera e transformou sua vontade de escrever em uma vendagem incrível para os padrões atuais.

E isso expõe duas conclusões não-excludentes: 1) o autor tem uma mente brilhante, no sentido de ser capaz de transformar oportunidades em vendas; e 2) a máxima “não julgue o livro pela capa” não é uma verdade inflexível, pois SEJA FODA! está aí para ser gauche na vida. A fórmula de sucesso que se pode extrair, no entanto, está longe de suas repetitivas páginas: é a de que, no mundo literário atual, caso se tenha um bom marketing por trás, é possível fazer sucesso com um livro cujo interesse se resuma ao poder de atração de sua capa. Nesse aspecto, SEJA FODA! é indiscutivelmente vitorioso. E também, para ser justo, uma das piores obras já feitas pelo homem.