A última edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, publicada em 2016, mostrou que, entre 2011 e 2015, a quantidade anual média de livros lidos por habitante passou de 4 para 4,96. Mas, isolando as obras literárias lidas por vontade do entrevistado (e não por alguma obrigação, como estudo), o número despenca para 1,26. Ou seja, como esperado, o brasileiro lê muito pouco. Ser escritor no Brasil, então, pode ser considerado um ato de resistência. E, do meio dos obstinados, surgem obras preciosas todos os anos. A Revista Bula realizou uma enquete entre os meses de setembro e dezembro, com o objetivo de descobrir quais são, segundo os leitores, os melhores livros brasileiros publicados em 2019, em todos os gêneros. A consulta foi feita a assinantes da newsletter — via formulário de pesquisa — que poderiam indicar entre 1 e 10 livros de autores diferentes e publicados a partir do dia 1º de janeiro de 2019. Mil setecentos e cinquenta e seis participantes, de 26 Estados e do Distrito Federal, responderam à enquete. Os livros foram divididos em quatro categorias, de acordo com o número de indicações: +70, +50, +40 e +30. As sinopses são adaptadas das utilizadas pelas editoras.
Foram citados escritores das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais foram os estados com o maior número de escritores mencionados. Em relação à idade, o mais jovem é o carioca Miguel Del Castillo, autor de “Cancún”, que nasceu em 1987, e o mais velho é o mineiro José Murilo de Carvalho, autor de “Jovita Alves Feitosa: Voluntária da Pátria, Voluntária da Morte”, nascido em 1939.
Livros que obtiveram mais de 70 indicações
Bibiana e Belonísia são filhas de trabalhadores de uma fazenda no Sertão da Bahia, descendentes de escravos para quem a abolição nunca aconteceu realmente. Intrigadas com uma faca dentro de uma mala misteriosa sob a cama da avó, atrevem-se a pegá-la e um acidente muda para sempre suas vidas, tornando-as ainda mais próximas. Porém, com o avançar dos anos, a proximidade vai se desfazendo: enquanto Belonísia parece satisfeita com o trabalho na fazenda e os encantos do pai, Zeca Chapéu Grande, Bibiana percebe desde cedo a injustiça da servidão que há três décadas é imposta à família e decide lutar pelo direito à terra e emancipação dos trabalhadores. Para isso, porém, é obrigada a partir, separando-se da irmã. O livro, publicado originalmente em Portugal, em 2018, só foi publicado no Brasil em 2019.
Uma das histórias mais contadas da MPB é o encontro de João Gilberto com os Novos Baianos. A chegada do mito da bossa nova ao apartamento dos hippies liderados por Moraes Moreira deu origem ao disco “Acabou Chorare” (1972). Esse encontro foi a inspiração de Sérgio Rodrigues ao lançar o livro “A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos”. A obra, que reúne textos já publicados e inéditos, foi dividida em duas partes: Lado A e Lado B, como um LP. No Lado A ficam as narrativas mais clássicas. O Lado B é dedicado aos fragmentos experimentais que examinam com humor ferino os cacos restantes das velhas catedrais literárias e suas vaidades autorais na era da internet. Fecha o volume a novela “Jules Rimet, Meu Amor”, publicada em 2014 como e-book.
Com o rigor dos repórteres e a vivacidade dos ensaístas, o premiado jornalista Mário Magalhães apresenta um retrato do Brasil de 2018. Para isso, o autor articula acontecimentos e personagens como: a caçada irracional a macacos considerados transmissores da febre amarela, a intervenção militar no Rio de Janeiro, o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a prisão de Lula, a paralisação dos caminhoneiros, o dr. Bumbum, a tragédia do feminicídio, a queda de Neymar na Copa, o delírio Ursal, o incêndio no Museu Nacional, a facada em Bolsonaro, a ilusão do vira-voto, o triunfo da extrema direita, as ligações perigosas da família Bolsonaro e os outros eventos que fizeram de 2018 um ano que tão cedo não vai terminar.
Livros que obtiveram mais de 50 indicações
Prestes a entrar na adolescência, Joel sente-se deslocado entre os amigos da escola e do prédio onde mora. O ano é 1998 e o mundo parece um lugar cada vez mais ameaçador. Ao mesmo tempo em que busca acolhimento num grupo de jovens de uma igreja evangélica, entra em conflito com o modo de vida do pai, que acaba de regressar ao Brasil após quatro misteriosos anos na cidade de Cancún. Décadas depois, com a morte do pai, longe da religião e prestes a ter um filho, Joel decide voltar, sozinho, ao balneário mexicano para repetir os passos paternos. “Cancún” é o primeiro romance do escritor, tradutor e curador Miguel Del Castillo. Ele também é autor da coletânea de contos “Restinga” (2015).
Em seu novo livro, Carlos Cardoso usa a poesia para refletir sobre a própria melancolia. São 39 poemas onde o autor expõe a ligação visceral com a escrita que permeia sua vida. A poesia de Carlos é uma técnica de sobrevivência. Ele se comunica por meio da poesia, mas também sobrevive através dela. Essa necessidade faz nascer um poeta de ofício. Carlos Cardoso é engenheiro e poeta, natural do Rio de Janeiro. Considerado um dos maiores talentos da geração atual, representa uma nova poética no país. Seu primeiro trabalho literário foi “Sol Descalço”, lançado em 2004. “Melancolia” foi vencedor do prêmio APCA como melhor livro de poesia de 2019.
“Hoje, meu filho Pedro pulou da janela do seu apartamento.” Assim começa o romance de Javier A. Contreras, um relato sobre o suicídio e a angústia dos que permanecem. Ao contar a história dos sete dias que se seguem à morte de Pedro, o autor embarca em uma narrativa que aborda temas como a relação pai-filho, o caos do mundo moderno e as expectativas que nutrimos e frustramos no decorrer da vida. Com ritmo fluido, os sentimentos de Ruy, pai de Pedro, são trazidos à superfície em um misto de raiva e desolação. Ao perder o único filho, Ruy reavalia não só sua relação com a paternidade, mas com todo o mundo a sua volta. Javier Arancibia Contreras nasceu em 1976. Ex-repórter policial, lançou seu primeiro trabalho literário, “Imóbile”, em 2008.
Livros que obtiveram mais de 40 indicações
Durante a ditadura militar que se instaurou no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, muitos países não se pronunciaram sobre a conjuntura política brasileira, com o intuito de manter a regularidade de suas relações com o nosso país. Mas, em 2011, com a Lei de Acesso à Informação, o acervo documental desse período finalmente pôde ser consultado e ficou evidente que havia muito a ser investigado no campo da diplomacia. Em “Liberdade Vigiada”, o historiador Paulo César Gomes mergulha no mundo secreto do Itamaraty e dos diversos órgãos ligados ao Serviço Nacional de Informações, analisa os conteúdos desses papéis sigilosos e revela fatos até então desconhecidos sobre o regime ditatorial.
As ruas, como vistas por Luiz Antonio Simas, incorporam o movimento e são terreiros de encontros improváveis. Do Centro ao subúrbio, as tramas das ruas cariocas misturam-se. Se João do Rio foi o cronista da alma encantada carioca do início do século 20, Simas aparece, cem anos depois, como o historiador do novo Rio de Janeiro. Contra a barbárie civilizatória, conta histórias sobre mariolas nas sacolinhas de São Cosme e Damião, simpatias de São Brás, conversas na feira, o cotidiano da quitanda e o boteco da esquina. O corpo encantado das ruas reivindica a riqueza dos saberes, práticas, modos de vida e culturas que não podem ser domadas pelo padrão canônico.
Livros que obtiveram mais de 30 indicações
Em 1865, a cearense Jovita Alves Feitosa vestiu-se de homem para se alistar no exército e lutar na Guerra do Paraguai. Seu desejo era ir a campo vingar as mulheres brasileiras maltratadas pelos paraguaios no Mato Grosso. O disfarce foi descoberto, mas, ainda assim, ela foi aceita como voluntária e se tornou uma celebridade, sendo considerada uma heroína da pátria. Por fim, a Secretaria da Guerra recusou sua incorporação como combatente. Frustrada, Jovita passou a viver como prostituta e cometeu suicídio dois anos depois. Nessa obra, o historiador José Murilo de Carvalho analisa documentos da época para entender os sonhos e a luta de Jovita, bem como suas relações com a sociedade de seu tempo.
Os brasileiros acreditam ser mais diversos do que realmente são. Tolerantes, abertos, pacíficos e acolhedores são alguns dos adjetivos que habitam frequentemente a mitologia nacional. Neste livro, Lilia M. Schwarcz reconstitui a construção dessa narrativa oficial que acabou por obscurecer uma realidade bem menos suave, marcada pela herança perversa da escravidão e pelas lógicas de dominação do sistema colonial. Ao investigar esses subterrâneos da história do país, a autora apresenta as raízes do autoritarismo no Brasil, e ajuda a entender por que fomos e continuamos a ser uma nação muito mais excludente que inclusiva, com um longo caminho pela frente na elaboração de uma agenda justa e igualitária.