As chances de você conhecer um escritor que já ocupou o posto entre os mais lidos do Brasil, assinou uma extensa produção literária com mais de 40 títulos e teve o romance de estreia premiado pela Academia Brasileira de Letras são altas. Mas, ironicamente, quando o seu nome vem à tona, a primeira reação é o desconhecimento. João Mohana faz parte de uma lista de grandes escritores que o Brasil se esmerou em esquecer.
Nascido 1925 na cidade de Bacabal, no Maranhão, Mohana não demorou a despontar na literatura brasileira. Cronologicamente, faz parte da geração que começou a publicar nos anos 1950 e se estabeleceu nos anos de 1970. Aos 24 anos, cursou Medicina na Universidade Federal da Bahia por pura imposição paterna. Chegou a exercer a profissão atuando como pediatra em São Luís. Entre jalecos e receituários médicos, João inclinava-se, cada vez mais, para a sua verdadeira vocação: o sacerdotismo.
Após a morte do pai em 1953 e inquieto “porque curava doentes, mas percebia que eles continuavam infelizes’’, João Mohana, enfim dono de suas vontades, decide ingressar no Seminário de Viamão. Sua maneira atualizada e sem moralismos de pregar o Evangelho o colocou em um patamar diferenciado entre seus pares. Cada vez mais, o público era contagiado pela sua oratória simples e ventilada, e, em pouco tempo, antes mesmo de ser ordenado Sacerdote, João Mohana conquistou uma legião de fãs que o acompanhava Brasil afora em seminários, congressos e palestras. O padre ficou pop.
A mudança de rumo profissional foi alimento para o seu livro de estreia pertinentemente chamado “O Outro Caminho”. O romance de 1952, escrito num sopro de 27 dias, narra em primeira pessoa o drama existencial de Eyder, um homem que se torna padre para atender aos pedidos da família. As coincidências não param por aí. O livro é ambientado em Viana, município do Maranhão, e apresenta fatos marcantes da vida de Eyder, narrados através da ótica de Neco, seu irmão.
“Há alguns anos vinha com vontade de publicar a vida de meu irmão. Não se trata da vida de um herói, na concepção em que geralmente se usa esse termo. Posso dizer que foi um herói, mas herói a seu modo. Sempre foi meu intento escrever um livro sobre meu irmão e estava apenas esperando a morte dele, para poder realizar esse desejo. O meu trabalho, entretanto, foi bem facilitado, pois encontrei mais de 200 folhas escritas a lápis, contanto justamente aquilo que eu pretendia contar. Li-as avidamente e me surpreendi com as coisas que jamais poderia ter dito, pois só o próprio dono poderia dizer. Não cortei, não emendei, não modifiquei. Conservei o manuscrito com a beleza original, com a nota do autor.’’
A partir da explicação do irmão, o leitor terá em mãos 15 cartas que narram desde a infância interiorana semi-idílica, até os acontecimentos marcantes da fase adulta. Por se tratar de um romance epistolar, o registro do protagonista escancara uma subjetividade sufocante que torna o livro por vezes irrespirável, claustrofóbico. Ainda assim, a prosa elegante de Mohana equilibra a tensão da vida do padre com momentos de beleza poucas vezes vistos na literatura brasileira. Nesse sentido, o triunfo do escritor consiste em transformar fatos trágicos em narrativas de forte potência poética, sem recorrer a malabarismos linguísticos açucarados. Outro elemento narrativo que torna Mohana no mínimo distinto, é o seu cuidado em fugir de personagens tipificados — tão comumente explorado na literatura brasileira nas décadas de 1950 e 60.
Um desses exemplos parte de uma reflexão do padre que questiona a relação entre suas lágrimas e o fato de sempre ter morado em locais próximos à água. “Desde que nasci, morei sempre perto da água. Nasci no Barro Vermelho, à margem do rio Pindaré. Estudei em São Luís, olhando o Oceano Atlântico. Fui para Coroatá, junto ao rio Itapicuru-Mirim. Por que sempre vivi perto da água? Haveria nisso só coincidência? Ou haveria um simbolismo de lágrimas?’’
Dono de uma riqueza lexical e de uma imaginação romanesca fértil, o padre-escritor seguia à risca o conselho de Machado de Assis “Escrever é cortar” e chegou a descartar romances inteiros. Não à toa, “O Outro Caminho” foi um sucesso na época de crítica e de público. O romance foi traduzido para o espanhol, italiano e alemão e recebeu o Prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras.
Além do êxito editorial, o nome do padre-escritor começava a entrar na roda de conversa dos grandes autores da época. Em uma crônica publicada no jornal “O Cruzeiro”, em 27 de setembro de 1951, a escritora Rachel de Queiroz, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, confirma o talento do estreante Mohana: “Recomendo a todos que se interessam por literatura nacional o livro desse maranhense. Sempre é perigoso predizer o futuro de um autor pela sua estreia: nunca se sabe se ele tem dentro de si apenas aquela história para contar, ou se, pelo contrário, o primeiro livro é o início de uma obra importante e sempre em ascensão. De qualquer maneira um romance único basta para fazer um romancista e parece-me que, com este romance, já conseguiu o autor um lugar seguro na literatura nacional”.
Raquel foi feliz em afirmar que é difícil predizer o futuro de um autor pela sua estreia. Não era esperado que, devido a sua importância no cenário brasileiro, João Mohana desaparecesse das estantes, notas de jornais, críticas e da boca do povo em pouco tempo. Ainda embalado pelo sucesso da estreia, João Mohana publicou o romance “Maria da Tempestade”, que foi apontado como um dos melhores livros de ficção no Brasil durante os anos 1950.
Vez ou outra, o nome do escritor aparece em artigos acadêmicos ou pequenas citações em suplementos literários. O trabalho de maior fôlego sobre o autor provavelmente seja o perfil “A Ressurreição do Padre”, escrito pelo pesquisador Manoel Santos Neto, lançado em 2019 pela Editora Engenho.
João morreu em 1995 aos 70 anos, vítima de um tumor no intestino. Segundo Manoel Santos, “nunca se viu tanta consternação coletiva nas ruas do Centro Histórico do Maranhão”. Ao saber de sua morte, o então presidente do Congresso Nacional, José Sarney, manifestou-se dizendo que Mohana “era um sacerdote da vanguarda, inovador, não o engajado político, nem politizando a fé, mas aquele que sabia lidar com a ida, com o cotidiano, abordando temas difíceis e delicados. Sua obra, neste domínio, é inigualável no Brasil”.
A sensibilidade de sua escrita revela uma alma que dedicou a vida a entender a essência do homem, seu corpo, espírito e mente. Era um psicólogo, que não satisfeito, virou médico, que não satisfeito virou padre que não satisfeito virou escritor e que só assim, com uma ideia na cabeça e uma caneta na mão, conseguiu chegar ao auge dos autores de sua época.
Em um país sem memória, não é difícil encontrar personalidades que foram injustamente colocadas de lado. E, por isso, recuperar o legado de João Mohana é fundamental e suas obras precisam ser lidas, divulgadas e sobretudo celebradas. Todos os anos.