Foi um ano bacana. Acabou a série “Veep”, uma das comédias mais bem escritas da década, mas em compensação tivemos as segundas temporadas das excelentes “Barry” (HBO) e “O Método Kominsky” (Netflix). “Game of Thrones” teve um final que desagradou Starks, Lannisters e Targaryens, mas pelo menos a Marvel encerrou um longo ciclo com o ótimo “Avengers: Endgame”. Depois de muitos desacertos, a DC parece que finalmente deixou para lá a bobagem do universo conectado para fazer o bom “Shazam!” e o excelente Coringa. Os super-heróis indie também deram as caras. A Netflix veio com “The Umbrella Academy” e a HBO contra-atacou com Watchmen. Tarantino e Scorsese fizeram dois filmes espetaculares. E até Woody Allen conseguiu lançar “Um Dia de Chuva em Nova York”. Não houve nada relevante na literatura, mas pelo menos pudemos reclamar da escolha de Elizabeth Bishop como homenageada da Flip. Por tudo isso e muito mais, chegou a hora dos Prêmios “O Melhor e o Pior de 2019”. Som na caixa, maestro, vamos começar a cerimônia.
PRÊMIO NOSTALGIA NÃO TEM FUTURO
Todo mundo tem certeza que o passado era muito melhor do que o presente. Mas alguns felizardos, como Quentin Tarantino, podem se mudar pra lá e reescrever a história. Em Era Uma Vez em… Hollywood, o diretor recria a Los Angeles dos fim dos anos 1960 e inventa uma realidade paralela na qual os dois protagonistas Cliff Booth (Brad Pitt) e Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) salvam Sharon Tate (Margot Robbie) dos fanáticos de Charles Manson. É um dos melhores filmes de Tarantino e também o melhor de 2019. Podem me xingar, se quiserem.
PRÊMIO NÃO VI, MAS ADOREI
Quem não gosta de “Bacurau” é bolsonarista, fascista, miliciano, homofóbico, babaca e bobão. É por isso que eu adorei o filme, mesmo sem ter visto ainda. Uns amigos me disseram que a produção parece um filme B do John Carpenter, então é possível que eu continue a gostar mesmo depois de assistir. Tomara.
PRÊMIO NÃO VI, MAS DEVIA TER VISTO
A diretora Elizabeth Banks garante que o filme flopou na bilheteria porque os homens cis-hetero patriarcais e machistas não gostam de assistir produções de ação com mulheres. Ela só não explicou o sucesso de “Mulher Maravilha”, “Mad Max: Estrada da Fúria”, “Capitã Marvel”, “Star Wars: Rogue One”, “Ghost in the Shell” e “Kill Bill”. Sem falar na versão anterior de “As Panteras” produzida por Drew Barrymore.
PRÊMIO MARIA DEL BARRIO
A produção foi escolhida para representar o Brasil no Oscar e talvez pegue indicação para Melhor Filme Estrangeiro ou Melhor Atriz Coadjuvante (Fernanda Montenegro). “A Vida Invisível” é um dramalhão dirigido com mão pesada e nenhum senso de humor, o que sempre me parece um grave defeito em qualquer tipo de obra. Mas a atriz Julia Stockler é muito boa e Gregório Duvivier está bem.
PRÊMIO LOST DO ANO
Depois de oito temporadas, a série da HBO teve um final preguiçoso e bobo que não combina com a sofisticada trama inicial. Game of Thrones desceu ladeira abaixo quando os livros escritos por George R.R. Martin acabaram no final da quinta temporada e os roteiristas David Benioff e D.B. Weiss começaram a inventar a história por conta própria. A última vez que um final decepcionou tanto foi em “Lost” que, depois de seis temporadas cheias de mistérios e enigmas, revelou que todos os personagens estavam mortos desde o primeiro episódio. Série de TV precisa dar Procon, não é possível.
MENÇÃO HONROSA LOST DO ANO
Adaptar quadrinhos e ser fiel à suas características não é tão difícil. Veja Spider-Man, por exemplo. Peter Parker já teve três versões diferentes, tia May envelheceu e rejuvenesceu, MJ foi de ruiva para morena, mas em todos os filmes ele é o mesmo adolescente cabeça-de-teia e amigo da vizinhança. Damon Lindelof (co-criador de, adivinhe!, “Lost”) pegou Watchmen e decidiu esquecer o que havia lido. Silk Spectre e Ozymandias aparecem na série, mas com personalidades completamente diferentes das que conhecemos. Doutor Manhattan, um ser capaz de reescrever a realidade como se fosse o Quentin Tarantino, fica amnésico (!!!) só para ajudar a trama fraca do roteirista. A abordagem cínica e satírica da HQ foi substituída por um roteiro truqueiro e tão “fácil” que chega a irritar. Alan Moore faz muito bem em manter distância das tosqueiras que fazem em cima das criações dele. A gente devia fazer o mesmo.
PRÊMIO VOCÊ É UM ADULTO, AGORA…
A HBO é boa mesmo em produção pra gente grande. “Succession” (segunda temporada), “The Righteous Gemstones”, “Big Little Lies” (segunda temporada) e, especialmente, “Chernobyl” são as quatro melhores séries dramáticas do ano. Não tem para ninguém. Seja adulta, HBO. Vai fazer bem pra você.
PRÊMIO MELHOR FIM DE UNIVERSO
Foram 22 filmes em um universo ficcional conectado que repetiu no cinema a mesma sensação de surpresa e encanto que os quadrinhos provocavam. Nem todos os filmes são bons, mas nenhum deles é absolutamente ruim. Os pessimistas acham que agora a Disney mete o pé na porta, impõe sua agenda de “princesinhas super-poderosas” à Marvel e destrói tudo. Eu sou otimista. Os filmes dão dinheiro e a Disney gosta mesmo é das verdinhas.
PRÊMIO ESPÍRITO DO TEMPO
Joaquin Phoenix manda muito bem como o palhaço psicótico, mas o mérito todo é de Todd Phillips e Scott Silver (co-roteirista), que captaram o desconforto dos abandonados pelo capitalismo turbinado do século 21. Revoltas explodem de Santiago a Hong Kong, o fascismo vai tomando o poder no mundo inteiro e os bilionários do Vale do Silício ficam cada vez mais ricos produzindo desemprego e miséria em escala global. É a tempestade perfeita. E foi preciso uma produção de super-herói para captar esse momento patético. Seria o filme do ano se Tarantino não tivesse feito “Era Uma Vez em… Hollywood”.
PRÊMIO TERCEIRA IDADE EM FÚRIA
O que mais você quer? Robert De Niro, Al Pacino, Harvey Keitel e Joe Pesci todos juntos num filme que conta a história de um assassino da máfia e cuja trama envolve os Kennedys e o sindicalista Jimmy Hoffa. É mais do mesmo, mas o mesmo, no caso, é Scorsese e os melhores atores do cinema americano. Joe Pesci faz um dos grandes papéis da sua carreira como o suave chefão Russell Bufalino.
PRÊMIO MAGAZINE LUIZA
O título do filme, “Destino Sombrio”, resume o futuro dessa franquia. A produção é toda sobre empoderamento feminino, o que não é exatamente uma novidade. Sarah Connor já era a fodona do Apocalipse em “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final”. Mas agora, pra deixar a coisa ainda mais clara para quem tem problema em fazer sinapse, Arnold Schwarzenegger deixa de ser um robô-assassino para virar um eletrodoméstico. Ele aparece no filme casado, com filhos e se vangloriando de que sabe trocar fraldas. A esposa humana é tão distraída que viveu com o cara durante 30 anos e nem percebeu que ele é uma máquina monossilábica de duas toneladas. Acontece. O roteiro faz menos sentido que o pensamento de Olavo de Carvalho e embora Mackenzie Davis esteja gata como um trans-humana do futuro, ela sozinha não salva esse abacaxi.
PRÊMIO FIGURA CONTROVERSA DO ANO
A poeta americana viveu no Brasil, foi amiga de Carlos Lacerda e enxergou o país com olhos condescendentes e preconceituosos. Bishop apoiou o golpe militar de 64 e homenageá-la nesses tempos bolsonários foi visto como uma traição da Feira Literária de Paraty. É uma pena, mas foi a própria Flip quem substituiu a literatura pelo ativismo em edições anteriores e o efeito bumerangue era previsível e inevitável. A homenagem a Elizabeth Bishop é, contudo, uma bela oportunidade para se discutir como os estrangeiros veem o nosso subdesenvolvimento político e cultural.
PRÊMIO VERBO DO ANO
A F-word perdeu a aura de maldita e foi parar na capa de um monte de livros de autoajuda: “Vai se foder”, “Quero mais é que você se foda”, “Você tem mais é que se foder” e “Tá procurando um livro bom? Foda-se”.