Compram-se almas. Favor, tratar com o capeta

Compram-se almas. Favor, tratar com o capeta

Olá, todo mundo. Como têm passado? Mal, eu espero. Isso muito me orgulha. Para os fins que se fizerem necessários, declaro que acabei de tomar posse do corpo e da mente deste sujeito, um pobre coitado, um arruinado escritor de crônicas, um homem fraco, sem fé e sem contas secretas nos paraísos fiscais, por meio do qual, ocupando as suas mãos e a sua pena, transcreverei, a partir de agora, esse curto, singelo, porém, sincero, texto. Torço para que o odeiem para sempre. O escritor; não o texto.

Compro almas. Mais pra frente a gente acerta. Pago regiamente com amor passageiro e sucesso estelar. Garanto poder, fortuna, bajulação e reconhecimento público, ainda que o teor qualitativo do interessado seja irreconhecível aos olhos mais apurados. Pouco importa. Quanto pior, melhor. O que conta mesmo, além do dinheiro, essa máquina de fazer felicidade, são a glória e a fama. Falo de cátedra, pois, sou reconhecido pela maldade, neste e noutros planetas, nesta e noutras galáxias, ao longo da história do universo, desde que Deus estalou os dedinhos e fez a luz. Quisera ter quebrado as suas falanges.

De falange eu entendo, moçada. E pode ser que ela tenha chegado ao poder. Pensem nisso. Juntem os pauzinhos. Está mais do que comprovado, nas lucubrações e alucinações das autoridades formalmente constituídas, que o rock ativa drogas, sexo, aborto, satanismo e os três neurônios que povoam os cérebros dos cretinos: o primeiro leva o impulso nervoso, o segundo o traz de volta e o terceiro fica entre os dois, atrapalhando a sinapse.

A onda de agora é o indivíduo se gabar por ser um idiota. E os idiotas, por consequência da idiotice reinante, julgam-se geniais, as moças da Bala Chita. O inferno é aqui, senhores. Acreditem-me. É o demônio quem está dizendo. Falo isso há milênios. A concorrência tá brava. As redes sociais estão dantescas. As pessoas andam insuportáveis, do jeito que eu gosto. Os sacripantas estão destemidos, autoconfiantes e verborreicos, apesar do português macarrônico mal escrito, mal falado, repleto de erros gramaticais primários e carregados de rancor. Muitos perderam a noção do ridículo ao ostentarem uma espécie vulgar de alvará que lhes garante, em tese de devaneios, o direito de falar sobre tudo o lhes vêm à telha, usando palavras de ordem permeadas de crueldade e intolerância, como se os olhos da audiência fossem privada.

Estou cagando e andando pela paz entre os homens. A benevolência é para os tolos. Ninguém mais sente vergonha de expor o que tem de pior por dentro. Nada mal. Em geral, os néscios da internet, que são os mesmos da vida real — vizinhos, amigos, parentes, amantes, adversários — arvoram-se em asneiras de tremendo mau gosto. Há, inclusive, aqueles que, esmerados em propagar, sem nenhum pudor, a sua própria ignorância e falta de cultura, criam canais exclusivos de vídeo, nos quais vociferam para legiões de seguidores abnegados, igualmente estúpidos, que pensam na mesma sintonia endiabrada deles. Os bárbaros, meus caros, andam em bandos.

De certa forma, incomoda-me quando a falta de conteúdo vem disfarçada de cafonice. Como diria Nelson Rodrigues — que eu sempre confundo com Nelson Gonçalves, não sei como explicar — os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas, pela quantidade, pois eles são muitos. Na mesma linha de constatação e de raciocínio, o filósofo italiano Umberto Eco comentou que as mídias sociais deram direito à fala a legiões de imbecis. Por pior que eu seja, gente besta cansa-me a beleza. Por uma questão de princípios (ou da falta deles), não tenho predileções, de tal forma que atento a todos, de mamando a caducando, no intuito de ver o circo pegando fogo.

O corpo fraudulento deste cronista dá-me gasturas. Preciso, portanto, encerrar mais uma das minhas possessões, sem os inconvenientes de um exorcista, em prol da iniquidade. Aproveito a onda de truculência que afeta a humanidade, especialmente o povo sofrido deste país tropi-caos, colocando-me à disposição dos sonhadores, dos emergentes, dos fascistas enrustidos, dos preconceituosos disfarçados, dos cristãos que aprovam a tortura, para agenciá-los, financiá-los, catapultá-los diretamente da merda existencial e da insignificância absoluta, para o estrelato e a fama. De quebra, garanto boquinhas nos três poderes constituídos na nação. É ou não é uma proposta tentadora?

Como se fora um juiz branco, de toga preta, da alta corte judicial, trago-lhes vinho e lagosta, por conta do povo. Vamos comemorar. Passem mal. Fiquem com o diabo. E tenham um péssimo dia.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.