Se Hollywood não vivesse momento tão obtuso é possível que Elle Fanning fosse indicada ao Oscar de Melhor Atriz por “Um Dia de Chuva em Nova York”. E Selena Gomez, quem sabe, talvez pegasse Melhor Atriz Coadjuvante. Mas são tempos carolas e caretas, com muita gente autoritária querendo salvar a humanidade dela mesma. Todos com as melhores intenções, é claro. Autoritários são sempre muito bem-intencionados, como já demonstrou Anakin Skywalker.
A atriz Rebecca Hall, por exemplo, pediu desculpas públicas por ter feito o filme. A mesma Rebecca Hall que foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz por “Vicky Cristina Barcelona”, também dirigido por Woody Allen. Ela me lembra aqueles penitentes católicos que saem na rua se autoflagelando para fazer graça pra galera. Olha como eu sou pecador! Schlep! Olha como eu não presto! Schlep!
Woody Allen se deu mal com o #MeToo, embora o caso dele seja completamente diferente do de Harvey Weinstein. O produtor fazia “teste do sofá” com as atrizes. Allen teve um divórcio tumultuado com Mia Farrow depois do envolvimento dele com Soon-Yi Previn, filha adotiva da atriz com o compositor André Previn. Se fosse um filme do cineasta, tudo acabaria em pizza e jazz. Na vida real, virou uma briga de cortiço. Na separação, Mia acusou o cineasta de ter abusado da filha adotiva Dylan Farrow, na época uma garotinha. Laudos hospitalares desmentiram tudo. Moses Farrow defende o pai. Ronan Farrow, jornalista, ficou do lado da mãe.
A história do suposto assédio a Dylan estava morta e enterrada, mas saiu da tumba com o Movimento MeToo e Woody Allen se deu mal. A Amazon rompeu contrato com ele, sua autobiografia não encontra editor nos Estados Unidos e “Um Dia de Chuva em Nova York” também não vai ser exibido no país. Pior pro país.
O filme é uma comédia romântica deliciosa, embora a trama repita uma das histórias intercaladas de “Para Roma com Amor”. Ashleigh (Elle Fanning) é uma adorável e ingênua universitária que vai a Nova York entrevistar um cineasta pretensioso (Liev Schreiber) para o jornal da faculdade. O namorado dela, Gatsby (Timothée Chalamet), quer aproveitar a viagem para curtir um final de semana romântico na cidade onde nasceu. Naturalmente, o acaso separa os dois. Ashleigh fica seduzida pelo mundo do cinema e pela paquera de diretores, roteiristas e atores. Gatsby reencontra velhos amigos e também Chan (Selena Gomez), a irmã mais nova de uma ex-namorada, dona de um humor corrosivo e sarcástico.
E chove, chove, chove. Chove mais do que em música de Jorge Ben. Os personagens se encontram e se desencontram em hotéis, bares e museus. Falam das incertezas da vida, do amor e fazem comentários mordazes sobre o mundo. Aquilo de sempre. O filme não tem a inventividade da fase mais criativa do diretor — que vai de “Manhattan” (1979) a “Celebridades” (1998). Também não tem o charme de “Meia Noite em Paris” (2011) ou “Para Roma com Amor” (2012). Ainda assim, “Um Dia de Chuva em Nova York” é uma delícia e é impossível não sair da sessão de coração leve e perdidamente apaixonado por Elle e Selena. Especialmente Selena.
Os jecas americanos que fiquem com “As Panteras” e o “All female Terminator”. Woody Allen pode mandar pra cá que a gente assiste.