Vejo a maioria das minhas amigas, solteiras ou não, insatisfeitas com o “comportamento masculino”. Utilizando frases clichês — “os homens andam tão estranhos”, “não sabem o que querem”, “não querem nada sério” — desenrolam uma ladainha de lamentações, seguidas de conselhos, tão clichês quanto as próprias, indiferentes do tempo, das situação ou das pessoas envolvidas: “Ele não ligou? Não mandou mensagem? Não te pediu em casamento? Não te salvou da torre do dragão e não te colocou no lombo do cavalo branco? Ele simplesmente não está á fim de você”. Será?
Será que todo amor tem que ser avassalador, arrebatador e instantâneo? Será que em dois olhares, uma saída e uma conversa, você tem que saber que aquela pessoa é o “amor da sua vida”?
Que tipo de relação funciona assim? Que tipo de relação de sucesso se constrói assim? Você faz amizades assim? Decide onde quer viver para o resto da sua vida assim? Eu não.
Eu quero acreditar, e principalmente aprender, que relações são construídas, sejam elas amizades, romances, sociedades, amores. E não impostas: me ame agora ou suma, esteja pronto ou desapareça. O que é isso minha gente? Onde vamos chegar com tanta desconfiança e agressividade? Eu respondo: exatamente onde já estamos. Todos sozinhos, perdidos, loucos por alguém, mas sem conseguir relacionar-se.
Começo a pensar que a maioria das mulheres não querem efetivamente amar. Querem ser salvas, tomadas e levadas para o reino do “so so far away” bem longe da vista do dragão (que talvez seja tudo aquilo que a gente nem quer ver, mas que faz parte da nossa vida). Algo como: vamos fugir para outro lugar, onde a gente escorregue. Ou seja, busca-se um companheiro de fuga e não alguém para dividir a vida, conVIVER com dragões, jacarés e bruxas.
Dessa forma colocamos os homens no papel de réus, prestes a serem julgados, cobrados, e riscados da listinha de possíveis pretendentes, caso ele não se encaixe no papel de príncipe que alguém um dia determinou que ele deveria cumprir. Ser humano deixou de ser direito e passou a ser defeito.
Esse homem não pode ter medos, angústias, dúvidas, sequer tempo para te conhecer. Ele tem que rapidamente, simplesmente e decididamente te olhar e, a partir daquele momento, doar a sua vida, seu trabalho, sua família e sua herança toda em seu nome, porque você tem que ser a mulher da vida dele. Ele tem que se jogar na relação como alguém que salta no abismo escuro, sem medo ou dúvida e não tem direito sequer a uma lanterna. Que dirá uma corda.
Então é disso que vocês falam quando falam de amor? De um salto no vazio? Esse amor, quero não, hein.
Espero mais do que alguém com a cara quebrada no chão, áspero e duro que, muitas vezes, é a minha vida.
Eu quero me dar o direito de mostrar que além do vazio, e além de toda a dureza, há também no repertório do meu existir, jardins e pomares, e que, na época certa, se bem cuidados, estão sempre a florescer e frutificar, mas que para isso enfrentam chuvas fortes, cortes, secas, estiagens, como a natureza perfeitamente ordena e funciona.
Eu espero que o amor seja um plantio em solo arado, preparado, cultivado, cuidado, molhado, respeitado, para na hora certa, colher os frutos ou perfumar o ar com suas flores. “Eu quero a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida”, sabe?
As pessoas se esqueceram desse tempo. Do tempo em que a fruta foi apenas uma semente, uma possibilidade, um talvez, uma aposta que, em união com um solo fértil e mais um montão de coisas, como chuva, nutrientes, vento, passarinhos, abelhas, acabou dando certo. Assim: naturalmente.
Vejo todos saindo por aí em busca de uma árvore pronta, já crescida, com fruta fresca, de preferência orgânica, adequada ao seu solo, que sequer tiveram o cuidado de preparar. Querem simplesmente que a árvore sirva. Não basta mais ter a mesma filosofia de vida, ter alguns gostos em comum, uma vontade de conversar, de estar junto e fazer amor. Não, longe disso, é preciso gostar, assim como você, do sushi de barbatana de tubarão branco dos mares da Austrália, senão: não serve. Não basta gostar de esportes, tem que gostar de arco e flecha praticado nos campos da Irlanda, senão: não serve. Oi? E a gente vai ser siamês então, né? Isso é o “combinar” que vocês tanto falam?
E nisso se baseia uma série de relacionamentos. Na filosofia do “time is money”, fast-food, consumo, consumo, consumo. Seja o “combo” que eu preciso, que preencha e transborde todo esse meu vazio e rápido, e agora, pelo preço que posso pagar: o mínimo. Sirva-me agora ou te descarto. Te odeio e te ceifo sem o menor toque de compreensão, paciência ou respeito.
Depois se perguntam por que um após outro, não encontram ninguém que queira um relacionamento. Sem o menor senso de autoanálise se perguntam: o que está acontecendo com as pessoas? O que está acontecendo com o mundo? Eu devolvo a pergunta com todo o carinho: o que está acontecendo com você, minha filha?
Você já parou para pensar como estão eles? Os homens? Depois de tudo o que “conquistamos”, em uma sociedade na qual a mulher faz questão de gritar e esgoelar: eu não preciso de homem, eu me basto! Eu posso tudo! (E antes que as discípulas de Beauvoir me chicoteiem em praça pública, digo, podemos mesmo. Inclusive retomar o lugar que nos é natural de mulher, feminina, sem com isso perder nossa principal conquista: o poder de escolha).
Você espera que ele esteja pronto. Simples assim. Como em gôndolas de exposição, de preferência em liquidação, pra você, independente que é, ir lá e adquirir, testar e descartar em caso de defeito de fábrica? Como você pode esperar isso, se nem você está pronta? Ou está? Não, né?! Ainda bem. Porque uma pessoa pronta, na minha opinião, é uma pessoa acabada, chegou ao fim, evoluiu tudo, não precisa mais de ninguém. Ou seja, já pode morrer. Será que o amor só existe no paraíso?
Aí, nessa loucura de gente se procurando sem se encontrar, criam-se regras modernas na tentativa (falida) de simular um modelo perdido da princesa no castelo cercado por fossos quase intransponíveis, só acessado pelo príncipe mais forte, mais lindo, mais rico, mais tudo do reino. Coisas do tipo: mulher tem que ser difícil (leia-se: impossível); se ele realmente quiser, ele vai te ligar, te achar, te raptar, te salvar. Você está proibida de ligar, mandar e-mail, dizer que gosta, que tem saudades. Ou seja, tranque-se na torre calada e espere que se ele for “o cara”, ele vai dar um jeito.
Ah, para né gente! Já passamos dessa fase, já conquistamos o direito de nos expressar, de dizer: hei, vamos devagarzinho, vamos nos conhecer, vamos ver as luas? Você tem medo? Eu também. Mas tá tudo bem, vamos tentar. Enquanto isso, a vida segue. A minha, a sua. E a gente vai compartilhando o que der, o que for possível, o que der vontade.
Sem deixar de lado o espaço das outras coisas da vida da gente, os outros amores, a começar pelo próprio. O amor da família, a realização no trabalho, o amor dos amigos e por aí vai. É tanto amor e possibilidades de alegrias e vida na vida da gente. Por que raios alguém achou que uma pessoa, um único ser humano seria capaz, e principalmente necessário, para preencher isso tudo? Por que mesmo?
Eu estou abrindo mão aqui e agora de um amor avassalador, dramático e arrebatador. Quero não. Quero um amor-semente fértil. Para crescermos juntos, tentando, ajustando, ciclando, conforme as luas e as estações. Enquanto isso, vou cuidando do meu solo, tomando meus cuidados, cerquinha branca em volta, porteira aberta, mas com mata burro, claro.
E, depois de tanta filosofia, me deu vontade de ir ali abraçar uma árvore, afinal, como já disse aquele filósofo do YouTube: “as árvores somos nozes”.