Este é o terceiro e último texto sobre “Watchmen”. Semana que vem volto a falar sobre temas muito mais palpitantes como a função do ponto-e-vírgula; e o que significa “palpitante”. Escrevi sobre o quadrinho, o filme do Zeca Isnáida e agora, finalmente, vou falar sobre a série de HBO.
Este texto foi escrito depois do quarto episódio e já dá para concluir algumas coisas. A primeira: quem gosta do filme do Zeca Isnáida não vai curtir a série, que é uma continuação da graphic novel e não da bos, digo, da brilhante produção zeca-isnaidiana.
A história se passa 34 anos depois dos quadrinhos. O presidente agora é Robert Redford, que trocou o tédio do Festival de Sundance pela chatice da política. No finalzinho da HQ, um jornal menciona a candidatura do ator, então a coisa é “canônica”. O plano de Ozymandias com o falso polvo gigante deu certo. A corrida nuclear acabou e o mundo se uniu contra ameaças extradimensionais. Aparentemente, os Estados Unidos incorporaram vários países. O Vietnã é um deles. Lá, como aqui, o comunismo deu ruim e talvez exista apenas em países ridículos do Terceiro Mundo, como Cuba e Venezuela. A ver.
A série menciona que a Rússia está construindo uma “câmera de campo intrínseco”, experimento que acidentalmente criou o Doutor Manhattan. Em vez da corrida nuclear pode ser que aconteça uma corrida de super-seres em “Watchmen”, mas ainda é cedo para tirar conclusões.
A ação se passa em Tulsa, Oklahoma, e tem ligações com os distúrbios raciais que ocorreram (de verdade) em 1921, quando a Ku Klux Klan atacou e destruiu a próspera comunidade negra local. No mundo de “Watchmen”, os descendentes das vítimas podem requisitar uma indenização ao governo — conhecida pejorativamente como “redfordation”. Isso provoca a ira da nova Klan, que agora usa máscaras de Rorschach e se chama Sétima Kavalaria. No passado, eles atacaram policiais e familiares num evento chamado de “Noite Branca” e, por conta disso, a polícia de Tulsa pode usar máscaras de super-heróis, mas o vigilantismo continua proibido no restante dos Estados Unidos.
A história começa com a assassinato do chefe de polícia extremamente gente boa (Don Johnson) que tem, porém, um esqueleto no armário. Quer dizer, “esqueleto”, não, um camisolão da Klan. Isso só pode significar uma coisa: no universo de “Watchmen” não existe “Django Livre”.
A morte do policial é atribuída à Sétima Kavalaria, mas é evidente que há uma conspiração maior por trás de tudo. Pelo menos é evidente para a protagonista, Sister Night, que é policial, mas se veste de super-freira. Ela começa uma investigação por conta própria e entra em cena Laurie Blake, a ex-Silk Spectre, que agora trabalha para o FBI caçando vigilantes. Aparentemente, Laurie fez as pazes com o passado, adotou o sobrenome do pai (O Comediante) e virou uma badass que adora piadas sarcásticas. Não é nem de longe a mesma personagem que conhecemos nos quadrinhos. Ou algum acontecimento traumático provocou uma mudança psicológica profunda nela ou o roteirista seguiu o primeiro mandamento da Hollywood atual: “Acrescentes mais uma Strong Female Character ou não terás dinheiro para a produção!”
Enquanto a investigação sobre Don Johnson prossegue, descobrimos que um velhinho simpático numa cadeira de rodas é um garoto que sobreviveu ao massacre de Tulsa. Ele também é avô de Sister Night e talvez tenha super-poderes. Talvez. Uma trilionária vietnamita comprou a empresa que um dia foi de Adrian Veidt, o Ozymandias, e é claramente a vilã da história. Os Rorchachs são apenas uma distração e a sub-trama que os envolve não é importante. Ozymandias foi dado como morto, mas vive cercado de clones numa mansão que parece situada no interior da Inglaterra, mas que, ao que tudo indica, está em Marte sob a guarda do Doutor Manhattan, que ainda não deu as caras. Ozymandias é interpretado por Jeremy Irons que faz mais uma excelente interpretação de Jeremy Irons.
O “Watchmen” da HBO é divertido, bizarro e cheio de easter eggs. Falta, contudo, aquilo que tornou a HQ um marco: desenvolvimento de personagens. Não tem.
O que tem é mistério que não acaba mais. Por exemplo: chovem mini-lulas, logo alguém está se esforçando para manter viva a farsa do polvo gigante. Será a vietnamita ricaça? Será o Doutor Manhattan? Será Robert Redford? Será o Benedito? Ninguém sabe.
O produtor e show runner é Damon Lindelof, co-criador de “Lost”, um colossal fenômeno pop que teve um final ridículo: todo mundo estava morto desde o primeiro episódio e nada na série realmente importava. O problema de enfileirar enigmas é que a audiência cria suas próprias teorias e a conclusão orquestrada pelo roteirista nunca é satisfatória. Certo está David Lynch que se recusou a explicar “Twin Peaks” e terminou a série com muito mais perguntas do que respostas. Mas ele é David Lynch e não Damon Ligelof. Ainda assim, “Watchmen” vale muito a pena, embora pareça mais um spin-off de “Doom Patrol” do que da graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. Quem vigia os showrunners? Ninguém!