Até o fim desse texto, o segundo que escrevo sobre “Watchmen”, vou provar que Zack Snyder é uma besta. Não saia daí.
Toda época inventa o seu apocalipse. Atualmente nós nos angustiamos com ondas gigantescas invadindo cidades por conta do aquecimento global. Nos anos 1980, o fim do mundo era nuclear e parecia estar a poucos minutos de acontecer. É por isso que os relógios dominam a novela gráfica “Watchmen”. É um relógio esquecido na câmara de testes de campo intrínseco que faz o físico Jonathan Osterman voltar até lá e ser desintegrado para renascer como Doutor Manhattan.
A obra de Alan Moore e Dave Gibbons também faz referência ao “Relógio do Juízo Final”, criado pelos cientistas nucleares de Chicago em 1947 e que marca, simbolicamente, os minutos que faltam para o apocalipse. Em 1986, ano em que o quadrinho foi lançado, ele marcava 23h57 devido aos discursos belicosos do presidente americano Ronald Reagan e ao avanço dos soviéticos sobre o Afeganistão.
A destruição do mundo por bombas nucleares está presente em toda a cultura pop dos anos 80: “Mad Max 2” (1981), “O Dia Seguinte” (1983), “A Hora da Zona Morta” (1983), “O Exterminador do Futuro” (1984) e “Akira” (1988), para citar apenas alguns.
“Watchmen” faz parte do mesmo zeitgeist e reflete esse stress. No quadrinho, a existência de super-heróis não afeta o desejo autodestrutivo da raça humana e é isso o que motiva Ozymandias a assassinar milhões para salvar bilhões. É uma escolha moral, mas ele tem o direito de fazê-la? Essa é a essência da obra. Quem vigia os vigilantes?
O plano de Ozymandias é extremamente elaborado, envolve falsas empresas de “exploração extradimensional” e a fabricação de uma bizarra criatura por meio de engenharia genética. É por isso que a HQ “Contos do Cargueiro Negro” é intercalada à trama de “Watchmen”. O roteirista do gibi de piratas é um dos colaboradores de Ozymandias na criação da farsa. Além da aparição do monstro colossal em Nova York, que já vai provocar a morte de milhões, o vilão quer imprimir no inconsciente coletivo o registro de um mundo de horror lovecraftiano, única coisa capaz de fazer a humanidade se unir, pensa ele.
Esse plano mirabolante só faz sentido num universo povoado por super-heróis. É uma conspiração ridícula que só tem lógica num mundo ridículo e é isso que dá sentido à sátira trágica de Alan Moore e Dave Gibbons. Moore já explicou que seu objetivo era fazer uma versão dramática de “Superduperman”, uma antiga HQ de Harvey Kurtzman e Wally Wood publicada no “Mad” clássico. E é por isso que Zack Snyder é uma besta.
Embora o filme dele tenha seus acertos — a trilha sonora, Rorschach na prisão — a coisa toda desaba com o final alternativo, que faz a culpa da conspiração recair sobre Doutor Manhattan. Não faz sentido. O peladão azul é o trunfo americano na Guerra Fria. Mesmo se desse a louca no cara, ele ainda seria um problema dos americanos e acirraria ainda mais o conflito, em vez de acabar com ele. Além disso, pro plano dar certo, bastaria que Adrian Veidt, o Ozymandias, levasse um lero com Doutor Manhattan e, pronto, a história sequer existiria.
Zeca Isnáida só entende de câmera lenta e personagens bidimensionais como o Leônidas do insuportável “300”, um filme ruim inspirado numa HQ que também é um lixo. Melhor nem entrar nas considerações políticas sobre esse quadrinho menor de Frank Miller para não provocar a militância fascistoide das redes. Ah, quer saber? Foda-se. A obra é proto-nazista com sua glorificação à morte, ao militarismo e aos espartanos de raça pura. Pronto, falei.
Por ser a besta que é, Zeca Isnáida também afundou a DC no cinema. Ele transformou o Superman num alienígena sem noção capaz de destruir cidades inteiras sem se importar com os seres humanos. Como o herói é a pedra angular da DC, o universo inteiro ruiu.
É só por hoje. Semana que vem tem mais.
PS: o Relógio do Juízo Final marca 23h58 desde o ano passado, mas o espírito do tempo é outro.