Quando uma obra consegue mexer com as certezas do leitor e deixá-lo atônito, pode-se dizer que se trata de um livro de tirar o fôlego. E, para aqueles que gostam de leituras impactantes e perturbadoras, a Revista Bula reuniu em uma lista dez títulos essenciais. Alguns analisam profundamente os conflitos íntimos do ser, enquanto outros narram os horrores de acontecimentos que mudaram os rumos da história. Entre os escolhidos, estão “A Estrada” (2006), de Cormac McCarthy, que ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção em 2007; e “Desonra” (1999), de J.M. Coetzee, escritor que foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2003. As obras são de diferentes épocas e foram selecionadas pelos editores da Bula.
Kemal, descendente de uma família rica e tradicional, está prestes a se casar com Sibel, uma mulher inteligente e refinada. Na Turquia dos anos 1970, eles representam um casal moderno, que se arrisca a fazer sexo antes do casamento. A vida de Kemal parece completa em todos os aspectos. Mas, ao reencontrar-se com Füsun, uma prima distante de dezoito anos que trabalha como vendedora, toda a sua estabilidade colapsa. Ele passa a ter encontros sexuais frequentes com a jovem, embora não considere romper o noivado com Sibel. À medida que o casamento se aproxima, a pressão sobre Kemal aumenta. A partir dessa história de obsessão amorosa, Pamuk desenha um panorama social e cultural da Turquia.
O livro aborda o relacionamento aparentemente sólido de um casal de americanos que mora em Londres. Lawrence é um disciplinado pesquisador de um instituto de estudos estratégicos, um homem sério e muito culto. Irina é uma acomodada ilustradora de livros infantis que se depara com uma vontade incontrolável de beijar outro homem: Ramsey, um velho amigo do casal e um dos jogadores de sinuca mais famosos da Inglaterra. A partir desse único beijo, a autora escreve duas histórias para oferecer ao leitor desdobramentos diferentes do futuro e explora as consequências e as motivações mais íntimas da escolha de Irina.
Num futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades foram transformadas em ruínas e pó, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Os poucos sobreviventes vagam em bandos. Entre eles, um homem e seu filho, que não possuem praticamente nada, buscam a salvação e tentam fugir do frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada é a única coisa que pode mantê-los unidos e lhes dar esperança para continuar vivendo. Com “A Estrada”, Cormac McCarthy ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção 2007.
Mario e Olga vivem uma relação de 15 anos, com altos e baixos de um casamento normal, sem nada que justifique um término abrupto. Mas, de repente, Olga é abandonada por Mario. Presa ao cotidiano estilhaçado com dois filhos, um cachorro e nenhum emprego, Olga relembra os momentos críticos do passado com Mario e se dá conta de que foi humilhada e enganada. Em um mergulho existencial, com raiva da justificativa mentirosa do marido ao tê-la deixado, ela procura novos sentidos para a sua vida. Assinado pela autora cuja verdadeira identidade é mantida em segredo, “Dias de Abandono” colocou Elena Ferrante no panteão dos maiores autores da literatura atual.
“Morreste-me” foi a obra que revelou o escritor português José Luís Peixoto. Em 66 páginas, Peixoto relata a morte do seu pai após um sofrido tratamento de saúde, o processo de luto e a experiência de voltar à casa onde viveu durante a infância, que agora está vazia. Sem o pai, a casa mergulha em um constante inverno, independente do passar dos dias: “Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as casas, a branquear a cal; e o tempo entristecido, o tempo parado”. Peixoto se sente envolto pela morte e apenas as lembranças do pai ajudam a aliviar o presente.
O livro conta a história de David Lurie, um professor de literatura que não sente prazer em dar aulas, mas é um pesquisador renomado e acaba se acostumando com seu emprego na Universidade da Cidade do Cabo. Lurie não sabe como conciliar sua formação humanista, seu desejo amoroso e as normas politicamente corretas da universidade onde dá aula. Mesmo ciente do perigo, ele se envolve sexualmente com uma aluna. Acusado de abuso, é expulso da universidade e viaja para passar uns dias na propriedade rural de Lucy, sua única filha. No campo, esse homem atormentado toma contato com a brutalidade e o ressentimento da África do Sul pós-apartheid.
Com base nos acontecimentos históricos ocorridos na fronteira entre os EUA e o México no século 19, Cormac McCarthy reinventa a mitologia do Oeste americano. A história acompanha um garoto sem nome, conhecido apenas como “kid”, que é forçado a deixar o lar ainda na infância. Para sobreviver, ele ingressa na gangue brutal do capitão John Glanton, uma companhia de mercenários que, a mando dos governantes locais, atravessa o deserto com a missão de matar o maior número possível de índios e trazer de volta seus escalpos. Glanton é acompanhado pelo juiz Holden, um personagem sem escrúpulos que nunca dorme e anota em um caderno todas as suas observações cruéis.
Em “Vida e Destino”, Vassili Grossman, que esteve no campo de batalha e acompanhou os soldados russos em Stalingrado, constrói um retrato da Rússia soviética, com foco nos anos da Segunda Guerra Mundial. Intercalando um petrificante relato da batalha de Stalingrado com a história de uma família de classe média, dispersa pelas forças do destino entre a Alemanha e a Sibéria; o autor cria uma intrincada trama que retrata um tempo de horror quase inimaginável, mas também de esperança, apesar de tudo. Confiscado pela KGB, o livro permaneceu inédito até a metade dos anos 1980. Uma vez redescoberto, foi alçado a um dos romances mais importantes do século 20.
Tendo como cenário as ruas miseráveis de uma Nápoles em ruínas, após a expulsão dos alemães nazistas pelo Exército Americano, o livro acompanha as observações do Capitão Malaparte, responsável por fazer a ligação entre os italianos antifascistas e o exército aliado. O ano é 1943, a cidade está um caos, a prostituição é desenfreada e o cheiro de morte se espalha por todos os lugares. Para sobreviver, as pessoas são capazes de tudo, inclusive vender os próprios filhos. Todo o desastre é supervisionado por soldados americanos que, na sua ingenuidade, não sabem exatamente o que estão fazendo ali. Misturando realidade e ficção, o autor registra os grandes horrores deixados pela Segunda Guerra Mundial.
Nesta novela, Tolstói narra a história de Ivan Ilitch, um juiz de instrução que, após alcançar uma vida confortável, descobre que tem uma grave doença. A partir daí, ele passa a refletir sobre o sentido de sua existência e percebe que poucos momentos que viveu realmente tiveram significado e que seu desempenho durante a vida foi superficial, tanto no trabalho quanto nas relações sociais. Preso ao leito, diante da morte iminente, o juiz tem a oportunidade de meditar sobre sua vida, algo que as preocupações corriqueiras o impediram de fazer antes. Ivan Ilitch quer morrer para dar um fim à dor, mas seu instinto de sobrevivência insiste em fazê-lo lutar pela sua vida.