Cláudia Leite e Jennifer Lopez exibem todo o seu virtuosismo no único ‘talento artístico’ que possuem: rebolar
Eu não sei sinceramente quem será o campeão da Copa do Mundo do Brasil, mas hoje, pelo menos, já é possível dizer quem é o principal derrotado: a música. Num país que seguramente tem a música popular mais diversificada e rica do mundo, a apresentar uma exuberância de grandes artistas em estilos tão diversos, que vão do samba à música sertaneja (aquela “de raiz”, não esta farsa “universitária”), da bossa nova ao forró, do carimbó ao vanerão, é incompreensível que uma música tão ruim quanto “We Are One” tenha sido escolhida para tema sonoro oficial da Copa do Mundo no Brasil pela FIFA. Ou será que não?
Na verdade, o desastre foi premeditado. Quando anunciaram a escolha de Cláudia Leitte como a “cantora da Copa”, já sabia de antemão que poderia haver tudo nessa composição, exceto qualidade musical. Afinal, o que esperar duma cantora de axé que não passa do arremedo genérico de Ivete Sangalo — outra cantora que, por si só, já é péssima? Teríamos uma nova “Dança do Caranguejo”, música do repertório grotesco que a cantora exibe em cima do trio elétrico todos os meses de fevereiro na micareta gigante que chamam de “carnaval da Bahia”? Como o nome de Leitte, tal qual o de Sangalo, é sinônimo de músicas comerciais vergonhosas, verdadeiras peças promocionais que só servem para vender abadá para a classe média com dinheiro no bolso e péssimo gosto musical, já era previsível que a música-tema da Copa do Mundo 2014 fosse mais uma dessas trilhas sonoras tão descartáveis quanto qualquer música composta para a abertura de uma telenovela global.
Todavia, como tudo o que está ruim ainda pode piorar, fizeram o favor de unir Cláudia Leitte a dois dos maiores embustes da indústria fonográfica da “terra do Tio Sam”. Refiro-me ao rapper Pitbull, o “rei da desafinação eletrônica”, e à rebolativa Jennifer Lopez, um desses projetos de “divas pop” de quinta categoria que são exportadas a rodo dos Estados Unidos e cujo único “talento artístico” é sua bunda. O resultado dessa união, que bem poderíamos designar de “Trio da Vergonha Alheia”, é “We Are One (Ole Ola)”, uma música industrializada como uma lata de sardinha, inacreditavelmente chata, que, de tão sem graça, sequer consegue cumprir seu objetivo medíocre de servir de pretexto para mulheres seminuas “rebolarem até o chão” (de preferência se isso puder atrair a atenção de algum jogador milionário no intervalo das partidas).
Qualquer um que ouça “We Are One (Ole Ola)” notará que a composição não tem letra. Ninguém consegue entender o que nenhum dos três péssimos cantores tenta inutilmente dizer (nem Cláudia Leitte na sua constrangedora intervenção em português). Tudo se resume a um amontoado de frases de botequim, escritas num inglês primário, como “ponte” para em seguida emendar o “olê, ola” — que é repetido mais que “aleluia, irmão!” em culto evangélico. Às vezes chego a pensar que até mesmo os letristas semianalfabetos do sertanejo universitário, especializados na criação de versos em monossílabos, escreveriam algo melhor. Mas quem se importa, não é mesmo?
De fato, não há muito com que se importar. Essas músicas “tema” de Copa, mesmo em outras edições, sempre foram muito ruins. Ainda assim não deixa de ser decepcionante que a música brasileira seja usada como “pano de fundo” para uma peça publicitária de um nível tão baixo, algo tão patético que nem mesmo os participantes do reality show “O Aprendiz” de Roberto Justus, no auge de sua incompetência amadorística, seriam capazes de conceber.
Para completar, alguns jornais já começam a difundir a ideia de que “We Are One (Ole Ola)” é música “com cara de Brasil”. Infelizmente, existem jornalistas que acreditam que basta colocar passistas de escola de samba e o pessoal do Olodum que a música ganha “brasilidade”. Talvez do ponto de vista mercadológico ou publicitário. Contudo, sob o prisma da qualidade musical, ou em termos de composição mesmo, nem os competentes percussionistas do Olodum conseguem disfarçar que foram apenas usados para travestir de “música brasileira” um mix de axé music com hip hop de baixíssimo nível — e que alguns empresários gananciosos tentam vender como “música latina” pelo mundo.
Agora, com o lançamento do clipe da música oficial da Copa do Mundo 2014, o arremedo de composição de trio elétrico que é “We Are One (Ole Ola)” torna-se ainda mais ridiculamente caricaturesco. Ver Jennifer Lopez rebolando de short apelativamente em meio a bombados de academia, devidamente fantasiados de capoeiristas, e aos instrumentos de percussão garante ótimas risadas (nem menciono sua voz esganiçada, uma das coisas mais insuportáveis na face da Terra). Já Cláudia Leitte não decepciona. Ela entoa a única palavra que parece existir no seu minguado vocabulário em língua portuguesa: extravasa!!! (Assim mesmo, caro leitor, com várias exclamações, um sorriso plástico no rosto, gesticulando qual a profetisa que declara seu lema de vida, isto é, “libera e joga tudo pro ar!”).
Não sou daquele grupo que fica maldizendo a Copa do Mundo do Brasil. Pelo contrário. Julgo chatíssimos estes usuários de redes sociais que insistem nesta grita mal-humorada de que “não vai ter Copa”. No fundo, essas manifestações não passam de campanha político-partidária mal disfarçada, a antecipar a histeria das eleições presidenciais de outubro. Acredito, isto sim, que os protestos contra o evento organizado pela FIFA, acaso quisessem ser oportunos, deveriam ter sido feitos muito tempo antes, quando ainda se iniciava a organização da competição esportiva. Agora, com bilhões de reais do dinheiro público investidos em estádios, são extemporâneos. Assim, protestar contra a Copa, boicotando-a, é medida das mais equivocadas, que em nada contribui com o turismo, única fonte de retorno imediato em eventos desse porte, além de pauta das mais relevantes para garantir a sustentabilidade da economia. Desse modo, deixo claro ao leitor que minha presente crítica não quer se somar à ranzinzice das redes sociais contra a Copa do Mundo realizada no Brasil. Em contrapartida, é impossível assistir ao clipe da música oficial da competição futebolística e não se surpreender com o fato de que conseguiram piorar o que já era previsivelmente ruim.
No final das contas, talvez a razão esteja com Cláudia Leitte, quando canta no trecho em português de “We Are One”: “Não importa o resultado, vamos extravasar!” É, caro leitor, parece que extravasar, seja lá o que isso signifique no dicionário do “micareteiro” da axé music, é a única coisa que nos resta. Eu apenas corrigiria a letra, modificando-a para o seguinte: “Não importa o resultado, a música popular brasileira já perdeu”. Vamos torcer então para que a nossa seleção tenha um desempenho bem melhor em campo que aquele demonstrado pela FIFA quando elegeu esta peça publicitária de quinta categoria como tema da Copa do Mundo. Porque só a taça de campeão do mundo redime o Brasil do vexame que é essa música oficial, interpretada por Cláudia Leitte, Jennifer Lopez e Pitbull — o “trio da vergonha alheia”.