Como diz o meu iluminado e octogenário pai, não tenho pressa, não faço questão em morrer logo. Gladiador, duro de matar, sou novo demais para ser digerido pelas vísceras mornas da terra. Pelo sim, pelo não, gozo de uma saúde irritante. Homem de meia idade, ainda consigo meter gostosinho a cabeça no travesseiro e dormir feito o bebê de Rosemary. Nada me perturba o sono, senão o feitiço do tempo e os sonhos eróticos de uma noite de verão. No plano onírico, aliás, todos em Terabítia me colocam em boa conta. Sou o mais requisitado dentre todos os homens do presidente, se é que me entendem.
Pode até parecer intriga internacional, mas, o fato é que eu fui requisitado pelo Matias, o noivo neurótico de uma noiva nervosa, um notívago com gênio indomável que trabalha numa promissora funerária em Chinatown, preenchendo barrigas com plástico-bolha, para que eu lhe indicasse filmes, ótimos filmes que ele pretendia assistir durante a madrugada, entre um embalsamamento e outro. O Matias, cuja morte lhe cai bem e que é moço demais para ser chamado pelo sobrenome, sabe que, além de um reconhecido escritor no meu círculo familiar — mamãe que o diga — sou também um cinéfilo presunçoso que se amarra em trocadilhos confusos e amassos nas poltronas confortáveis da fila M.
Não tenho estômago o suficiente para traçar esfirras em Casablanca, uma birosca sofisticada que funciona na mesma rua do Sindicato dos Ladrões, ao lado da funerária onde o Matias dá expediente. Enquanto ele se empanturra com panturrilha-de-boi moída, bebo Matrix e devoro tomates verdes fritos. Quanto mais quente, melhor. Bons companheiros, quase famosos, conversamos. Ele anota tudo num guardanapo, como se estivesse escrevendo a lista de Schindler.
De volta ao futuro, tive o devido cuidado de compilar os melhores filmes de todos os tempos, baseando-me em parâmetros estritamente pessoais. Tenho o coração selvagem e um bom gosto que nem lhes conto. Entretanto, ao comparar a minha lista com outras mais ilibadas, mais técnicas e mais robustas, concebidas por atores, diretores, roteiristas, críticos de cinema e fãs da sétima arte, notei que os meus escolhidos apareciam na maior parte delas. Portanto, posso assegurar ao jovem Matias, um papa-defuntos que não merece ser chamado pelo codinome, que não estou a lhe indicar frivolidades cinematográficas para ocupar o tempo ocioso.
Cantando na chuva, curtindo a vida adoidado, estendo a sugestão desses filmes aos diletos leitores que ainda não os viram e que me suportaram até este ponto. Afinal, felicidade não se compra. O sol é para todos. São pérolas da telona. Trinta filmes antigos, cujas tramas nunca pareceram tão atuais, para serem assistidos antes que o diabo saiba que você está morto. Apertem os cintos.
Porque a cena final da Estátua da Liberdade enterrada na areia é uma espécie de mau presságio.
Porque eu gostava de brincar de matar quando era criança e, hoje, homem crescido, tornei-me um pacifista convicto, ridicularizado pelos amigos, que é contra a flexibilização do porte e do uso de paus-de-fogo neste país.
Porque é um filme de gângster que, no fundo, no fundo, apenas exalta a amizade e a lealdade entre pessoas.
Porque a beleza estonteante da Claudia Cardinale amolece o coração dos facínoras.
Porque, ao ridicularizar os nazistas, o diretor Quentin Tarantino redime toda a humanidade.
Porque ser bonzinho é cafona.
Porque o filme tem um final impensável, o mais inusitado que já vi em todos os tempos.
Porque sou um cara de família.
Porque Al Pacino está jovem, bonito e brilhante.
Porque foi um dos poucos filmes que conseguiu dobrar o meu orgulho e me fazer chorar feito criança.
Porque deixa claro que não se deve confiar nos amigos.
Porque Robert De Niro faz uma atuação esplendorosa e está fisicamente irreconhecível.
Porque os loucos somos nós, que não sabemos viver a vida.
Porque a pior luta é aquela que se trava por dentro da gente.
Porque a trama é absurdamente espantosa.
Porque a cena de assassinato na banheira me fez passar dias sem tomar banho.
Porque Travis é um perturbado, como a maioria de nós.
Porque envelhecer, sem dúvida, é uma grande merda.
Porque, por mais que se tente, não dá para enganar a morte.
Porque fazer sexo, em pé, no meio de um cinema lotado, me pareceu um ato bastante ousado e tesudo.
Porque o silêncio incomoda.
Porque tem o Clint Eastwood, que se parece à beça com o meu amado avô.
Porque a corrupção só é charmosa no cinema.
Porque eu nunca tinha pensado nisso antes: Parar de crescer.
Porque senti medo, desde o início, e fui surpreendido por um final absolutamente arrebatador e impensável.
Porque a cara de psicopata do personagem de Jack Nicholson é simplesmente medonha.
Porque a verdade sempre prevalecerá, a despeito da justiça.
Porque o filme é um tributo, um reconhecimento, uma declaração de amor às artes.
Porque, ao retratar fielmente o livro de Anthony Burgess, o filme comprova que, miseravelmente, a violência é uma atributo inato e indissociável do ser humano.
Porque a guerra faz com que Deus, em forma de chuva, chore de arrependimento por ter criado o ser humano à sua imagem e semelhança.