É óbvio que o rock não errou. No máximo, confundiu, provocou, tirou sarro, consumiu noites de sono de papais e mamães, interrompeu a inércia de políticos e burocratas de um status quo viciado em castração mental. Roqueiros com pedigree não se deixam seduzir por zonas de conforto. Aliás, se for pra zonear, que seja no terreno do eterno confronto entre o novo e o velho. E que vença o melhor, ou seja, o novo, sempre.
Fazer rock transcende o ato de tatuar o corpo com imagens de caveiras, perfurar o clitóris com parafuso, deixar a cabeleira crescer, surrar com a palheta uma guitarra distorcida, sentar a pua no “sex and drugs”. Em essência — antes de mais nada — rock é atitude. Aliás, ultimamente, anda faltando um bocado deste atributo aos moradores de um planeta que parece desgovernado, não apenas na esfera musical.
Por mais risível e sem noção que a analogia possa parecer, o que o rock’n’roll fez pela Humanidade, no que concerne a questionar “estados de coisas” e peitar o conservadorismo arbitrário, em particular, na segunda metade do século passado, é comparável ao advento dos anestésicos para a ciência médica. Fiquem comigo, pois eu insisto em viajar na maionese: a diferença entre ambos era o objeto. Quer dizer, o éter e o clorofórmio amorteciam a dor física; o rock, a dor na alma. Poético, não? Dá até pra compor uma balada roqueira com coisas desse tipo.
Convencido de que Deus e o amor até que ajudam, mas, quem salva pra valer é a música (nesse caso, eu reverencio toda a boa música feita no mundo, inclusive, a brasileira), compilei as dez mais importantes, significativas, emblemáticas e transformadoras canções de rock dos últimos 60 anos.
Vou logo avisando que não são as dez canções de rock que mais gosto. Trata-se apenas de um pequeno roteiro, uma cartilha, uma colinha, um resuminho da bíblia do rock, um be-a-bá, um puxadinho de hinos para serem cantados — sem hipocrisia, nem fanatismo — com as crianças, seja em casa, na escola, no playground ou num leito de hospital. Eu sei que o ditado é careta e brega, mas, quem ama cuida: é crucial educar os ouvidos dos incautos, antes que “arrochas e lepo lepos” ponham tudo a perder.
Bill e seus cometas penetraram na atmosfera musical dos anos 1950 com um som tão impressionante e carismático que era impossível não se deixar desintegrar com os riffs e acordes. Depois de “Rock around the clock” — primeiro grande hit do estilo — os esqueletos nunca mais pararam de sacudir.
Não bastava ser roqueiro, era preciso parecer roqueiro, não só pelo ar insolente, pela atitude despojada, mas, pelo estilo de vida e vestuário. Alguém aí trocaria todas as facilidades do mundo por sapatos de camurça azul? Carl Perkins, sim.
Romance, paixão, diversão a dois. Eis a sedutora fórmula apregoada nos primórdios pelos mensageiros do rock. Para completar, com o advento das pílulas anticoncepcionais no início da década de 1960, ninguém mais segurou o pequeno Richard e a esguia Sally: o amor começava, finalmente, a se tornar livre.
É impensável que os detentos de Pedrinhas do Maranhão trocassem toda a bruteza — deles e do cruel sistema carcerário do Estado — pelo som contagiante do Rei do Rock. Mas, não custa sonhar. Aliás, o sonho é um predicado da música e da arte. Que rolem as pedras. As cabeças, por favor, não. Não na frente das crianças, como disse minha avó quando papai tocou Elvis na vitrola da sala de estar pela primeira vez.
Um caipira tocando guitarra numa cabana de madeira no meio da floresta. Qual a chance deste tema virar um sucesso de vendas no mercado da música sertanejo-universitária? Zero, ora bolas! No repertório das duplas urbanoides brasileiras, de sertanejo mesmo, só os motoristas burros pilotando seus camaros amarelos.
Em terra de cegos, quem tem um olho é rei, certo? Errado. O rock existe justamente para quebrar conceitos e paradigmas. Ray perdeu a visão ainda na meninice, acometido pelo tracoma, doença infecto contagiosa que atinge a pobreza, os desassistidos sociais do Estado. Mesmo sendo negro, mesmo sendo pobre, mesmo não enxergando o teclado do piano, ele cravou o seu nome da história da música.
Esta foi a primeira composição de Lennon e McCartney a atingir o topo nas paradas de sucesso inglesas, catapultando os Garotos de Liverpool ao estrelato e eternizando a sua obra. Por favor, me agradem: toquem aí qualquer canção dos Beatles, mesmo que seja uma tão bobinha e boa quanto “Please please me”.
Havia uma falsa rivalidade acirrada entre os Beatles e os Stones, um confronto sutil estereotipado entre os bem comportados e os “bad boys”. Havia um enorme jogo de cena, artimanhas mercadológicas para que ambas as bandas conquistassem o público. Na verdade, os rapazes eram bem próximos e amigos, inclusive, Lennon e McCartney cederam “I wanna be your man” para que Mick Jagger e sua trupe de antissociais gravassem. “Satisfaction” ficou marcada como a mais popular gravação dos Stones. Eu, por exemplo, sempre que ouço, quero um pouco mais. Eu nunca consigo me satisfazer, mas eu tento.
Em matéria de habilidade no manejo de uma guitarra, Jimi Hendrix é uma unanimidade entre seus colegas e fãs de música. Considera-se que ele seja o maior guitarrista desde a explosão do “Big Bang”. Neste momento, enquanto escrevo este texto, manifestantes ateiam fogo em pneus interrompendo o trânsito na cidade, ocupando os noticiários, intoxicando o meu dia. Outro protesto contra o Governo. Ato legítimo, atentado antidemocrático ou manifesto punk-rock? Impossível não recordar Hendrix metendo fogo na própria guitarra num palco em Monterey, em 1967.
Muitos, inclusive eu, consideram esta a melhor canção de rock de todos os tempos. Trata-se de uma composição inspiradíssima, possivelmente ditada por Deus ou por um alienígena, a trilha sonora perfeita para adentrar no Paraíso, sentar-se à direita ou à esquerda do Pai — tanto faz — para juntos ouvirmos, com a máxima atenção, cada qual a sua maneira, outra grande obra de criação.