Vamos matar a tristeza que, nestes dias longos e incertos, nos consome a todos por dentro. Vem, vamos juntos incendiar os corações dos que não sabem mais que todos nascemos destinados a vencer nossos medos. Cada um de nós é um São Jorge que pode aniquilar o dragão do próprio receio. Vem, vem comigo.
Berremos do alto de prédios para a multidão entorpecida que corre pelas ruas em busca de suas pequenas e vãs glórias diárias; saudemos aqueles que foram postos à margem pelo simples fato de que as rotinas bolorentas invejam sua liberdade multicolorida; assobiemos pelas calçadas ao lado de carros que não se movem na cidade eternamente parada, dirigidos por motoristas que tampouco se movem em suas vidas também paradas e amorfas; vamos em massa às ruas gritar aos que têm a alma seca para que percebam a mudança das estações, a chegada das águas, o frio que apazigua e o calor que excita. Tudo isso está à vista e eles não veem, os cegos por escolha própria.
Busquemos nas livrarias o livro que sempre desejamos ler, ouçamos a música que embalou nosso mais caro amor, bebamos as bebidas da moda e aquelas que ninguém mais bebe, degustemos pratos exóticos em tardes preguiçosas. Comer, rezar, amar, mas também beber, receber, doar, cantar, ler, ouvir, sentir, tatear, pegar, agarrar. Façamos de nossas vidas um dicionário prático de todos os verbos listados em frios Aurélios e Houaiss.
Haverá resistência. Os que se ofendem com a alegria alheia montarão barricadas, aqueles que se comprazem escrutinando os defeitos dos semelhantes farão guerrilha; os inimigos da espontaneidade cobrarão silêncio e respeito. É sempre assim: em cada canto, sem perceber a escuridão que o rodeia, há sempre quem queira impor a ordem da “moral e cívica” a quem prefere as lonjuras da vida sem peias. Eu prefiro essas lonjuras, e você?
E se não vier resposta mesmo que nos ouçam cantando, berrando, saudando, assobiando, bebendo e cantando? E se nem todos aqueles que se perderam por caminhos tortuosos de lágrimas desnecessárias conseguirem notar nossa estridência? Não, não se preocupe. Não tem importância se a multidão não nos ouve, basta um, bastam dois, sabe? Seremos, eu e você, a nova banda para o velho triste que vive doente e o homem sério que conta dinheiro.
Você tem medo? Eu também. Mas venha, vamos juntos, a soma dos nossos medos será igual a medo nenhum. Se surgir um esgar de escárnio, devolveremos um permanente sorriso de acolhimento e perdão; quando nos apontarem seus dedos raivosos, apontaremos os nossos para as estrelas e a Lua. A cada artigo de lei, um poema de amor de Neruda, e aos códigos de boa conduta iremos contrapor nossa cartilha de alegre bem viver. Alguém haverá de notar. Basta um, bastam dois.
Sim, vamos hoje ainda matar a tristeza, compor para ela um réquiem e fazer um sinal de vade retro. Vem, vem comigo.