No noticiário, uma novidade: um jovem morador de rua, adolescente, recebeu chicotadas em um supermercado, sendo amarrado e torturado por seguranças. Seu crime: ter tentado furtar uma barra de chocolate. O garoto foi imobilizado por longos 40 minutos, totalmente nu, recebendo uma justiça que só ocorre com determinadas pessoas aqui no Brasil. Não é preciso discorrer sobre a tonalidade de sua pele.
Furtar é um crime contra o patrimônio, previsto no Código Penal. É errado, um ato ilícito, reprovável como qualquer outro que a sociedade tenha tipificado em um código de proibições. Mas é o Estado quem toma para si o direito de punir, e isso só após todo o aparato de defesa e acusação existente em um processo criminal. Por isso, o exercício da punição feito por qualquer cidadão — a chamada autotutela ou vingança privada — é também um ilícito penal.
Analise a banalidade da situação: um garoto surrupiou uma barra de chocolate e, em consequência, foi torturado brutalmente. Não há proporcionalidade, não há humanidade, não há nada. É a mais pura barbárie, em estado bruto, acontecendo bem em frente aos nossos olhos, centenas de anos após a abolição assinada por Isabel. Nosso país, que foi o mais resistente a extirpar a escravidão, segue com a crueldade recaindo sempre sobre os excluídos históricos. É de embrulhar o estômago.
Uma jovem advogada, em episódio recente, foi arrastada pelos cabelos durante uma audiência trabalhista. Um garoto, sofrendo um surto epiléptico, foi sufocado até a morte por seguranças de um supermercado. Uma família foi confundida com assaltantes e teve o carro fuzilado com mais de 80 tiros, matando um pai de família. Em Salvador, um homem foi retirado de uma agência bancária com um “mata-leão”, na frente da filha de 14 anos. O elo que os une é a cor da pele. Alguém vê esses mesmos absurdos acontecendo com pessoas brancas?
São histórias que demonstram a seletividade da punição no país. Há um abominável preconceito velado, muitas vezes negado, que derrama constantemente sangue negro em nosso chão. Este acontecimento com o jovem morador de rua não é um episódio isolado: é antes um simbolismo que remete a um mal que nos assombra até hoje. No fim, a punição não foi no garoto. Foi toda em nossas costas, e em nossa conta. Parafraseando Clarice Lispector, a primeira chicotada espanta, a penúltima nos atinge e a última somos nós mesmos. Triste Brasil.