Martha A. Ackelsberg explicita os avanços das lutas femininas durante a batalha que mexeu com o mundo, terminada há 80 anos
A Guerra Civil Espanhola às vezes é chamada de “a última guerra romântica” — como se pudesse existir alguma guerra realmente romântica. Quem quiser entendê-la a fundo deve consultar os livros de Stanley Payne e Antony Beevor, dois seus principais estudiosos. Pode-se dizer que o 1968 da Espanha se deu entre 1936 e 1939, com experimentos políticos se desenvolvendo a rodo, de maneira organizada ou não.
Do lado republicano, havia anarquistas, socialdemocratas, socialistas, trotskistas e comunistas. Estes chegaram à hegemonia prendendo e, até, matando aliados que convertiam em adversários e, sobretudo, inimigos. A pesquisadora Marta A. Ackelsberg decidiu estudar um tema menos divulgado: a luta emancipatória das mulheres na Espanha revolucionária. “Mulheres Livres — A Luta pela Emancipação Feminina e a Guerra Civil Espanhola” (Elefante, 400 páginas, tradução de Julia de Macedo Rabahie), de Martha A. Ackelsberg.
A editora liberou trecho do prefácio escrito pela autora do livro: “As questões pelas quais me interessava quando escrevi este livro ainda são relevantes atualmente: quais são os ensinamentos deixados pelas experiências da Mulheres Livres, mesmo num contexto político tão diferente? Como dialogamos com eles? […] Espero que a história da Mulheres Livres e as histórias individuais de algumas de suas militantes possam inspirar aquelas que estão hoje em lugares muito diferentes da Espanha da década de 1930, mas que se deparam com obstáculos aparentemente gigantes, sejam políticos, culturais ou econômicos. Ainda que o mundo delas e o nosso sejam diferentes, suas lutas para conquistar reconhecimento e respeito numa sociedade que lhes negou direitos podem ser esclarecedoras e instrutivas. Numa época em que pressões pela homogeneidade, pela conformidade e pelo retrocesso das transformações sociais parecem estar em ascendência, podemos, talvez, aprender com aquelas que defenderam a abertura para a mudança e para novos modelos de organização social, mesmo no contexto da guerra civil. Precisamos de toda a ajuda disponível.
“Comecei esta pesquisa muitos anos atrás, num contexto político bastante distinto do atual. Quando este livro foi publicado pela primeira vez, nos Estados Unidos, em 1991, o Muro de Berlim tinha caído havia pouco, a União Soviética estava no mesmo caminho, Nelson Mandela tinha acabado de ser solto da prisão em Robben Island, e o Brasil se recuperava dos anos de ditadura militar. Eram os primórdios das revoluções digital e tecnológica que transformariam as economias pelo mundo, e mal se podia imaginar que assistiríamos a manifestações contra a globalização — a Organização Mundial do Comércio (OMC) sequer havia sido criada. Havia muito trabalho pela frente para enfrentarmos a desigualdade e a injustiça em todo o mundo, mas, ao mesmo tempo, havia também um sentimento de esperança e a expectativa por mudanças.
“Não vejo nenhuma ironia no fato de que a edição brasileira de ‘Free Women of Spain’ seja publicada agora, num momento em que tanto o Brasil como os Estados Unidos enfrentam a ascensão de coalizões de direita, não tão diferentes daquelas que provocaram a Guerra Civil Espanhola. Apesar dos esforços dos movimentos sociais populares de oposição, em ambos os países candidatos pseudopopulistas tiveram êxito nas eleições presidenciais ao apelar para os altos níveis de alienação e descrédito dos políticos tradicionais, afirmando que tirariam o país das mãos de elites corruptas que, por muito tempo, foram indiferentes aos problemas da população.
“Ainda que a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, não tenha sido, talvez, tão inesperada quanto a de Donald Trump, em 2016, o fato é que parece que estamos testemunhando a ascensão de governos autoritários e movimentos neofascistas pelo mundo. Ativistas em ambos os países (e em muitos outros) temem pelo futuro de suas instituições democráticas relativamente novas — e também por aquelas mais antigas —, e se perguntam como transformar a agenda pública e o equilíbrio do poder político para começar a recuperar espaços perdidos. Sou extremamente grata à Editora Elefante por garantir a oportunidade de introduzir este livro entre o público brasileiro contemporâneo, e por me permitir — e às mulheres da Mulheres Livres — contribuir de alguma maneira para esse diálogo em curso.”