Plínio Salgado se via como um líder fascista exilado e estava mais do que disposto a se articular com o Eixo para garantir sua posição de líder nacional
O austríaco Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha em 1933 — de maneira democrática, sem golpe — com o apoio da direita e de setores de centro. Logo depois, passou a promover expurgos, perseguindo comunistas e democratas. Os judeus começaram a ser massacrados desde o início (ainda não era a Solução Final). O regime forte dos germânicos agradou parcela das elites políticas, militares e intelectuais patropis. Integrantes do governo de Getúlio Vargas, como Eurico Gaspar Dutra e Goes Monteiro, eram simpáticos ao nazismo. O próprio Getúlio, ainda que mais esquivo e mantendo antinazistas ao seu lado, como Oswaldo Aranha (pró-americano), era simpático às ideias de Benito Mussolini, o fascista italiano, e de Hitler. Em 1937, por meio de um golpe, criou um regime autoritário e, até, totalitário — conhecido como Estado Novo (1937-1945). O sistema gerado pelos brasileiros era mais próximo, inclusive do ponto de vista constitucional, do alemão e do italiano do que dos Estados Unidos, da França e da Inglaterra, democracias plenas.
O Estado Novo expurgou a esquerda comunista e a direita integralista da mesma maneira. O escritor (modernista), jornalista e político Plínio Salgado, depois de um golpe malsucedido, em 1938, acabou sendo exilado. Sua história tem sido contada, quase sempre do ponto de vista político e literário, mas o doutor em história João Fábio Bertonha decidiu analisar também o indivíduo no livro “Plínio Salgado — Biografia Política: 1895-1975” (Edusp, 401 páginas). Trata-se de um desses trabalhos que a universidade produz de melhor: rigoroso, documentado, bem escrito (é uma tese de livre docência apresentada na USP). Não se trata de obra “isenta” — até porque isenção é um mito de pés de barro —, mas é nuançada, distanciada. O autor usa os fatos para “julgar” o sujeito, o agente, mas também para compreendê-lo, estendendo, obviamente, a compreensão ao seu tempo. Plínio Salgado não é tratado como santo nem como demônio.
Se Getúlio flertou com Hitler, quase entabulando um namoro — rompendo o quase-namoro ao descobrir um noivo mais rico, os Estados Unidos, país endinheirado que ajudou o governo brasileiro a desenvolver a indústria siderúrgica, além de emprestar money —, Plínio Salgado, assim como outros integralistas, os galinhas verdes, no dito pejorativo, “namorou” e até se “casou” com os fascistas italianos e com nazistas alemães. O texto a seguir é baseado num trecho do livro de João Fábio Bertonha, intitulado “Os contatos com fascistas e nazistas em Portugal”.
“Os contatos de Plínio Salgado com agentes nazistas e fascistas em Lisboa constituem-se, provavelmente, em uma das partes mais obscuras de sua biografia”, afirma o pesquisador. Como Mussolini e Hitler foram derrotados e ficaram com imagens extremamente negativas, depois de 1945, quando acabou a Segunda Guerra Mundial, não era de bom tom admitir que, há pouco tempo, se estivera aliado com os dois, digamos, “monstros” (um deles, Hitler, operou um máquina azeitada que matou cerca de 6 milhões de judeus, assim como ciganos, homossexuais, em campos de concentração e extermínio). Plínio Salgado, como tinha um futuro político pela frente, tratou de “esconder” parte de seu passado, colaborando para torná-lo ao menos nebuloso. Ainda que nenhuma Hannah Arendt tropical tenha ousado chamá-lo de “o último dos românticos” (Heidegger seria mais ou menos isto, em certa acepção), Plínio Salgado reintegrou-se à democracia (disputou a Presidência da República, contra Juscelino Kubitschek, e obteve 8% dos votos) e, em 1964, alinhou-se ao regime autoritário.
Entre 1941 e 1942, Plínio Salgado estava em Lisboa e, claro, enfurecido com Getúlio, que, com seu golpe, havia impedido que se tornasse o Füher do maior país da América Latina. Se tivesse chegado ao poder, o escritor teria se tornado uma espécie de Mussolini ou de Hitler dos trópicos. A hegemonia de Getúlio acabou por transformá-lo num micro Mussolini, ou até num Mussolini caricato. Nessa época, frisa João Fábio Bertonha, “a negociação com o Eixo era a última cartada e a única maneira de se vingar de Vargas. E, nesse período, essa cartada se tornou viável, pois Berlim e Roma, desiludidos com Vargas e identificando a aproximação brasileira com os Estados Unidos, consideraram que Plínio Salgado e o integralismo eram as últimas chances que eles tinham de tentar alguma mudança nos rumos da política” do país.
Com os Estados Unidos puxados para a guerra, pela “imperícia” do Japão, aliado da Itália e da Alemanha, os nazistas estavam em busca de aliados e, claro, de informações. “Várias agências de inteligência alemã manifestaram interesse em procurar Salgado em Portugal. A Legação alemã em Lisboa tinha instruções de manter contato com ele, mas quem tomou atitudes concretas foi o Sicherheitsdienst (SD) de Walter Schellenberg”, assinala João Fábio Bertonha. Erich Schroeder, representante do SD, entrou em contato, em Lisboa, em 1941, com Plínio Salgado e com Hermes Lins Albuquerque, secretário do escritor.
O historiador sugere que Plínio Salgado tomou a iniciativa de encontrar Erich Schroeder, pois “queria retomar o contato com Berlim que ele já havia tido, ainda que de forma intermitente, desde os anos de 1930. Com a aprovação do SD, o próprio Schellenberg foi a Lisboa, no início de 1942, falar com ele”. Os dois lados decidiram cooperar. “Um oficial da SD, Adolf Nassenstein, foi nomeado para servir de ligação, recebendo relatórios sobre o Brasil que eram escritos por Salgado (o “agente x”), que utilizava, para isso, informações que lhe eram enviadas por seus representantes no Brasil. Em troca, o SD prometia apoio a Plínio Salgado no caso de uma reviravolta na situação do Brasil e ajuda financeira para sustentar o integralismo no país. Salgado, nessa reunião, auspiciou estreitos contatos entre a SS e a AIB”, anota João Fábio Bertonha. O “agente x” era tanto Plínio Salgado quanto Hermes Lins.
Os experts alemães “avaliaram que” os relatórios de Plínio Salgado “eram muito bons, mas, às vezes, desatualizados, já que as fontes de Salgado eram essencialmente os de sua rede no Brasil, cujos dossiês demoravam a chegar a Lisboa. Ainda em 1942 e 1943, os relatórios de ‘x’ continuavam a chegar a Berlim”.
O que concluir? “O que me parece real é um contexto geral em que Plínio Salgado aceitou a agir em nome dos alemães, sendo apenas os detalhes sujeitos à discussão. (…) Salgado olhava a Alemanha como fonte de recursos financeiros e logísticos e, em caso de vitória do Reich na guerra, um suporte político para seus sonhos de poder no Brasil. Já Berlim via, em Plínio Salgado, um potencial instrumento de propaganda, inteligência, espionagem e, talvez, de alguma utilidade política no futuro. Um parceiro olhava para o outro, contudo, com desconfiança e receios. Caso muito diferente foi o da Itália, cujos contatos com o exilado Plínio Salgado refletem a densidade de suas relações anteriores com Roma. (…) Em abril de 1942, o Ministero degli Affari Esteri entrou em contato pela primeira vez com ele em Lisboa, por intermédio de seu amigo dr. Colpi”, relata João Fábio Bergonha. Plínio Salgado “declarava que, mesmo estando em contato com os alemães, sua simpatia maior permanecia com a Itália, o que é coerente com seu histórico anterior”. Mas a Alemanha de Hitler era mais rica e poderosa militarmente do que a Itália de Mussolini. Era a fonte central do poder do nazifascismo na Europa.
Porém, com o tempo, sobretudo com a ascensão dos aliados, que começaram a mudar os rumos da guerra, “o Eixo avaliou que Salgado não tinha muito a oferecer” e os “contatos e planos foram simplesmente abandonados”. O britânico Alexander Cadogan, ligado a Winston Churchill, denunciou Adolf Nassenstein como espião ao governo salazarista (que, embora autoritário, se apresentava como “neutro”).
Pego no pulo, Plínio Salgado negou publicamente que havia sido “agente” de Mussolini e de Hitler. Ele queria evitar ser visto como “opositor” tanto do Brasil quando de Portugal. “Salgado teve então um cuidado quase obsessivo em esconder todas as provas do fato e em negar os boatos que haviam surgido”, escreve João Fábio Bergonha.
A Inteligência dos Estados Unidos e da Inglaterra avisaram o Itamaraty das ligações de Plínio Salgado com fascistas e nazistas. O embaixador brasileiro em Portugal, João Neves Fontoura, “não acreditava e aceitava as alegações de inocência de que Salgado transmitia a ele”.
João Fábio Bertonha detecta que Plínio Salgado também pode ter mantido ligação com a Alemanha nazista via Argentina. O representante da SD na Argentina, Siegfried Becker, “teria se encontrado com” o escritor e Hermes Lins de Albuquerque em Portugal.
O historiador sublinha que uma coisa deve ser vista como consolidada: “Plínio Salgado, em 1941-1942, ainda se via como um líder fascista exilado e estava mais do que disposto a se articular com o Eixo para garantir sua posição de líder nacional”. João Fábio Bertonha acrescenta que, em Lisboa, a “rede de contatos” do escritor “estava centrada na extrema direita, fascista ou não fascista, portuguesa”.