Podem hackear à vontade. Não tenho nada de especial para esconder, a não ser o embaraço de permanecer vivo. Não gastaria os seus grampos tentando compreender coisas assim. Aliás, nada de novo no front, senão, as mazelas de sempre. Flertes. Farpas. Maledicência. E alguma pornografia também. Fica descabido seguir à risca qualquer um dos dez Mandamentos, quem dirá, todos eles juntos. Já deu, acima de tudo. Quem manda em mim é a dúvida. Pouco importa quem foi Moisés ou o que as empresas privadas vierem a fazer com a merda dos meus dados pessoais sigilosos. Vou lhes contar um segredo: sou um cidadão ordinário com uma descrença extraordinária na humanidade. Possuo casa própria e um bocado de desencanto. Há sorte e mérito nisso. Podia ter nascido do útero de uma mendiga, no meio de um capinzal. Contudo, vim ao mundo num berço quente de uma família branca da classe média. Não sou rico. Não sou poderoso. Não sou adepto à suruba e aos amigos influentes. Não escondo dinheiro nos paraísos fiscais. Para muitos, pode parecer um inferno, mas, eu não tenho o menor interesse em aplicar as minhas parcas economias no mercado imobiliário, nem na bolsa de valores. Sempre vale a pena a companhia de um pôr do sol. Duro mesmo é arrumar tempo para o que realmente importa. Se eu fosse vocês, não gastava palpites sobre um sujeito cujas metas mais ambiciosas são conhecer Liverpool e caminhar descalço pela faixa de pedestres da Abbey Road, em Londres. Prometo não publicar esses momentos. Quem precisa de um Mark Zuckerberg? Gravo na retina as boas experiências vividas; as ruins, ainda que vívidas, eu dispenso na lixeira da memória. Comparados com aqueles que desejam dar uma volta completa pelo mundo, os meus sonhos andam bem raquíticos. Há várias situações que eu repilo com veemência. Ser reconhecido na rua. Autografar camisetas de estranhos. Dar as caras numa balada lotada de gente vazia. Engravidar modelos. Ser acusado de um estupro. Participar como convidado de honra num reality show que paga meio milhão e uma picape. Aliás, estou vendendo o meu carango. Entrego pela melhor oferta. Único dono. Nunca matou ninguém. Velocímetro original de fábrica. Rodei mais de 100 mil quilômetros e não cheguei a lugar nenhum. Repeti caminhos, buracos, desvios. Até hoje, os repito. Reputo a mim mesmo esse afeição mórbida pelos ciclos viciosos. Ademais, prefiro seguir com as próprias pernas. Um dia, hei de fazer o famoso caminho de Compostela. Nem precisava ir tão longe para um mergulho no meu interior. Podia muito bem gastar sola de sapato em território nacional. A encantadora Estrada Real, por exemplo. Cortar o chão do Oiapoque ao Chuí, sem aceitar caronas. Realmente, eu não me entendo muito bem. Por isso, contínuo pouco confiável. Guardem as suas escutas telefônicas para os babados mais relevantes. Alguém pouco elegante que foi eleito pela maioria esmagadora dos votos. Uma amante devotada. Um ex-torturador que está morrendo de câncer. Um imortal medíocre da academia de letras. Uma mala cheia de dinheiro. Uma treta com a Receita Federal. Conluios com juízes. Helicópteros de cocaína. Comendas cínicas, podres, compradas, imerecidas. Acho que nunca serei um escândalo à altura das suas expectativas. Se eu não posso ser o sândalo, que eu seja o vândalo de mim mesmo, para uma desconstrução cotidiana, diuturna, indispensável. Uma metamorfose contínua pelo aperfeiçoamento emocional de um ser que busca se adaptar a um mundo pobre de amor, de tolerância e, sobretudo, de fantasia.