The dark side of me

The dark side of me

O lado escuro de mim rivalizaria com o lado escuro da lua.

O lado escuro de mim picharia o arco-íris, sem dó nem piedade, aliás, com uma satisfação incrível, como se eu escrevesse palavras de ordem sobre as tetas de uma ativista nua.

O lado escuro de mim acenderia a ira dos burocratas da ANEEL.

O lado escuro de mim testaria de uma vez por todas a nossa amizade.

O lado escuro de mim colocaria napalm na caixa d’água dos generais de guerra, os crudelíssimos filhos-da-puta velhos-de-guerra.

O lado escuro de mim recomendaria que as meninas dos olhos deles enchessem os seus balões de látex numa câmara de gás.

O lado escuro de mim urinaria na palma da mão de um torturador de carreira.

O lado escuro de mim convenceria o psicanalista a se deitar ao meu lado no divã.

O lado escuro de mim adoraria figurar nas manchetes sensacionalistas dos jornalecos de quinta categoria, sem solicitar direito de resposta.

O lado escuro de mim plantaria chuchu no muro de concreto construído por Israel na Cisjordânia.

O lado escuro de mim podaria begônias, sem remorsos, com uma tesoura voadeira na meia cancha.

O lado escuro de mim também morderia maçãs no Jardim do Éden.

O lado escuro de mim cobiçaria, não somente a mulher do próximo, mas as suas várias amantes, numa progressão geométrica só comparável a uma igreja, um puteiro ou o Congresso Nacional.

O lado escuro de mim, nem que fosse o último a sair, jamais apagaria a luz.

O lado escuro de mim daria a luz a um velho dilema.

O lado de escuro de mim não acreditaria em criaturas infectantes menores do que uma barata, ou seja, microrganismos invisíveis a olho nu.

O lado escuro de mim desfilaria pelado pela sauna do Vaticano sem temer o assédio dos cardeais.

O lado escuro de mim, sem dúvida nenhuma, pularia dentro de um cânion. Afinal, a necessidade faz o sapo pular.

O lado escuro de mim trocaria Lennon e McCartney por Sullivam e Massadas.

O lado escuro de mim, além de deplorável, seria deveras inflamável.

O lado escuro de mim daria várias gargalhadas no seu funeral.

O lado escuro de mim desligaria da tomada aquela luzinha débil no final do túnel.

O lado escuro de mim beberia sem moderação. E mais: dirigiria os seguidores de uma seita rumo a mais completa perdição.

O lado escuro de mim mastigaria a hóstia consagrada como se fosse goma de mascar.

O lado escuro de mim rivalizaria com Deus pelo direito autoral nas catástrofes naturais.

O lado escuro de mim faria o mal, mas continuaria agindo com naturalidade, como se fosse um mero deputado.

O lado escuro de mim mataria sonhos como quem mata aulas.

O lado escuro de mim recitaria um poema erótico — no mínimo — dentro de um presídio de segurança máxima.

O lado escuro de mim acenderia dúvidas atrozes nos aspirantes a homens-bombas.

O lado escuro de mim negar-se-ia a efetuar tiros de misericórdia. Cada qual que cuide de seus problemas.

O lado escuro de mim não se prestaria a atos humanitários como, por exemplo, dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade.

O lado escuro de mim comeria picanha e cunhadas numa sexta-feira da paixão.

O lado escuro de mim daria um cadáver indigente perfeito (ou seja, cheio de anomalias) aos diligentes estudantes de Anatomia.

O lado escuro de mim não se furtaria em colocar em xeque toda a esperança que você deposita no ser humano.

O lado escuro de mim seria simplesmente o final dos finais felizes.

P.S — Crônica inspirada em “The Dark Side of The Moon”, albúm da banda Pink Floyd, 1973, por ocasião das comemorações de 40 Anos do seu lançamento.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.