A coisa mais chocante que já fiz na minha carreira como garota de programa foi defecar sobre um sujeito. Não pude evitar. Fui pega de surpresa. Já estava ali mesmo. O cachê era alto. Além do mais, com um pouquinho de jeito, esticando o pescoço, dava pra enxergar pela janela do hotel a Champs-Élysées iluminada, linda e lotada de gente. Cada cabeça, uma sentença. E eu ali, fodendo com os intestinos. Era véspera de Natal. Pode não parecer, mas, eu tenho o coração mole e, para a sorte da camareira, as fezes duras. No final das contas, deu tudo certo. Um esforço a mais da minha parte. Um pervertido feliz se lambuzando com merda, jorrando pelas pontas feito um gêiser de Haukadalur. Quinhentos euros a mais dentro da bolsa, isso sem contar o cinzeiro estilizado com a silhueta do Mick Jagger.
Obrigado pelo cigarro. Nem sempre dá para selecionar o cliente apenas pela aparência. Tem muita gente abastada que não regula bem da cabeça. É como praticar roleta russa. Eu que o diga. Certa vez, saí com um oficial da reserva, um sniper americano que tinha perdido as pernas e um dos ovos numa explosão de uma mina terrestre em Mossul. Pensei que o cara fosse tranquilo, inofensivo. Bomba. Amputação. Bolsas de sangue. Uma bola a menos. Cadeira de rodas. Essas coisas tocam o coração da gente, você sabe. Nada mal para um aleijado que estava a fim de se divertir. Porém, para a minha surpresa, à certa altura dos acontecimentos, ele parou de correr a língua, sacou um revólver e mandou que eu abrisse bem as pernas. Queria testar se eu era uma mulher de sorte. Havia só uma bala no tambor. Não tive escolha. Fiz tudo como ele mandou, tintim por tintim e comecei a rezar em cinco idiomas. Sou poliglota adepta do cunilíngua. Senti o cano frio penetrando até o talo e escutei o estampido seco e abafado de um click. Deu uma moleza, uma bambeza no corpo. Quase desfaleci. Era como se eu tivesse acabado de gozar. Será que gozei? Não sei se você sabe, mas, prostitutas só atingem o orgasmo por acidente de trabalho. Não. Claro que não. Aquilo ali foi loucura. Eu poderia ter morrido. Eu tinha escapado de um herói psicopata condecorado pelo Bush filho em pessoa.
E por falar em personalidades presidenciais excêntricas, mando muito bem na chuva de prata e no cover da Monica Lewinsky. Cobro mais caro quando descubro que o sujeito atua dentro dos três poderes da república. Afinal de contas, verba de gabinete existe pra isso também. Deixo eles gozarem na minha cara. Sem problemas. Vinte dólares por golfada. Não faz diferença. Já estão acostumados a fazer isso com o povo. O único cliente oficial de quem tive pena foi um deputado federal da bancada da bíblia. Sua Excelência arriou as calças e mandou que eu espancasse os seus testículos com uma edição de luxo, em capa dura, do Velho Testamento. Não era para eu parar no meio do serviço, não era para eu me incomodar com o choro, com os gemidos e com o risco de estar cometendo pecado e heresia. Aquilo foi uma coisa sórdida, convenhamos. Contudo, você sabe, o cliente tem sempre razão. Nesse quesito, sou muito profissional, pode crer.
De perto, ninguém é normal. Quem disse isso? Sigmund Freud? Caetano Veloso? Nelson Rodrigues? Um biscoitinho da sorte? Sim. Você tá certo. Pretendo deixar essa vida, em breve. Há sempre o risco de ser contaminada por micróbios, mas, isso eu tiro de letra. O pior de tudo, o mal maior, o que mais me dá medo é ser atacada por gente cuja crueldade não se cura com antibióticos. Boa pessoa? Eu? Fico lisonjeada. Se já amei alguém na vida? Sim. Claro. Minha mãe. Amei e amo muito a minha mãe. O meu pai não conheço. Então, não tive como me afeiçoar. Marido eu nunca tive. Namorei um bocado, mas, nunca me apaixonei por alguém. Nem homem, nem mulher. Sim. Eu não me canso. Eu gosto de fazer sexo. Foi um tio quem me ensinou. Não era pra eu contar aquilo pra ninguém. Mas, agora, todo mundo já sabe. Um dia ainda saio dessa. Com bastante dinheiro juntado para gozar o resto da minha vida. Sem trocadilhos infames, por favor. Também adorei conhecer você. Dinheiro ou cartão, gracinha?