10 autores seminais da literatura americana

10 autores seminais da literatura americana

Tão marcante quanto as alucinações causadas por LSD, cocaína e whisky, quanto as lembranças que voltam em sonhos do orgasmo mais enlouquecedor de todas as orgias já experimentadas, é a influência da literatura americana na mente dos que amam as letras. E tão eclética quanto as nossas experiências mundanas e imaginárias, são os estilos dos autores que formam esse grande barril de produções que vão dos clássicos aos beats, passando pelos mestres dos mistérios e pelos jornalistas-escritores, que nunca sabem se transformam jornalismo em literatura ou literatura em jornalismo…

Bêbado de leituras, em uma tarde chuvosa na parte negra de Louisville, no Estado americano de Kentucky, na terra do pai do jornalismo gonzo, Hunter S. Thompson, determino aqui, nesse mês de abril de 2014 quais são os dez maiores autores da literatura americana de todos os tempos. Após algumas discussões mentais comigo mesmo tive que chamar ao setor de RH da minha mente autores como Raymond Chandler, Norman Mailer, Edgar Alan Poe, William Faulkner, Joseph Mitchell, Joan Didion, Tom Wolfe, e tantos outros, para comunicá-los que estavam fora do projeto. Alguns aceitaram na boa, como Mitchell, que se recolheu ao anonimato nos últimos anos de sua vida. Outros não se conformaram e quiseram briga, como Mailer e Poe. Já outros, como Chandler e Wolfe, riram ironicamente do meu comunicado. “Who are you?”, perguntaram-me, com um meio-sorriso no canto esquerdo da boca. “Me?”, perguntei. Deixei o silêncio gélido criar uma expectativa no quarto antes de responder: “I’m the greatest reader!”. Eles me encararam por infindáveis segundos antes das gargalhadas quebrarem o gelo do quarto. Quando deixaram o quarto, enxugando as lágrimas dos risos, pude, finalmente, terminar a minha lista.

 

Ernest Hemingway (1899-1961)

Ernest Hemingway

Não sabia aonde encontrá-lo para dar a grande notícia de que ele foi o campeão. Tentei pegar um de seus barcos na Flórida, andei por todo o Golfo do México, perguntei ao peixe gigante que é tataraneto do peixão pescado pelo Velho do Mar, mas não obtive resposta. Fui até a sua casa, em Key West, aonde dezenas de gatos dividem espaço com milhares de turistas todos os dias, mas ninguém sabia dizer aonde encontrá-lo. Fui até o cemitério de Ketchum, no condado de Blaine, aqui nos Estados Unidos, e então uma coruja que repousava sob o seu túmulo me deu uma pista: ele voltou para a Espanha. E lá fui eu, encarar a guerra civil, com roupa camuflada, até que o encontrei sentado em frente a uma casa velha fumando cachimbo. Com toda a humildade do mundo, ele recebeu das minhas mãos um pedaço de papel, assinado por mim, onde estava escrito: “Ernest Hemingway, the best writer of America”. Encarou-me por um segundo e murmurou “thank you, sir”. E continuou fumando o seu cachimbo, olhando para o horizonte…

Jack London (1876-1916)

Jack London

Deixando a Espanha, voltei para os Estados Unidos, direto para a Califórnia. Missão: entregar a medalha de prata a Jack London. Andei por Big Sur, por Los Angeles e vizinhança, mas nada. Entrei numa floresta nos arredores, e perguntei para os descendentes de Caninos Brancos sobre o criador do seu maior líder, mas os bichinhos não falavam “humanês”. Então, resolvi entrar em prisões fétidas, aonde me amordaçaram e me amarraram. Enquanto estava perdendo a consciência falei brevemente com o Andarilho das Estrelas, que me indicou um outro cara, em outra prisão, que era Apaixonado pelo Socialismo. Cheguei lá, ainda mancando, mas já tinham soltado o cara. Estava perdido quando um jovem desiludido com a vida, maltrapilho com um monte de manuscritos embaixo do braço passou murmurando por mim. Ele amaldiçoava a noiva, os sogros, os patrões, a sociedade. Perguntei seu nome, ao que ele respondeu: “Martin Eden”. Então, coloquei em suas mãos a medalha de prata e disse “entregue ao seu criador”. Dei as costas, e fui embora.

Hunter S. Thompson (1937-2005)

Hunter S. Thompson

Da Califórnia, voltei para Louisville, Kentucky. Fui até a casa em que Virginia Thompson criou Hunter Thompson, para ver se via algum sinal do criador do Jornalismo Gonzo, mas nada. Então, resolvi ir até a sede dos Hell’s Angels de São Francisco, novamente na Califórnia, mas os poucos velhinhos que ainda restam do grupo disseram que faz anos que não falam com Thompson. Peguei a estrada de novo e fui para Las Vegas, atrás do Medo e Delírio. Reconheci facilmente o chapéu escondendo a careca, o óculos amarelo, o cigarro no canto da boca e os olhos vidrados. Apresentei-me como o pistoleiro contratado para matar Richard Nixon e, assim, ganhei facilmente o respeito de Hunter Thompson. Disse que eu tinha duas missões: uma, matar Nixon. E a segunda era lhe entregar a medalha de bronze declarando que ele era o terceiro maior escritor de todos os tempos dos Estados Unidos da América. Hunter olhou, sorriu debilmente e disse: “muito obrigado. Vou guardar junto com o meu diploma de Doutor em Divindade”.

Charles Bukowski (1920-1994)

Charles Bukowski

Depois de tomar um ácido peguei um ônibus até Los Angeles. Ainda estava meio maluco quando resolvi parar num bar vagabundo para tomar um whisky na tentativa de amenizar a piração. Sentei-me ao lado de um velho safado que conversava com uma puta velha, gorda e feia. Ele encucou que eu estava querendo comer a pirainha. “Ei, filho da puta, depois que eu comer até te empresto, só que primeiro vamos ali nos fundos lutar um pouco”. Topei. Foi uma luta bonita. Enchi de porrada aquele rosto velho mas que ainda carrega marcas das acnes que o maltrataram na adolescência. O problema foi que enquanto eu pensava “caralho, estou lutando com Bukowski”, ele aproveitou a minha distração e me acertou um belo gancho de direita. Caí na sarjeta. Então ele cuspiu no meu rosto, abraçou a puta e disse “vamos trepar que amanhã quero ir nos cavalinhos”. Eu desmaiei e só fui acordado por um policial na manhã seguinte. Catei uma pensão vagabunda para descansar algumas horas, mas feliz, porque saberia aonde o encontrar novamente. De tarde, lá estava ele, de óculos escuro, com a mesma puta da noite anterior, apostando nos cavalinhos no hipódromo. Sentei ao lado deles e entreguei um papel dizendo que ele era o quarto maior escritor da história dos Estados Unidos. Ele me xingou. Fui embora.

Jack Kerouac (1922-1969)

Jack Kerouac

Eis a missão mais difícil da minha empreitada: encontrar Jack Kerouac. Ele poderia estar em qualquer um dos 48 Estados americanos, além de Washington DC. Missão quase impossível. Decidi começar por Big Sur. Nada. Então resolvi pegar On the Road e atravessar o país de leste a oeste e de oeste a leste, de carona e escondido nos vagões de trem. De vez em quando a grana acabava e eu tinha que trabalhar por uma semana antes de seguir viagem. E de vez em quando alguns amigos meus conseguiam roubar alguma coisa para comer, fumar ou beber. Então, resolvi procurar os seus amigos. Mas também não foi fácil. Encontrei Allen Ginsberg tentando ensinar sexo para os seus alunos na universidade. Ele defendia a experiência total como a elevação do sujeito. Eu estava sem tempo para surubas, mas ele me indicou William Burroughs. Não cheguei nem perto de achar Burroughs, provavelmente porque ele estava em outro planeta, ou escondido na sua plantação de maconha. Acabei voltando para a minha cidade-base nos Estados Unidos: Nova York. Estava matutando na White House Tavern quando de repente ouvi vozes frenéticas planejando mais uma viagem na mesa ao lado. Era Kerouac e Neal Cassady. Apenas parei ao lado da mesa deles, coloquei o papel em que estava escrito “quinto maior escritor americano da história” virado na mesa. Tomei em um gole o copo de vinho de Cassady e saí enquanto ele queria me perseguir. Kerouac o segurou pelo ombro e disse que era perda de tempo bater num coitado como eu, pois eles tinham que cair logo na estrada o mais rápido possível e…

F. Scott Fitzgerald (1896-1940)

F. Scott Fitzgerald

De Nova York decidi atravessar novamente o país (essa porra já estava me cansando) e começar a busca por Fitzgerald pelo fim: Hollywood, a cidade em que morreu. Andando pelas ruas, esbarrei com Leonardo di Caprio. Fui sincero: “Ei, charlatão! Não sei quem você representa no filme, mas você sabe aonde posso encontrar Nick Carraway ou Jay Gatsby?”. Ele franziu a testa e me entregou uma nota de dez dólares, provavelmente achando que eu era mais um maluco lunático pedinte da Califórnia. Filho da puta, murmurei. Fiquei tentado a voltar para Nova York, atrás do sr. Gatsby, mas estava realmente cansado. Fui para o cinema assistir a adaptação do livro para as telinhas e, por muita sorte, o sr. Fitzgerald estava ao meu lado. Ele tirava do casaco do bolso uma pequena garrafa e bebia um longo gole de algo que exalava álcool, ao fim de cada cena, suspirando. Coloquei o papel em que estava escrito “sexto maior escritor dos Estados Unidos” no bolso do seu paletó, dei dois tapinhas em seu peito, e segui meu rumo.

Truman Capote (1924-1984)

Truman Capote

Para encontrar Capote tive muita sorte. Não sabia se voltava para Nova York e percorria as festas da alta sociedade ou se me arriscava no interior do Kansas. Resolvi optar pela segunda opção. Chegando a Holcomb, logo percebi que a cidade ainda estava em choque pela chacina sofrida pela família Clutter. Dois assaltantes malucos entraram na casa durante a madrugada e mataram pai, mãe, filho e filha. Por um momento esqueci o que tinha ido fazer lá, mas logo que anunciaram a prisão dos dois bandidos encontrei um baixinho afeminado com fala cantada e baixinha questionando todo mundo sobre como ele poderia contatar os bandidos. Eu interrompi a sua jornada dizendo que tinha algo muito importante para lhe contar, algo que mudaria a sua vida para sempre. Ele achou que eu fosse um policial ou juiz que tivesse informações privilegiadas… Levei ele até uma estrada, afastada da cidade, e entreguei o papel em que estava escrito “sétimo melhor escritor dos Estados Unidos”. Inconformado pela perda de tempo, ele tentou me obrigar a fazer sexo com ele, mas acabei fugindo dali rapidamente. Foi por pouco…

John Hersey (1914-1993)

John Hersey

A caçada pelo oitavo maior de todos começou na China. Pois é, o oitavo maior escritor da literatura americana na verdade é chinês. Foda-se a lógica, ele produziu a obra em língua inglesa e para uma revista americana. Da China, aonde conversei com alguns de seus familiares, fui direto para Hiroshima, aonde John Hersey ainda entrevistava alguns dos sobreviventes da bomba atômica para escrever a maior e melhor reportagem de todos os tempos, que se tornaria o livro “Hiroshima”. Assim como o Nazismo, a bomba atômica também deixou claro que o ser humano pode ser o mais cruel e estúpido de todos os animais. Fiquei deprimido naquele cenário e não quis atrapalhar o trabalho de Hersey. Portanto, numa manhã, enquanto ele tomava café, apenas parei ao lado da sua mesa, entreguei o bilhete, e fui embora.

Henry Miller (1891-1980)

Henry Miller

A busca por Henry Miller começou em Paris. Entrevistei putas, bêbados, amigos, policiais, todos sabiam de suas proezas, mas nenhum soube me dizer exatamente aonde encontrá-lo.  De Paris resolvi voltar para a base, em Nova York City. De lá fui para o Brooklyn, aonde encontrei um adolescente rebelde que amava literatura. Ainda com espinha na cara, ele olhava as mulheres passando com vestidos até o tornozelo e era possível perceber a ereção nas suas calças. Mesmo correndo o risco de ser preso, ofereci um trago ao garoto. Quando ele estava completamente bêbado querendo estuprar a garçonete, dei um tapa no seu rosto e disse “ei, relaxa! Tome isso aqui, tome mais um trago e vá pra casa”. E, então, entreguei-lhe o bilhete com o seguinte dizer: “nono maior escritor da história dos Estados Unidos”.

Gay Talese

Gay Talese

Finalmente teria o encontro com alguém de carne e osso e que ainda habita esse mundo! Mas, seria muito fácil achá-lo em nosso tempo. Bastaria ir assistir a uma de suas palestras na New York University (NYU), aonde estou fazendo meu estágio doutoral. Então, resolvi curtir. Voltei aos anos 1970, de pude ver e participar da sociedade do livre amor. Conheci ainda Hugh Hefner, que então largava o seu emprego para apostar todas as suas fichas em uma revista chamada “Playboy”. Entrei na casa da família Bullaro e pude ver como o homem sempre gosta da Mulher do Próximo. Também conheci de perto Frank Sinatra, mesmo sem falar com ele, justamente no dia em que o cantor teve uma forte gripe. Acompanhei a administração familiar do maior jornal do mundo, o “New York Times”, e vi que todo o Poder tem um Reino. E, por fim, fiz amizades com os últimos mafiosos de Nova York, e gente que tentava Honrar o seu Pai. Depois de tudo isso, cansado de tantas andanças, eu resolvi simplesmente pedir o telefone de Talese para o meu orientador na NYU, Robert Boynton, e ligar para Talese para lhe dizer: “Escuta aqui, velhinho, você é o décimo maior escritor da história dos Estados Unidos. É isso. Bye!”.

Eduardo Ritter

É jornalista e doutorando em Comunicação Social.