Sabe aquele seu amigo que afirma orgulhosamente que só escreve em máquinas de escrever, usa camisa xadrez e boina? Que acha que as bicicletas vão salvar o planeta, só bebe cerveja artesanal e fuma cigarros com sabor de canela? Aquele que prefere ouvir músicas em vinil, frequenta festivais de cinema iraniano, usa óculos coloridos e bigodes com pontas enroladas? Ele é um hipster. É importante entendê-lo. Os hipsters vivem no passado, mas ameaçam ser o futuro da humanidade. A origens dos hipsters remonta aos fãs caucasianos de músicos negros de jazz da década de 1940, mas contemporaneamente tornaram-se, nas palavras do escritor e macho alfa Norman Mailer, no ensaio “O Negro Branco”, seres “divorciados da sociedade”. A Revista Bula, em mais um serviço de utilidade pública, abre seus arquivos secretos e revela uma lista de 22 filmes que podem identificar a presença de membros dessa curiosa tribo urbana que percorre a cidade usando tênis verde. Por que 22? Dois patinhos na lagoa sempre rende uma boa estampa de camiseta.
O Romeu e Julieta hipster, o Tristão e Isolda hipster, o Abelardo e Heloisa hipster. Um filme com o raio de gravidade tão grande que quase metamorfoseou Peter Parker de nerd em hipster.
Hipsters colecionam tecnologia anacrônica, convictos de que isso ajuda a manter a pureza de sua relação com a obra de arte. Música somente em vinil. Alguns preferem fitas K7. É provável que considerem que o modo ideal de rever “Alta Fidelidade” é numa surrada fita VHS gravada em velocidade rápida em 2001.
Hipster que é hipster não se contenta em assistir apenas “Bonnie & Clyde”. Assiste o primeiro roteiro filmado de Quentin Tarantino, inspirado na saga de Bonnie e Clyde. Roteiro escrito enquanto ele trabalhava em uma locadora de vídeos. Locadoras de vídeo são espaços tipicamente hipsters, sobretudo as poucas sobreviventes. Pesquisas realizadas no laboratório de física quântica da universidade de Harvard, Massachusetts, Ohio, afirmam que elas são, na verdade, vórtices temporais ligando o passado ao presente.
O público preferencial de “Virgens Suicidas” são virgens potencialmente suicidas.
Essa obra-prima contém um tutorial de como se tornar um hipster artista: filme um saco plástico sendo jogado de um lado para o outro pelo vento durante longos minutos. Pronto. Basta esperar os aplausos efusivos da plateia do festival de cinema universitário de filmes conceituais pós-modernos decoloniais anticapitalistas.
O sonho molhado do hipster clássico é ir tomar café da manhã em frente a uma loja da Tiffany, usando uma camiseta com uma foto em preto e branco de “bonequinha de luxo” em pessoa.
Três coisas: narrativa não-linear, cabelos azuis e Jim Carrey fazendo papel dramático. O hipster chora por um olho só.
Hipster que é hipster não luta. Hipster não faz amor (hipster não é hippie), mas também não faz a guerra. Mas assistir e fazer comentários sociológicos sobre “Clube da Luta” é a melhor maneira de criticar o consumismo da sociedade moderna por meio de um produto de consumo da sociedade moderna. Todo mundo ganha. Até a empresa de cartão de crédito, já que seus dados estão todos arquivados nas nuvens.
Filme preferido dos hipsters que usam pulseirinha e colchões quânticos.
Filme contemplativo sobre a incomunicabilidade humana desdobrada na inevitável solidão experienciada pelos indivíduos desterrados e assolados por uma inebriante necessidade de recuperar o sentido de pertencimento… Basta! Basta! Já entendi, já entendi; o filme é muito profundo e complexo, profundo e complexo demais para pessoas que não usam tênis verde.
Um filme hipster que ironiza filmes hipsters. Isso só significa uma coisa: o fim está próximo.
Macacão do Bruce Lee com chapéu de cowboy, animação misturada com ação real, filme de kung-fu com faroeste, tudo junto e misturado. Coquetel hipster.
Hipster profissional só escreve em máquina de escrever. Computador é muito mainstream. Uma máquina de escrever viva seria um sonho de consumo se os hipsters tivessem sonhos de consumo.
Nada mais hipster do que um filme sobre um sujeito totalmente desprovido de características hipsters.
Lebowski é o cara. O hipster clássico adora o filme do cara, porque quer ser o cara. Age como o cara, se veste como o cara, fala como o cara, fica a cara do cara. Uma bela maneira de ficar diferentão sendo igual a todo mundo da galera.
Apenas a versão coreana. Um filme oriental adaptado por Hollywood automaticamente perde seu status hipster.
Toda família feliz é feliz de maneira igual, enquanto toda família hipster é infeliz a sua maneira.
Troque a máscara de hockey de Jason pelo sorriso yuppie de Christian Bale, troque as frugais cabanas à beira do lago por suntuosos apartamentos na 5ª Avenida, troque as inocentes líderes de acampamento por prostitutas de luxo, troque rústicos machados por transados cartões de visita impressos em relevo, troque gritos estridentes por monólogos sobre música pop e temos o “Sexta-Feira 13” para hipsters.
O hipster quer ser John Malkovich porque há poucas manifestações mais hipsters do que a milenar arte do titereiro. Mas o hipster também quer ser Michael Cera, Zooey Deschanel, Audrey Hepburn, Elvis, uma serigrafia do Andy Warhol ou um personagem de Quentin Tarantino.
Um hipster assiste esse filme e pensa: “eu quero ser Michael Cera, o cara derrotou o Tocha Humana, o Capitão América, o Super-Homem e ainda ficou com a garota”. Uma pessoa normal assiste esse filme e pensa: “gostaria de acertar a cara magra e inexpressiva do Michael Cera com um taco de beisebol”.
Hipsters são limpinhos e adoram se sentir moralmente superiores aos junkies.
O estado atual da filmografia de Tim Burton mostra como um grande cineasta sempre corre o risco de se transformar numa parodia de si mesmo quando começa a estampar camisetas e a acreditar no que falam sobre ele.