10 canções que traduzem a alma do rock nacional

Sucesso, qualidade e importância: nem sempre as três coisas, ou mesmo duas delas, andam juntas. Há quem faça muito sucesso, mas com qualidade questionável e, por isso, acaba perdendo em importância. Há quem faça trabalho de grande qualidade mas, sem os devidos meios para propagá-lo, não atinge sucesso e sua importância acaba se tornando pontual. Por fim, se algum trabalho tem importância, seja por notoriedade ou credibilidade, terá de, necessariamente, ter feito sucesso e produzido material de qualidade.

Depois de ler a lista do colega Eberth Vêncio, pensei em elaborar uma lista de outras dez canções (que penso serem) fundamentais do rock nacional. Não necessariamente as minhas favoritas, as que julgo melhores, mas canções que possuem uma carga representativa fundamental.


Rua Augusta (Mutantes)


“Rua Augusta”, originalmente lançada  por Ronnie Cord, é daquelas canções que cresceram e extrapolaram tanto, que já ninguém sabe de onde surgiu: mencionada em vários momentos do rock brasileiro (é uma das primeiras menções de “Made in Brazil”, de Lulu Santos), funcionou também como importante retrato social — A Rua Augusta é um dos mitos da capital paulistana, afinal — e não deixa de ter tremenda relevância musical: além de ter sido um dos maiores sucessos da década de 1960 (em 1964, ficou em terceiro lugar nas paradas de sucesso, só perdendo para “Datemi um Martello”, de Rita Pavone, e “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles), ganharia outras versões clássicas, como a de Eduardo Araújo e principalmente essa, dos lendários Mutantes.

Quero que Vá Tudo pro Inferno (Roberto Carlos)

Em poucas palavras: falar de rock brasileiro e não falar Roberto Carlos, é impossível. Paulo César Araújo, autor do polêmico livro “RC em Detalhes”, disse que duas músicas revolucionaram a MPB: esteticamente, “Chega de Saudade”; socialmente, “Quero que Vá Tudo pro Inferno”. Não há como melhor definir esse clássico do que dizer que se trata de uma canção totalitária: talvez tenha sido o mais próximo de um sucesso universal na história da música brasileira: quer assoviassem, quer cantarolassem, quer citassem, “Quero que vá tudo pro inferno” estava na boca do povo. De todo o povo. A canção causou problemas no setor conservador, em virtude de suas “más influências”. E foi esse o grito de Caetano Veloso em seu retorno do exílio: o bom baiano repetiu exaustivamente o trecho de “Tropicália” que contém o refrão do clássico de Roberto e Erasmo. Aliás, acho que depois dessa história das biografias e da Friboi, o Robertão deveria fazer como Caetano em 72 e mandar um “E que tudo mais vá pro inferno!”

Era um Garoto que Como eu Amava os Beatles e os Rolling Stones (Os Incríveis)

Apesar de ser uma versão (oiriginal em italiano), é uma canção fundamental porque no título já se define tudo: qualquer fã de rock, brasileiro ou japonês, um dia amou, ama ou amará os Beatles e os Rolling Stones. O garoto “cantava Help!, Ticket to Ride, Lady Jane e Yesterday”.  Como o rock, a canção é universal: falava da guerra do Vietnã em tempos nos quais o Brasil começava a se fechar por influência dos militares. É também um sucesso atemporal: quem não se lembra da versão dos Engenheiros do Hawaii, em 1990. Será sempre uma das canções que melhor traduz o espírito da juventude e do rock’n’roll.

Casa de Rock (Casa das Máquinas)

Nos anos 70, dois grandes movimentos do rock fervilhavam: o rock progressivo e o glam rock. Unindo esses dois estilos marcantes — de um lado, nomes como Yes e Genesis, do outro David Bowie e Slade —, no Brasil surgiu o espetacular grupo “Casa das Máquinas”: o som pesado (com oriundos d’Os Incríveis) misturava-se à androginia do vocalista Sinbas, que posteriormente cantou no grupo Tutti-Fruti, de Rita Lee. A canção “Casa de Rock”, faixa de abertura do último álbum de estúdio da banda, poderia muito bem servir como uma definição de rock em algum dicionário da língua portuguesa: “Este é o santo remédio pro seu cansaço, é o alimento do nosso pedaço, esta é casa do tal rock n’roll”.

Jorge Maravilha (Chico Buarque)

Uma das canções mais debochadas já feitas por Chico Buarque, e sua única composição que pode ser classificada como rock. Só por isso já valeria a menção. Mas é um registro interessantíssimo da história brasileira: Chico jura que não, mas tudo leva a crer que seja uma menção ao ex-presidente Ernesto Geisel, cujo regime perseguia Buarque mas cuja filha era apaixonada pelo artista. Se era homenagem a princesa da ditadura ou não, pouco importa: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta” é um dos versos mais rock’n’roll já escritos em português.

Polícia (Titãs)

Os Titãs talvez sejam a maior banda do rock brasileiro, por mais que o Legião Urbana ou Os Mutantes — e outros, alguns presentes nessa lista — tenham talvez uma significância maior em determinados momentos históricos e tenham excedido o campo do rock brasileiro. Faço essa afirmação pensando na quantidade de fases pelas quais a banda passou, e também analisando o sucesso que obeteve nos mais diferentes contextos, com estilos variados: compare, por exemplo, “Sonífera Ilha” (a canção mais tocada de 1984) e “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana” (sucesso em 2001): passaram com desenvoltura pelos dois momentos. A canção escolhida é uma das faixas do álbum “Cabeça Dinossauro”, forte candidato a melhor disco de rock nacional em todos os tempos. A canção é tão pesada que tornou-se sucesso com o grupo Sepultura.

Alvorada Voraz (RPM)

Hoje em dia é até difícil explicar o que foi o RPM e dizer que Paulo Ricardo (o mesmo da abertura da novela “Pérola Negra”, do SBT) foi um ícone do rock nacional. Mas é isso mesmo. Mais na linha do pop, o grupo foi uma das bandas de maior sucesso na história da música brasileira. Naqueles anos 80, fizeram dos sintetizadores uma de suas marcas registradas, além da formação clássica guitarra/baixo/teclado/bateria. Apesar de Paulo Ricardo ser visto como uma espécie de David Beckham do rock, foi na voz dele que ecoou uma das canções mais representativas do período pós-ditadura militar: “O caso Morel, o crime da mala, Coroa-Brastel, e o escândalo das joias…”. Comprovando o valor da canção, 16 anos depois Paulo Ricardo cantou: “O caso Sudan, Maluf, Lalau, Barbalho, Sarney, ninguém paga o jornal”.

Vida Louca, Vida (Lobão)

A versão ao vivo de Cazuza é certamente a mais representativa: tornou-se uma espécie de epitáfio do saudoso poeta. Mas é uma canção de Lobão, feita e lançada por ele no disco “Vida Bandida”, de 1987. Esse álbum, o maior sucesso comercial da carreira do músico, é daqueles que se poderia escolher uma canção à revelia, tantas são as pérolas presentes: “Rádio Blá” (uma de minhas prediletas, genial!) e a faixa-título (um hino do tempo em que Lobão esteve preso) tocaram mais na época, mas “Vida Louca, Vida” é das melhores letras do rock nacional, e eternamente atual: “Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice, dessa eterna falta do que falar”.

Puteiro em João Pessoa (Raimundos)

Com o perdão do clichê, se Roberto Carlos falava em inferno, trinta anos depois Rodolfo falou em inferninho. Outras canções do grupo, como “I Saw you Saying” e “Mulher de Fases”, atingiriam maior sucesso popular, mas foi certamente essa canção — a faixa de abertura do primeiro álbum da banda — a que melhor traduziu a essência da banda, a que mais repercute entre seus fãs (nos shows, era talvez a que causava maior catarse) e também aquela que viria a demarcar um território muito presente na musica brasileira em meados dos anos 90: o das canções satíricas, cujo maior expoente foram os Mamonas Assassinas. Os Raimundos eram uma banda de “Forróck”, como se definiram: e se estamos falando em algo fundamental do rock brasileiro, nada melhor que a união de Luiz Gonzaga e Ramones.

Proibida pra Mim (Charlie Brown Jr.)

Goste-se ou não, Chorão foi o “poeta” da geração atual. Portanto, é fundamental. O Charlie Brown Jr., surgido na segunda metade da década de 90, é uma banda que conseguiu transitar muito bem entre o hip-hop e o rock. Não foram pioneiros, mas tiveram grande importância no gênero, propagando também a cultura do skate e do grafite. A canção “Proibida pra Mim” é tremendamente representativa. A faixa faz parte do disco “Transpiração Contínua Prolongada”, o primeiro da banda — e um dos de maior sucesso comercial, também. A importância do referido sucesso pode ser traduzida pela simples menção da quantidade de vendas no iTunes que a faixa teve quando da morte de Chorão, 16 anos depois do lançamento original: foi a nona mais vendida do mundo naquela semana. Outra amostra é a versão de Zeca Baleiro.

Marcel Pilatti

É professor.