O conjunto de filmes do Estúdio Marvel representa a maior realização da história do cinema. Os cinéfilos cults de pulôver e cachimbo piram, mas é a verdade. Na prática, não há concorrência. Enquanto a rival DC nunca acertou o tom, os filmes com o selo Marvel ganham cada vez mais relevo cultural e artístico. “Star Wars” se tornou uma piada de péssimo gosto. O esgotado Peter Jackson estragou a genialidade de “O Senhor dos Anéis” insistindo em dirigir “O Hobbit”. “Matrix” degringolou com duas continuações patéticas. “Harry Potter” é “Guerra dos Tronos” para crianças e “Guerra dos Tronos” é “Harry Potter” para adultos. O MCU (Marvel Cinematic Universe) reina absoluto.
Os dois grandes pilares do universo Marvel no cinema são o produtor Kevin Feige e o ator Robert Downey Jr, que se tornou a cara do estúdio. Seu Tony Stark transformou-se em um ícone pop. Mas não é só isso: o Capitão América de Chris Evans devolveu o senso de honradez aos heróis fantasiados, Hulk nunca foi tão popular e Thor converteu muitas mocinhas ao culto dos deuses nórdicos.
Entre abril de 2008 e abril de 2019 foram lançados 22 filmes interligados, além de séries de TV e curtas-metragens, compondo um universo multimídia complexo e coerente. Jamais um projeto de criação de universo ficcional alcançou tamanha escala. E, talvez o mais importante, a franquia manteve um satisfatório nível de qualidade, variando entre o mediano e o excepcional. Os pontos baixos, como “Homem de Ferro 3” (2013) e “Capitã Marvel” (2019), são minimizados pelos acertos. Esses pontos altos, como “Os Vingadores” (2012), “Capitão América: Soldado Invernal” (2014) e “Capitão América: Guerra Civil” (2016), são triunfos estéticos, temáticos ou até mesmo sociais, como é o caso de “Pantera Negra” (2018), que chegou a concorrer ao Oscar de Melhor Filme.
Aliás, se a Academia de Hollywood retirar seu pulôver e cachimbo da boca “Vingadores: Ultimato” deve receber outra indicação. Talvez até ganhar, como conseguiu “O Retorno do Rei”, terceira parte da trilogia “O Senhor dos Anéis”. O filme que encerra a fase três do MCU é extraordinário. Em três níveis: como realização técnica, como marco de gênero e, sobretudo, como capítulo final de uma saga que se fecha ao mesmo tempo em que abre possibilidades infinitas. Se George Lucas não conseguiu se lembrar do que ele próprio escreveu ao gestar a segunda trilogia de “Star Wars”, os roteiristas, diretores e elenco do MCU mantiveram uma coerência impressionante para uma coleção tão grande de obras dialogando entre si. O grande responsável foi o produtor Kevin Feige que sempre manteve o pulso firme, mesmo se arriscando em capítulos conceituais como “Thor Ragnarok” (2017) e “Guardiões da Galáxia” (2014).
O sucesso de “Vingadores: Ultimato” prova que é mesmo uma bobagem a proposta de criação de uma categoria para Melhor Filme Popular no Oscar. Os ganhadores do Oscar de Melhor Filme sempre foram filmes populares: “… E o Vento Levou”, “Ben-Hur”, “Casablanca”, “Lawrence da Arábia”, “Operação França”, “Rock, um lutador” e “Platoon”. Apenas recentemente, principalmente após “O Paciente Inglês”, de 1997, tornou-se tendência premiar filmes independentes, pequenos, engajados e de menor alcance popular. Os cinéfilos cults de pulôver e cachimbo podem se assustar, mas o fato é que pessoas normais transformaram em grandes sucessos de bilheteria filmes hoje considerados clássicos. Pode ser o caso de “Vingadores: Ultimato”, no futuro.
Não hesito em afirmar que “Vingadores: Ultimato” é melhor do que tudo o que Godard, Scorsese e Spielberg fizeram nos últimos dez anos. E melhor que a carreira inteira de Lars Von Trier. Mesmo diante de ataques apopléticos dos cinéfilos cults de pulôver e cachimbo insisto: qual o melhor filme dirigido por Spielberg entre 2008 e 2019? “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”? Desonra a série. “As Aventuras de Tintim”? Os quadrinhos são melhores. “Lincoln”? Vale por Daniel Day Lewis. E Scorsese? “A Invenção de Hugo Cabret?” Não. Talvez “O Lobo de Wall Street”. Algo para pensar. Mas, não. Ainda fico com os “Vingadores”. Leonardo DiCaprio se arrastando para o carro não é melhor do que o Capitão América levantando o martelo de Thor.
E quanto a Godard? Admita, cinéfilo cult de pulôver e cachimbo, você não entendeu nada de “Adeus à Linguagem” ou de “Filme Socialismo”. Além do mais, socialismo por socialismo, Thanos é um Stálin ainda mais radical que o próprio Stálin. Inclusive me assunta o número de pessoas defendendo que suas ideias genocidas até que fazem sentido. Só se for para você, senhor carpinteiro do universo cheio de boas intenções! Ah, tinha me esquecido de Lars Von Trier. Mas depois do bobinho, moralista e reacionário “Ninfomaníaca: Volume 2” alguém ainda se lembra?