Top 5 de mentiras do país do futebol

Top 5 de mentiras do país do futebol

Estive pensando, recentemente, em como é verdadeira a frase atribuída a (será que é dele mesmo?) Joseph Goebells, que diz o seguinte: “Uma mentira contada muitas vezes acaba tornando-se verdade”. Isso é parte de todo tipo de imposição de verdade, ideologia — a mais nefasta de todas, como o caso do nazismo. Nem sempre trata-se de uma mentira: às vezes é uma falácia, ou uma “meia verdade”.

No Brasil, a mídia se acostumou a reproduzir essas mentiras-falácias-meias verdades e, com tamanha repetição, acabou produzindo mitos relacionados à cultura e à história do país. Nesse artigo, irei elencar alguns deles.

Eu poderia falar da “polêmica” sobre o maior rio do mundo (“o Nilo é o maior em extensão, mas o Amazonas é maior em volume d’água”) ou do epíteto “país do futebol”, por exemplo: essa ideia é criada a partir do fato de que foi a seleção brasileira a equipe que mais venceu Copas do mundo — realmente, a competição mais importante do respectivo desporto — mas nenhum outro dado real sustenta tal falácia.

Há também pensamentos mais amplos a respeito das terras brasileiras e seu povo, como a dizer que “temos as paisagens naturais mais belas do planeta” ou “as mulheres mais bonitas”: não se trata de mentira, uma vez que não existe uma forma de se medir beleza, mas também não há uma base comparativa. Existem, ainda, mitos que se confundem com propaganda estatal, como dizer que “somos o povo mais multicultural do mundo”, que “temos todas as cores, origens e credos do mundo” e que, por isso, “respeitamos todas as culturas e povos” (?) e — o pior de todos os mitos — “não existe racismo no Brasil”.

Entretanto, me ocuparei aqui de mitos referentes a personalidades ou fatos específicos que são repetidos nos mais diversos veículos sem a menor apuração de sua veracidade.

Santos Dumont inventou o avião

Não se trata de uma mentira, pura invenção, mas sim de uma informação pouco apurada e, por isso, espalhada de forma muito enviesada.

Quando surge a polêmica sobre quem inventou o avião, se Santos Dumont os Irmãos Wright, não existe qualquer tipo de discussão: “isso é coisa daqueles americanos, que se acham os bons, não querem admitir que um brasileiro é melhor”, dizem uns, ou ainda se apegam a datas para comprovar a primazia do brasileiro ante aos irmãos estadunidenses (o voo público do 14-Bis, em Paris, aconteceu em 1906, enquanto que os irmãos apresentariam um modelo, também na França, em 1908).

Alguns, mais apurados, irão afirmar que o invento dos Irmãos Wright necessitou de interferências externas para decolar, enquanto que o de Dumont não precisou de auxílios. Tanto a acusação de etnocentrismo quanto o apego aos anos ou às “ajudas” são falhos em si mesmos.

Em 1903, Orville e Wilbor Wright levantaram voo a bordo do “Flyer I”, e conquistaram tal feito sem catapultas ou semelhantes: não foi apenas uma mas várias tentativas até que se conseguisse realizar o feito.

E quanto à acusação etnocêntrica (ou seria xenófoba?), também conhecida como teoria da conspiração, recurso muito comum para explicar derrotas no futebol por aqui, teria de haver uma cobrança não apenas aos norte-americanos, mas à maior parte dos países ao redor do mundo, que classificam os Irmãos Wright como autores do primeiro voo. Além disso, antes desses três nomes outros inventores (como Clemént Ader, que inclusive cunhou o termo “Avion”) já haviam dado valorosas contribuições.

Mas, e daí? Santos Dumont é o “Pai da Aviação”.

A palavra “Saudade” só existe em português

Certa vez, em uma aula de linguística, meu professor disse: “É: ‘saudade’ só existe em português, mesmo, assim como ‘umbrella’ só existe em inglês”.

Esse mito em torno de “saudade” é baseado em uma inverdade, de fato. Talvez porque na Língua Inglesa não exista um correspondente direto da palavra saudade, conclui-se automaticamente que em nenhuma outra língua haja: “ora, se na língua universal não existe…”.

A falsa ideia a respeito da palavra está presente e enraizada na cultura popular: aparece, por exemplo, em canções como “Tás a Ver?”, de Gabriel O Pensador, e em diversos textos de blogs e tumblrs mundo afora.

Mentira: derivada do latim, “saudade” tem seus correspondentes em não apenas um mas vários países do Leste Europeu, por exemplo. Além disso, há outras tantas palavras, em diversas línguas, que são intraduzíveis em outros idiomas. E dentre as brasileiras, se tem uma que não se pode traduzir é o “cafuné”.

E, afinal, como traduzir para o português a expressão “homesick”?

Pelé é o maior goleador da história do futebol

Pelé tem declarados 1.284 gols. Esse número — apesar de haver alguma confusão em determinadas fontes apontando 1.283, outras 1.282 — dificilmente é contestado: são tomados como verdade absoluta. E é aqui que entra a falácia: Pelé de fato registrou tais gols, mas são usados “dois pesos e duas medidas” ao comparar os números de Pelé com o de outros gênios da história do futebol. Ele foi o melhor jogador de todos os tempos? Provável, muito provável. Mas isso independe do número de gols que ele tenha marcado.

De pronto, usa-se a falácia: comparar o número total de gols marcados por Pelé em sua trajetória (1.28x) e os números oficiais dos outros. Por exemplo, Pelé teria 1.284 gols ante apenas 735 de Gerd Müller. No entanto, somados amistosos e afins, o alemão chega à marca de 1.461 gols (!). E, querendo ou não, Müller fez mais gols (14) em menos jogos (13) de Copa do Mundo do que Pelé (12 em 14). Foi ele o artilheiro da Copa de 1970, que ninguém se esqueça.

Só para se ter uma ideia, nos 128x gols de Pelé estão contabilizados gols pelo “Combinado Santos-Vasco”, pela “seleção do exército”, pelo “Sindicato de Atletas de São Paulo”, pela Seleção brasileira em jogos-treino contra, por exemplo, um “Combinado do Amazonas” em preparação para a Copa do Mundo — gols, aliás, que nem a CBF contabiliza: descontados esses, Pelé somaria 757.

O mito é tão intrínseco na nossa cultura que vale até mesmo desdenhar de outros brasileiros: o grande jornalista Orlando Duarte, por exemplo, se dedicou a escrever um livro (“Fried versus Pelé”) com o único intuito de diminuir os prováveis 1.329 gols de Arthur Friedenrich, reduzindo-os a meros 554, baseando-se no fato de que… são esses os oficiais.

Romário, a exemplo do que se passou com Túlio, também foi alvo de chacotas (“conta gol até em futevôlei”), mas um exame simples vai surpreender: o Baixinho tem mais gols oficiais que o Rei, entende?

O Brasil é o maior país católico do mundo

Nesse mito, temos de novo uma falácia: o Brasil de fato tem o maior número absoluto de pessoas que se declaram católicas ao redor do globo. Isso é um fato. Mas existem fatos e existem interpretações, e interpretações não são somente uma questão de opinião.

Primeiramente, nessa afirmação há um erro crucial: o Brasil não é um “país católico”, uma vez que se declara laico, certo? A nação brasileira era católica na época do Império. Pensando nisso, o maior país católico do mundo é, na verdade, o menor país do mundo: o Vaticano.

Mas o questionamento que se deve fazer aos famigerados cento e tantos milhões e brasileiros que se declaram católicos é que os chamados não praticantes representam mais de 30% deste total.

Quando se apura o número de brasileiros católicos, leva-se em conta o quê: quem afirma ser católico dentre as opções apresentadas? O número de pessoas que foram batizadas pela Igreja Romana? Nos dois casos, são números que irão maquiar a realidade: nessa estatística, contabilizam-se pessoas que simplesmente não seguem a doutrina católica (e aqui não falo de rigidez, mas de minimamente frequentar a missa, os sete sacramentos…).

Além disso, mesmo que os dois terços fossem reais, ainda é um exagero: no México, na Itália e nas Filipinas (!) o número de católicos é muito mais impactante, podendo superar os 90%

Ser católico, no Brasil, muitas vezes é o mesmo que “não ser ateu”.

“Garota de Ipanema” é a segunda canção mais tocada da história

Esse o meu mito predileto, e por isso aparece ao fim do artigo. Trata-se de um mito que só aparece em solo brasileiro, havendo pouquíssima ou nenhuma referência a essa possibilidade lá fora (o único material relevante em inglês com essa informação foi escrito por… uma brasileira). E se há algum ‘etnocentrismo’ nesse caso, não é culpa dos estrangeiros.

Essa “informação” é facilmente encontrada: buscando pelas palavras-chave “Garota de Ipanema” e “música mais tocada”, de cara chegamos a diversos artigos e vídeos que reproduzem a seguinte afirmação: “Consta que é a segunda canção mais executada da História, atrás apenas de ‘Yesterday’, dos Beatles”, como grafou “O Globo”, em 2012.

Mais cuidadosa é a forma com que “Garota de Ipanema” foi descrita na orelha do livro “Tom Jobim – Histórias de Canções”, de Wagner Homem: “a canção figurou por mais de 90 semanas nas primeiras posições das paradas de sucesso e chegou a ser a segunda mais executada no mundo, num universo em que ‘Yesterday’, dos Beatles, era a primeira colocada”. Questão de gramática: “chegou a ser” é bem diferente de “é”.

A informação sobre “Garota de Ipanema” é tão desencontrada e tão sem sustentação que muitas vezes o clássico de Jobim e Vinícius não será chamado de “a segunda mais tocada”, mas sim de “a segunda mais gravada”. O que é ainda mais impossível de acreditar.

Os dados apresentados não condizem com qualquer busca nas referências: de acordo com a BMI, em levantamento feito no final do século 20, “Girl from Ipanema” é a… 58ª canção mais executada em todos os tempos o que, convenhamos, é algo simplesmente fenomenal, digno de aplausos e de merecidas homenagens. Mas não parece ser suficiente para o ego brazuca.

Ah, e junto a essa lorota toda, temos um sexto mito: os argentinos acham que são os melhores e maiores em tudo.

Marcel Pilatti

É professor.