Caro Paul, espero que tenha melhorado da lombalgia. Sei o que é uma dor nos quartos. Suponho que tenha recebido pelos Correios o emplastro de arnica que mamãe, sua fã desde “Please please me”, preparou com aquelas mãozinhas enrugadas pelo tempo. Ela só pensa em lhe agradar e muito mais a mim. Preferi escrever no idioma português para não passar por metido, presunçoso. Já cansei de ser odiado. Tá cheio de “haters” nas redes sociais, você sabe, né? Talvez não saiba. Acho que o John foi o último cara que odiou você. Ele era de capaz de ir do céu ao inferno em segundos. Coisas de amor e ódio. O jeito Lennon de ser.
Cara, estou decepcionado, com o coração em frangalhos. É com enorme tristeza que eu lhe comunico que não poderei comparecer ao seu show deste ano em São Paulo. Sim, é uma situação lastimável. Eu já tinha feito as contas e até encomendado dez litros de pequi nativo do cerrado goiano para lhe presentear. Ficaria uma delícia com frango, se você não fosse um vegano. Mesmo assim, dá pra cozer o pequi ao molho-de-açafrão, sem ter que matar nenhum ser vivo. Cuidado! Não morda o caroço, Paul. É espinhoso por dentro, como a vida por fora.
Em breve, você estará de volta ao Brasil. Traga pão quando vier, Paul. Aqui também é sua casa. Acho que você deve estar acompanhando as notícias do Brasil aí de Londres, né? Nós, o povo brasileiro, estamos mergulhados num marasmo econômico e numa crise política que parecem infindáveis. Somos 12 milhões de desempregados, cara. Não é o meu caso, por puro golpe de sorte. Contudo, por causa do arrocho financeiro que também me afeta, será inviável a minha viagem até a Pauliceia, a fim de prestigiá-lo.
Não bastasse a pindaíba orçamentária, vivemos um momento político conturbadíssimo. Prenderam mais um de nossos ex-presidentes. Uma vergonha mundial. Não tenho certeza, mas, é bem provável que o Brasil seja a nação do planeta que mais tenha denunciado e preso políticos e agentes públicos em todos os tempos. Está difícil confiar nas pessoas, especialmente no âmbito da política, uma seara fétido-pantanosa onde se procuram homens honestos como agulha num palheiro. É duro dizer isso, sei que você adora vir ao Brasil, mas, receio que somos o povo mais desonesto que se tem notícia.
No momento, estamos sob a tutela de um capitão da reserva eleito pelo voto popular, fanfarrão, e que se comporta como um aloprado. Parece que ainda não saiu da puberdade. Baseado nas primeiras semanas do atual governo, receio que ele poderá não concluir o seu mandato, tornando-se, quem sabe, miseravelmente, o terceiro presidente da república retirado do poder pelo escabroso e espúrio Congresso Nacional. Só mesmo a música, a sua encantadora música, Macca, para amenizar tamanho desencanto e descontentamento.
Adoraria tomar outro chá-de-cinquenta-dólares com você no Tangará, como fizemos na última turnê, mas, como eu já disse, o mar não tá pra peixe. Espero que compreenda o meu sufoco, o meu perrengue financeiro e essa expressão da língua portuguesa que significa estarmos quase todos fodidos-e-mal-pagos por aqui.
O ano de 2019 começou esquisito. Um novo governo com velhas práticas políticas. A mortal avalanche de lixo tóxico nas Minas Gerais. Crianças morrendo incendiadas na sede do Flamengo. Imagine se a tragédia tivesse acontecido no Vila Nova de Goiás. Já teria gente presa e, provavelmente, seria o fim de linha para o clube. Teve ainda a chacina de estudantes em Suzano. A morte do Boechat. Essa carestia que parece interminável. O que tem de brasileiro sonhando em se mudar aí pro Reino Unido tá um horror. Viver no Brasil anda parecendo um pesadelo, man.
Enfim, salvo engano, esta será a sua nona passagem pelo nosso país. Estivemos juntos em cinco temporadas, lembra-se? Goiânia, Rio, Brasília e São Paulo (duas vezes). Desta vez, estou fora. Espero que me perdoe, amigo. Sinto-me amargurado, porém, certo de que serão shows memoráveis. Fica para a próxima. Estou com 53; você, 76. Aznavour cantou até os 94. Isso significa que ainda temos bastante querosene pra queimar. Cuide-se, Paul. Tome um brandy com lasca-de-canela. Evite sereno nas costas. Divirta-se no Brasil porque, para nós, o povo brasileiro, está cada vez mais difícil sorrir. Espero revê-lo em breve. Recomendações à Nancy. Mamãe e Harold, o louva-deus, mandam lembranças. Com carinho, para sempre,
Eberth Vêncio.