Deus odeia linhas retas. Pelo menos essa é a minha percepção quando lanço o olhar sobre o pouco que conheço do mundo. Não encontro no reino animal, vegetal ou mineral nenhum design que opte pelo menor caminho entre dois pontos. Toda a criação é sinuosa. Algumas vezes elegante, como o horizonte; outras vezes abruptas, como as montanhas. Nunca a tediosa escolha pelo caminho fácil.
A reta é uma obsessão humana. Um percurso curto e plano deposto de qualquer forma de vida — exceto o homem. O único capaz de abraçar de livre vontade essa artificialidade. Afinal, nós criamos as plantas de plástico. Talvez esse seja mesmo o nosso habitat natural. O Éden da nossa civilização, onde nos sentimos confortáveis e seguros. O nosso lar, doce lar.
Ando pelas ruas e encontro em cada esquina uma resistência silenciosa. Raízes e plantas rompem a escura camada de asfalto e se você prestar bem a atenção talvez consiga escutar o canto de um passarinho vencendo por um decibel o filho da puta que buzinou para o pedestre que estava atravessando a rua. Em meio a fatos e considerações, chego à conclusão de que inevitavelmente serei um velho meio hippie. E talvez meio doido.
Então me recordo de uma aula de ensino religioso da terceira série do ensino fundamental. A tia estava diante de um quadro com o desenho de uma estrada reta e larga, com um monte de pessoas apressadas, todas com um sorriso aberto no rosto. Do outro lado, o caminho era quase uma trilha, cheio de curvas, com dois ou três gatos pingados andando meio curvados pela dificuldade do terreno.
A professora narrou uma história cujo detalhes infelizmente eu não me recordo, mas que você provavelmente já ouviu também. A moral é que a estrada mais fácil leva para a perdição, enquanto a longa e tortuosa é a da salvação. Liguem os pontos. Sinais! Fortes sinais!
E quanto mais me aprofundo nessas questões, mais convicto fico de que a grande responsável por todas as doenças modernas é a cidade. As fobias, neuroses e crises do pânico. Vícios cada vez mais letais, enfartes e derrames — até mesmo o câncer. Todos esses males encontram em áreas urbanas se não a sua origem, pelo menos o ambiente perfeito para a sua proliferação.
Adoramos a tecnologia como a um deus capaz de domar a natureza e nos prover uma vida de conforto. A cada ano comemoramos o aumento da expectativa de vida. E como gastamos o resultado dessa barganha? Aumentando a carga de trabalho e pagando os juros de um novo iPhone. Deus detesta as linhas retas. Eu tenho quase certeza.