A Revista Bula realizou uma enquete entre os meses de julho e dezembro de 2018, com o objetivo de descobrir quais são, segundo os leitores, os melhores filmes brasileiros lançados no século 21. A consulta foi feita a colaboradores, assinantes — a partir da newsletter —, e seguidores da página da revista no Facebook e no Twitter. Foram considerados apenas filmes brasileiros lançados a partir do dia 1º de janeiro de 2001, e apenas um filme por diretor. Nos casos de diretores que tiveram mais de um filme citado, foi considerado apenas o filme que obteve o maior número de indicações na pesquisa. O critério de desempate, quando necessário, foi a nota média atribuída aos títulos no IMDb. Os filmes foram divididos em cinco categorias, de acordo com o número de indicações: +300, +200, +150, +100, e +50.
Foram lembrados diretores de diferentes regiões do Brasil, em especial a Sudeste. São Paulo foi o estado com o maior número de diretores citados, com quatro indicações, seguido do Rio de Janeiro, com três indicados, e de Pernambuco, com dois. Entre os diretores cujas obras foram selecionadas, apenas um não está vivo: o argentino naturalizado brasileiro Héctor Babenco. Em relação à idade, o mais jovem é o mineiro Selton Mello, diretor de “O Filme da Minha Vida”, que nasceu em 1972, e o mais velho é Héctor Babenco, diretor de “O Passado”, que nasceu em 1946. Os comentários sobre os filmes são do pós-doutor em Processos de Criação e crítico de cinema, Ademir Luiz.
Filmes que obtiveram mais de 300 indicações
O livro é sempre melhor do que o filme? Luchino Visconti foi um dos que provou que não, quando filmou “O Leopardo” e “Morte em Veneza”. “Lavoura Arcaica” é um desses casos raríssimos no qual o filme é equivalente ao livro em termos de brilhantismo, cada um em sua linguagem. Sua atmosfera onírica não seduz, pelo contrário, é esmagadora, é opressiva. A grande arte desafia, a grande arte tira da zona de conforto, a grande arte nos coloca diante de nossos fantasmas. A dança da morte de Simone Spoladore só pode ser a dança de um fantasma, de um anjo exterminador, e é grande arte.
Tornou-se sinônimo de cinema brasileiro contemporâneo no exterior. Todo mundo conhece, assistiu ou ouviu falar de “Cidade de Deus”. Sua estética pop e colorida, sua violência gráfica, suas interpretações ultranaturalistas, com o mínimo de falas roteirizadas, influenciaram toda a produção cinematográfica nacional dos últimos anos. Sem esquecer que o personagem Zé Pequeno se tornou um ícone, estampado em camisetas descoladas no melhor estilo “Pulp Fiction”.
Filmes que obtiveram mais de 200 indicações
Com “Tropa de Elite”, o cineasta José Padilha criou um monstro. A ideia original era realizar uma crítica à violência promovida pelos agentes do estado ao mesmo tempo em que humanizava os policiais, mostrando suas fraquezas, dúvidas e problemas pessoais. O tiro saiu, literalmente, pela culatra: o truculento Capitão Nascimento tornou-se um super-herói, dono de incontáveis frases de efeito que entraram para o inconsciente coletivo. A continuação é superior tecnicamente, mas o primeiro “Tropa de Elite” segue imbatível em sua capacidade de produzir catarse no público.
Filmes que obtiveram mais de 150 indicações
Pense em um filme de vanguarda que não parece anacrônico, hedonista e autocentrado. Pense em um filme sobre o nada, mas que comunica muito. Pense em um filme cheio de personagens que entram e saem de cena de forma aparentemente sem sentido, mas que faz todo sentido. Pense em um filme cheio de tempos mortos que não são tempos mortos. Apenas pense.
Filmes que obtiveram mais de 100 indicações
Hector Babenco é um mestre. Se “Pixote” é sua incontestável obra-prima e “Carandiru” seu sucesso de bilheteria, embora um de seus filmes mais fracos, “O Passado”, baseado no romance de Alan Pauls, é sua obra da maturidade artística. Filmado na Argentina, numa coprodução com o Brasil, o filme trata da força implacável da memória. É também um verdadeiro filme de terror para os homens.
Se é para ser escroto, seja escroto de verdade. Se é para ser exagerado, não tenha dó de exagerar. Se é para ser amoral, não tenha pudores. Se é para ser violento, não tenha limites. Se é para mostrar um homem do povo lendo, que seja um livro de Nietzsche. Se é para pintar o cabelo de loiro, nada desses louros aguados de madame ou dessas platinas pasteurizadas, que seja amarelo manga.
Se Ricardo Darín é a cara do cinema argentino, Selton Mello é a cara do cinema brasileiro. Sua direção e, é importante lembrar, atuação em “O Filme da Minha Vida” revela-o como um artista maduro, consciente dos próprios recursos. Se “O Palhaço” foi feito sob medida para agradar aos hipsters de plantão, “O Filme da Minha Vida” mostra-se uma obra muito mais refinada e sutil.
Filmes que obtiveram mais de 50 indicações
Poderia ser um filme proselitista. Poderia ser um filme panfletário. Poderia ser um filme justiceiro social. Todos os elementos estavam à mão, e seria o caminho mais fácil. Mas a diretora Anna Muylaert não se deixou seduzir e fez uma obra que se não é sutil em suas intenções, certamente lança no ar de forma desconcertante questões que merecem ser discutidas. O público se incomoda pelos motivos certos. E é um dos melhores estudos de personagem do cinema brasileiro de todos os tempos.
Fernanda Torres interpretando Fernanda Montenegro na juventude e, posteriormente, a filha da personagem que ela e a mãe dividiram. Apenas essa ideia já seria o suficiente para colocar esse filme no panteão, mas ele é muito mais: roteiro perfeito, direção de arte fenomenal, fotografia deslumbrante e diversas outras qualidades. De quebra assistimos a experiência científica que provou que a Teoria da Relatividade de Einstein estava correta. Sim, aconteceu no Brasil.
O movimento antimanicomial é polêmico. Ao contrário do que muitos pregam, não é um óbvio ululante. No mínimo dois grandes artistas brasileiros, Ferreira Gullar e Eduardo Coutinho, sofreram na pele os desdobramentos desse debate. Contudo, sendo contra ou favorável ao movimento, “Bicho de Sete Cabeças” é um filme arrebatador, que expõe de maneira forte um dos lados da questão. Ademais, foi o filme que provou que Rodrigo Santoro é um ator do primeiro time.