Os livros são capazes de transformar a vida das pessoas. Algumas histórias abordam temas universais, como a morte, o amor e as incertezas; e são capazes de tocar o espírito humano. Partindo desse princípio, a Revista Bula reuniu em uma lista dez livros que podem mudar o sentido da vida. As obras foram selecionadas por meio de uma consulta com bibliófilos e leitores da Bula. Em um recorte dos últimos 300 anos da literatura, foram escolhidas algumas das obras mais citadas como essenciais para se entender a razão da existência. Os livros não obedecem a critérios classificatórios e estão organizados em ordem crescente, de acordo com o ano de lançamento. As sinopses foram adaptadas dos resumos disponibilizados pelas editoras.

No início da década de 1860, dois eventos transformaram significativamente a sociedade russa: o fim da servidão e a fundação do movimento Terra e Liberdade, organização secreta que lutava contra as autoridades e instituições oficiais. A abordagem desse contexto fez com que “Pais e filhos” despertasse uma das maiores fendas da história da literatura russa. O termo “niilista” se popularizou e Ivan Turguêniev foi acusado de ser responsável por atos criminosos cometidos por radicais influenciados por sua obra. Na trama, o jovem Arkádi Nikolaitch, acompanhado de seu amigo e mentor Bazárov, volta à propriedade de sua família após formar-se na universidade. Bazárov é um personagem singular: despreza qualquer autoridade, é antissocial e se autoproclama um niilista.

Publicado em 1866, “Crime e castigo” é a obra mais célebre de Fiódor Dostoiévski. Neste livro, Raskólnikov, um jovem estudante, pobre e desesperado, perambula pelas ruas de São Petersburgo até cometer um crime que tentará justificar por uma teoria: grandes homens, como César ou Napoleão, foram assassinos absolvidos pela História. Este ato desencadeia uma narrativa labiríntica que arrasta o leitor por becos, tabernas e pequenos cômodos, povoados de personagens que lutam para preservar sua dignidade contra as várias formas da tirania.

Iliá Ilitch Oblómov é um rico senhor de terras que não sai do sofá e passa os dias admirando o teto e fazendo planos que nunca põe em prática. Embora tenha muitos e graves problemas, principalmente relativos à sua fazenda, ele não age, pois a simples ideia de deixar sua poltrona lhe causa angústia. Apesar de ser jovem, sua vida transcende entre uma refeição e outra, cochilos e algumas visitas ocasionais que trazem notícias do mundo, pelas quais Oblómov não demonstra interesse. Nem a paixão por Olga Sergueievna, que fez de tudo para ajudá-lo, foi capaz de arrancar Oblómov da inércia. Pela figura do protagonista, o autor quis retratar a elite russa às vésperas do fim da servidão.

Nesta novela, Tolstói narra a história de Ivan Ilitch, um juiz de instrução que, após alcançar uma vida confortável, descobre que tem uma grave doença. A partir daí, ele passa a refletir sobre o sentido de sua existência e percebe que poucos momentos que viveu realmente tiveram significado e que seu desempenho durante a vida foi superficial, tanto no trabalho quanto nas relações sociais. Preso ao leito, diante da morte iminente, o juiz tem a oportunidade de meditar sobre sua vida, algo que as preocupações corriqueiras o impediram de fazer antes. Ivan Ilitch quer morrer para dar um fim à dor, mas seu instinto de sobrevivência insiste em fazê-lo lutar pela sua vida.

Emil Sinclair é um jovem criado por pais piedosos e religiosos. Apesar do amor que sente pela família, Sinclair se enxerga de maneira diferente e já não quer levar a vida da mesma maneira que seus pais. Atormentado pela falta de respostas às suas questões sobre a vida, ele faz amizade com Max Demian, um colega de classe precoce e carismático, que o ajuda em sua busca de respostas. Demian defende que o ser humano deve celebrar não apenas seu lado bom, mas também seus defeitos e instintos perversos. Influenciado pelo novo amigo, Sinclair começa a descobrir os perigos e prazeres da adolescência.

A história se passa em Viena, no fim do império Austro-húngaro, às vésperas da Primeira Guerra Mundial. A trama é centrada em Ulrich, um matemático de 32 anos que busca um sentido para a vida, mas acaba fracassando em seu intuito. Sua flexibilidade moral e indiferença ao mundo o transformaram em um homem sem qualidades. Por insistência do pai, Ulrich se envolve com a Ação Paralela, um grupo sob a liderança do Conde Leinsdorf, que estava preparando uma grande festa para comemorar os 70 anos do reinado no imperador Francisco José I. Por meio as relações de Ulrich, o romance aborda a decadência dos valores vigentes até o início do século 20.

O livro acompanha a história do médico e poeta Iúri Andréievitch Jivago e seu constante esforço de se colocar em consonância com a Revolução Russa. Apesar de suas tentativas, ele percebe que é impossível manter sua individualidade na nova era soviética. Mas, em tempos onde a simples aspiração a uma vida normal é desprovida de qualquer esperança, o amor de Jivago por Lara ganha contornos de um ato de resistência. Por causa do tom antissoviético, o livro não foi bem recebido nas esferas literárias e públicas da Rússia, sendo contrabandeado para o ocidente. Em 1958, Boris Pasternak foi premiado com o Nobel de Literatura, que foi forçado a recusar pelas autoridades soviéticas.

O “Mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgákov, é considerado um dos grandes romances do século 20. Situado na Moscou dos anos 1930, o livro narra as peripécias de satã na cidade acompanhado de um séquito infernal, composto por um gato falante e fanfarrão, um intérprete trapaceiro, uma bela bruxa e um capanga assustador. Seu caminho se cruzará com o dos amantes mestre e Margarida — ele um escritor mal compreendido, autor de um romance sobre Pôncio Pilatos, ela uma das personagens mais fortes da literatura russa, que, qual Orfeu, fará de tudo para reencontrar seu amado desaparecido. História de amor e desejo, sátira do mundo das letras e das pequenas e grandes vaidades humanas, além de crítica ferina mas bem-humorada ao regime soviético.

Joan Didion, uma das mais aclamadas escritoras e intelectuais americanas, narra o período de um ano que se seguiu à morte de seu marido, o também escritor John Gregory Dunne, e a longa doença de sua única filha. Uma história que falará alto a quem ama ou já amou alguém, com a profundidade que as grandes relações têm, sejam elas entre pais e filhos ou entre companheiros de uma vida. Este é um livro para todos os que já se perguntaram: E agora? O que fazer se a vida parece não ter mais sentido algum? É um livro sobre a superação e sobre a nossa necessidade de atravessar — racionalmente ou não — momentos em que tudo o que conhecíamos e amávamos deixa de existir.

“Você está para fazer 82 anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que 45 quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz 58 anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca.” Assim o filósofo André Gorz inicia sua carta à Dorine, a mulher com quem viveu uma grande história de amor e militância. O autor narra toda a sua trajetória com a esposa, ao mesmo tempo em que também delineia a sua, pois, em sua visão, as histórias dos dois são inseparáveis e todo o seu crescimento pessoal e profissional só foi possível graças ao apoio de sua mulher. Gorz escreveu a obra na década de 1990, quando eles viviam em um retiro e Dorine sofria de uma doença degenerativa incurável.