A Revista Bula realizou uma enquete para descobrir quais são, segundo os leitores, os melhores livros brasileiros publicados em 2018, em todos os gêneros. Um excerto do levantamento, reunindo os dez melhores romances, já foi publicado anteriormente na Revista Bula. A lista atual contempla as modalidades: romance, conto, poesia, ensaio e biografia. A consulta foi feita junto a colaboradores, assinantes — a partir da newsletter — e seguidores da página da revista no Facebook e no Twitter. Foram considerados apenas livros de autores brasileiros e publicados no país a partir do dia 1º de janeiro de 2018. Os 20 mais votados foram reunidos em uma lista, que contempla obras de autores de diferentes perfis e tendências literárias. As obras foram divididas em seis categorias, de acordo com o número de indicações: +80 +60, +50, +40, +30, +20. As sinopses são adaptadas das editoras. Foram lembrados autores de diferentes estados do Brasil: Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo. Rio de Janeiro e São Paulo foram os estados com o maior número de autores citados. Em relação à idade, o mais jovem é o gaúcho Tobias Carvalho, autor de “As Coisas”, que nasceu em 1995, e o mais velho é a paulistana Lygia Fagundes Telles, autora de “Os Contos”, nascida em 1923.
Livros que obtiveram mais de 80 indicações

Nos treze contos do livro, deparamos com a infância e a adolescência de moradores de favelas — o prazer dos banhos de mar, das brincadeiras de rua, das paqueras e dos baseados —, moduladas pela violência e pela discriminação racial. Geovani Martins narra a vida de garotos para quem às angústias e dificuldades próprias da idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 21. “Histórias de muitos Brasis se cruzando, reinventando a língua por meio do encontro. “Tenho facilidade para me adaptar às muitas formas de falar o português brasileiro e como já morei em favelas sob comando de todas as três facções do Rio, e ainda numa dominada pela milícia, acabei tendo contato com as particularidades de cada região.”
Livros que obtiveram mais de 60 indicações

Conduzido com precisão e movido por uma poderosa força que impulsiona todo o relato, Entre as mãos gira em torno de Magdalena, uma tecelã que, depois de um grave acidente, precisa retomar seus dias, reaprender a falar e levar consigo dolorosas cicatrizes — não apenas no corpo. Com personagens e tempos narrativos que se atravessam como fios trançados, este romance tem a marca de peça única, debruçando-se sobre questões como sobrevivência e ancestralidade, mas também amor e mistério a partir do corpo, do trabalho e dos gestos da protagonista, em duas fases de sua vida. “Um dos desejos que surgiram ao longo da escrita do Entre as mãos foi de colocar no cotidiano todas as questões subjetivas dessa mulher, no dia a dia de um corpo em trânsito pela cidade. O peso do real é importante para o livro, toda a narrativa se ancora nessa intensa realidade. É um livro feito de esquinas de rua, escadas de ônibus, legumes na gaveta da geladeira.”

Depois do enorme sucesso com o romance Strumbicômboli, Cássio Adalberto, mais conhecido como Kabeto, não foi capaz de escrever uma linha sequer do seu novo livro. O motivo: ele não consegue encontrar a primeira frase. A primeira, primordial sentença que irá dar o tom de todo o romance. Numa sexta à noite, ele cruza a cidade a pé até o Farta Brutos, o bar de onde é cliente cativo. Carrega consigo um gravador, onde capta suas impressões — ou qualquer coisa que lhe venha à cabeça. Kabeto, aos poucos, se revela inteiro ao leitor. Sempre no controle da narrativa, ele nos apresenta a personagens memoráveis e nos leva por um final de semana insano, cômico e trágico, até finalmente encontrar a fabulosa ideia para seu romance — mesmo que, para isso, tenha de burlar qualquer limite da decência.

Um turista na Espanha acaba se tornando amigo de um casal de brasileiros: a possibilidade de um triângulo amoroso se insinua o tempo inteiro, mas pode muito bem ser algo imaginário, assim como a paixão de um fazendeiro de origem holandesa por uma famosa socialite, que ele conhece através de um quadro. Nesta coletânea, proliferam-se narrativas de amores que não se concretizam, e de desejo sexual que, para além do prazer, traz angústia. Exercendo pleno domínio das formas breves, Miguel Sanches Neto constrói aqui uma série de situações verossímeis em sua sordidez de detalhes envolvendo personagens que compartilham uma profunda e desoladora solidão. O que está em jogo é o caráter ambíguo e opaco da linguagem. É através de tudo o que não se revela que as criaturas a quem o autor deu vida mostram-se tão humanas.
Livros que obtiveram mais de 50 indicações

“Alguns Humanos” é o primeiro livro de Gustavo Pacheco e reúne onze histórias. O leitor viaja do Bornéu ao Bronx, de Moçambique a Salvador, da Alemanha ao México, de Pequim a Buenos Aires. Nestas geografias cruzam-se as histórias do menino Zakaly, que tem medo de ser comido, de Julia Pastrana, a mulher mais feia do mundo, de Li Xun, funcionário público às voltas com questões teológicas, do taxidermista Thomas Manning, que não gosta de computadores, de Moacyr, que odeia Isaías e conversa com Deus. “Em tudo o que escrevi até hoje, a imaginação esteve ancorada pesadamente na realidade. Preciso digerir quantidades enormes de informação para escrever algo que preste, ainda que só uma pequena parte desse material apareça no texto.”

Fragmentário, composto por seções que formam uma espécie de estrutura caleidoscópica do luto, “O Pai da Menina Morta” é uma ficção sobre os reflexos da morte de uma menina de 8 anos na vida do pai. Gestado a partir de uma tragédia experimentada pelo autor em 2016, o livro não se restringe ao inventário doloroso dessa perda indizível, mas amplia o campo da escrita do luto a partir do manejo consciente e irônico de temas como autoimagem, sexualidade, humor, confissão, memória e fabulação. A morte da menina, aqui, é como a refundação do mundo para o protagonista. A partir do enterro ele sempre será visto como “o pai da menina morta”. Um livro comovente e aterrador.

Atenas, 399 a.C. O filósofo Sócrates, em seus trinta últimos dias de vida, na cadeia, à espera da fatal taça de cicuta, é inesperadamente confrontado por seu desafeto, o comediante Aristófanes, com um desafio: decifrar, através da investigação lógica, a identidade do criminoso em série que vem assassinando filósofos sofistas na cidade. Detalhe: o assassino envia recados cifrados a Aristófanes, em pequenos pedaços de cerâmica, avisando-o de cada um dos homicídios. Sócrates acha a provocação divertida e entra no jogo. Narrada em forma de diálogos — como convém ao contexto filosófico — a trama mostra, em tom abertamente cômico, o peculiar convívio entre o grande pensador e seu antagonista, que tantas vezes o satirizou nos palcos e agora vem recorrer a seus préstimos para tentar elucidar o mistério.

Francisca é uma mulher de meia-idade, casada e sem filhos, que decide se aventurar numa romaria a Juazeiro em busca de Dora, a avó que nunca conheceu — e que nem sabe se está viva. Leva consigo Afonso, o marido com um passado obscuro que tenta renegar. Na caçamba de um caminhão, enfrentam o calor e a sede. Na cidade dos romeiros, a violência e a impunidade. Nesta viagem reveladora, ambos irão enfrentar o amor, as suspeitas e a morte. “Não consigo escrever sem pensar o meu país e o meu tempo, na perspectiva da História e do passado, com algumas incursões pelos nossos mitos formadores. Admiro como os russos Dostoiévski, Tchekhóv, Gógol e Babel abordam os conflitos entre a sociedade dominante e os dominados. Converso sempre com esses autores.”

Com acesso exclusivo a documentos de família e cartas de parentes, amigos e outros escritores, além de exaustivas entrevistas e pesquisas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, o livro retraça a história de um dos mais populares escritores do século 20. Um homem que, saído da Bahia, tornou-se cidadão do mundo, amigo de personalidades como Sartre e Saramago, traduzido para dezenas de idiomas. Autor de clássicos brasileiros como “Capitães da Areia”, “Jubiabá” e “Gabriela, Cravo e Canela” com livros que se tornaram sucesso do cinema e da TV, Jorge Amado tem aqui sua vida — de homem, celebridade — recontada com precisão e fluência quase romanesca.

Na calada da noite, na hoje chamada Rua da Carioca, um homem de casaca, pistola na mão, ameaça outro com capa à espanhola e botas de cano longo. Atracam-se. A arma dispara. O de casaca cai ferido mortalmente. Há uma testemunha, cigana, que também tem lá suas culpas. Entre os crimes que perpassam este romance policial situado no Rio de Janeiro do século 18, apenas um é de fato relevante; apenas um resume e simboliza o livro. E, contraditoriamente, é o único crime que não acontece. Alberto Mussa opera a narrativa, conversando com o leitor e palpitando sobre os dilemas dos personagens sem abandonar o posto de narrador, ancorado em pesquisa do vocabulário da época, do contexto, das ruas do Rio, do tráfico de escravos, do contrabando de ouro e da ação inquisitorial.
Livros que obtiveram mais de 40 indicações

Enquanto espera o sinal para atravessar a rua, o economista Otavio Espinhosa toma uma decisão radical: abdicar do sexo. O que parece piada se revela uma profunda crise pessoal: um casamento falido, problemas com o filho militante político, o fim humilhante de sua carreira acadêmica e a experiência sui generis de ter tentado enriquecer como guru de autoajuda. Também a carreira de Otavio parece estar em perigo: tudo indica que ele será demitido da empresa de investimentos onde trabalha. O leitor vai aos poucos destrinchando a investigação de um esquema no qual Otavio pode ou não estar envolvido, desenhando o panorama de um país em ruína econômica, cultural e moral.

Nobel, o quarto romance do vencedor do Prêmio São Paulo de 2013, Jacques Fux, é uma viagem pelos segredos e curiosidades da Literatura Mundial. O narrador, agraciado com o primeiro Nobel de um escritor brasileiro, faz um discurso satírico durante a cerimônia de entrega do Prêmio. Nele, o autor comenta, analisa e julga as histórias escondidas, recalcadas, engraçadas e politicamente incorretas dos seus mestres contemplados: Svetlana Alexievich, Toni Morrison, Wislawa Szymborska, Nelly Sachs, Hemingway, Kawabata, Elias Canetti, Bob Dylan, Bashevis Singer, Samuel Agnon, Imre Kertész, Sartre, Beckett, Vargas Llosa, Pablo Neruda, Coetzee, Garcia Márquez, Saramago, Günter Grass, Derek Walcott, Camus, T.S Elliot, Rudyard Kipling, Gao Xingjian, Mo Yan. Além disso, o novo laureado se mistura à narrativa, fantasiando e subvertendo os textos e as vidas dos outros autores.
Livros que obtiveram mais de 30 indicações

Maria Alice é introspectiva e míope; muito míope. Sua mãe, que sofria de distúrbio bipolar, desapareceu sem deixar pistas, e Maria Alice está disposta a viajar o mundo para reencontrá-la. Posts em um blog sobre espaços abandonados e exploração urbana a levam a Dublin, onde passa a viver com brasileiros que decidiram ganhar a vida no exterior, mas que perderam (ou ignoraram) o rumo. Em sua incerta busca, ela acaba seguindo o próprio desejo de se perder. Ao mesclar cartas, trechos de livros, manuais de escrita, depoimentos e arquivos perdidos em computadores, Luisa Geisler costura a vida de uma série de brasileiros autoexilados na Irlanda, em busca de um futuro melhor, ainda que não saibam o que procuram.

No início dos anos 1980, com o Brasil rumando para a abertura política, um industrialista constrói em segredo um parque de diversões. Batizado de Tupinilândia, funcionaria como uma celebração do nacionalismo e da nova democracia que se aproximava. Todavia, durante um fim de semana em que se testavam as operações do parque, um grupo de militares invade o lugar e faz funcionários e visitantes de reféns. Duas décadas depois, um arqueólogo obcecado pelo mito de Tupinilândia, chega com sua equipe e descobre um terrível segredo. A partir daí as duas pontas do romance se unem numa aventura literária pelo passado recente do Brasil e pela memória dos anos 1980.

Este livro é uma homenagem a um dos maiores intelectuais brasileiros. Crítico literário, sociólogo e militante socialista, Antonio Candido de Mello e Souza atravessou o século 20 e adentrou pelo 21 inspirando sucessivas gerações. Em seus livros, aulas, conferências e atividades políticas, ele revelou o Brasil aos brasileiros, sem ufanismos nem complexos de inferioridade. “Formação da Literatura Brasileira” (1959) e “Os Parceiros do Rio Bonito” (1964), seu estudo sobre o modo de vida caipira, se tornaram clássicos de nascença. “Dialética da Malandragem” (1970), ensaio sobre Memórias de um sargento de milícias, é considerado um marco na análise das relações entre forma literária e processo social. Aqui, 37 intelectuais de várias gerações e nacionalidades percorrem toda a extensão da obra de Antonio Candido e revelam sua coerência interna para além do que outros volumes congêneres deixavam entrever.

Lygia Fagundes Telles é considerada pela crítica uma das maiores escritoras brasileiras e, sobretudo, uma contista extraordinária. Pela primeira vez, o leitor tem acesso à mais completa antologia de contos da autora, em uma edição especial que inclui, além de suas principais coletâneas, diversos escritos esparsos, há tempos fora de catálogo. Dos primeiros contos, concebidos na juventude, até sua produção mais madura, Lygia exibe sua maestria na narrativa curta, sempre com sensibilidade e sutileza, em textos impecáveis. “Lygia Fagundes Telles sempre teve o alto mérito de obter, no romance e no conto, a limpidez adequada a uma visão que penetra e revela, sem recurso a qualquer truque ou traço carregado, na linguagem ou na caracterização”, escreveu Antonio Candido.

Indícios da vida vão sendo captados com doçura e bondade, numa comovente dilaceração de si mesma em face do mundo real e imaterial. Indícios dos mundos cotidianos — a máquina de lavar, o relógio, o cão, o cogumelo — e dos sonhados — desertos de tuaregues, deuses distraídos, a raposa na montanha, luas bêbadas. É nos livros que a mulher vai aprender a ser mãe, ou no próprio filho? É nas palavras que a poeta vai buscar as pequenas músicas, ou nos próprios dias vividos? Sentada à mesa com os fantasmas do passado, numa reinvenção do tempo, Adriana Lisboa constrói com as partículas dos sentimentos o caminho deste livro: vai do mundo ao eu, contemplando em si a mãe, a irmã, o avô, o pai, o filho, o espírito envenenado pela voz da poesia.
Livros que obtiveram mais de 20 indicações

Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2018, “As Coisas” traz uma costura de vivências humanas sob a ótica de um jovem homossexual. O personagem constante dessas histórias trabalha, viaja, estuda, cruza ruas de metrópoles agitadas, passa horas em aplicativos de encontros sexuais. Não há maquiagens para a solidão, nem disfarce para o sexo. Ele sente, ele quer, ele ganha e perde, transformando-se de história em história e construindo um arco narrativo que alicerça todo o livro. “Acredito que andamos em uma trajetória de trazer mais representatividade para as artes, e, nesse processo, falar sobre aceitação foi importante. Mas acho também que dá para virar a página, falar sobre o que vem a partir daí, naturalizar que as relações homossexuais existem, mas estar atento às particularidades que elas trazem.”

Se a prosa de Fabrício Corsaletti vive impregnada do humor e do lirismo do primeiro, também partilha da errância e do desamparo do segundo. Vem daí a sede de movimento que impele os personagens inesquecíveis deste Perambule, reunião de 60 textos recentes, em que o autor alterna crônicas longas com poemas em prosa e em verso, crônicas curtas e microcontos. Andarilho convicto, Corsaletti inventa nestas páginas os mais variados trajetos, cruzando ruas de São Paulo, Rio, Paris ou Amsterdã, sobrevoando de drone sua cidade natal, no interior paulista, ou explorando o vasto mundo através do Google Earth, palmilhando o asfalto das metrópoles ou as estradas de terra batida da infância.

É possível virar do avesso o “complexo de vira-latas” — a expressão cunhada por Nelson Rodrigues para a subalternidade dos brasileiros em relação ao que é estrangeiro — e reinventá-lo não apenas como componente identitário, mas também como virtude tropical? No ensaio inédito que dá nome ao livro, Eduardo Giannetti vai na contramão do senso comum e defende que “não ter pedigree” é um caminho civilizatório tão válido quanto os trilhados por sociedades tidas como exemplos de desenvolvimento. Nesta coletânea, o leitor encontrará ainda outros 24 textos em que o economista aborda assuntos pertinentes à identidade, à cultura e à economia. Agrupados em eixos temáticos, os escritos aliam o diálogo com as inquietações do presente à lucidez e à erudição que firmaram o autor como um dos pensadores mais originais do Brasil.