E como um dia há de ser com toda boa alma, hoje um homem subiu aos céus de manhãzinha e descobriu que o paraíso não é só um amontoado de anjos tomando sol num campo verde e infinito além das nuvens. Entorpecido pela surpresa, o homem se deu conta de que o céu é uma grande e abençoada cozinha.
Ali, as crianças brincam com batatas espetadas por palitos de fósforo formando rebanhos em fazendas de sonho, debaixo de uma mesa onde as avós escolhem de grão em grão o arroz e o feijão das próximas refeições. Os adultos, homens e mulheres, sem distinção, trabalham nos afazeres culinários com a seriedade e o prazer de quem leva adiante sua única causa.
O recém-chegado se põe a um canto e observa o funcionamento perfeito das coisas. Repara na organização sublime das panelas e utensílios, na limpeza do chão, nas paredes de cada cor, na integridade do trabalho de um e outro, na beleza da vida que acontece ao sabor dos detalhes. Ele deita os olhos na espuma branca do leite que ferve e derrama a manhã sobre o mundo, respira fundo o cheiro afetuoso do pão feito em casa, do café que borbulha para acordar o dia, dos temperos sutis, dos bolos que crescem lentos no forno como os amores novos em seu saber esperar.
E assim ele vai se deixando estar ali, entregue à observação das miúdas formalidades culinárias, ao rigor elegante das pitadas, ao movimento organizado dos anjos preparando a ceia do mundo, quando nota a seu lado a presença definitiva de uma fada, porque no céu também há fadas, organizando e inspirando a orquestra sublime em seus afazeres.
Com a beleza do riso das crianças que brincam na praia, a fada o olha nos olhos e o convida a passear pelo céu a seu lado. Uma porta se abre, ela o leva até o quintal e lhe mostra a floração das alfaces, os brotos da couve-flor, o som genuíno dos rabanetes e cenouras e mandiocas arrancados da terra sob o destino sublime de enfeitar e fortalecer as saladas de frescores e frescuras divinas.
E o espetáculo de viver e interagir se faz escandaloso aos cinco sentidos do homem na grandeza da horta, na perfeição da cozinha, na beleza da fada que tem o riso triste, os olhos de afeição, as mãos e o coração de quem cozinha para manter o mundo em equilíbrio.
O homem e a fada caminham juntos, em seus dois estados diferentes de existir. Ela conta a ele em sua dicção perfeita de fada os segredos das grandes receitas, revela o ponto exato dos cozimentos, os ingredientes insuspeitados, enquanto as panelas bafejam encanto e mistério. À hora do almoço, ela o convida a sentar-se à mesa, e ali há mais pessoas do que seus olhos podem ver. Durante a refeição, as conversas são longas e saborosas, das entradas à sobremesa e ao café.
Eles comem sorrindo, depois dormem a sesta sob um vento manso. A fada acorda o homem à tardinha e o leva para caminhar sobre as nuvens. Anoitece, os assuntos se multiplicam como as safras mais fartas e eles continuam ali, beliscando as estrelas, contemplando a noite, a lua e o susto do amor.
Ela diz “bem-vindo”. E caminha sob o olhar humano do homem até a beirada de um penhasco no céu. Lá de cima, polvilha a Terra de amor e açúcar, resgatando em hora certa os seres pequeninos aqui embaixo de seus desastres domésticos, tornando seu caminho mais sutil e suportável.
Em sua infinita graça e devoção de quem cozinha por puro afeto a seus comensais, ela sorri um riso meio triste e abre inteiro, generosamente, o apetite do mundo para o maravilhoso manjar da vida.
Hoje um homem subiu aos céus. E descobriu que o paraíso é uma grande e abençoada cozinha, e que lá existe uma fada que sorri o sol e faz a vida mais doce.