Um garoto de 13 anos foi levado à consulta pelos pais porque estava obeso. Não bastasse os 25 kg acima do peso normal para sua idade e altura, ele me disse, com toda assertividade da adolescência, algo justificado pelo que leu nas redes sociais: “não tenho que emagrecer, as pessoas é que precisam respeitar e aceitar o meu corpo”. Eu tinha uma dupla missão pela frente: explicar-lhe o conceito de obesidade sem desmerecer o combate à gordofobia.
O indivíduo é considerado obeso quando possui o índice de massa corporal maior ou igual a 30 (apesar desse índice não ser o melhor parâmetro em todos os casos, ainda é o mais utilizado). A obesidade por si só é considerada doença, independente de ter outras doenças (exemplo: diabetes, colesterol alterado ou hipertensão arterial) associadas. Expliquei ao meu paciente que estar nessa condição não é sinônimo de vergonha e nem de inferioridade. Como exemplo, disse: não penso mal de quem tem artrite ou asma, por que pensaria de quem tem obesidade?
Mas, infelizmente, a gordofobia existe: é o sentimento de rejeição às pessoas gordas. Vivemos em uma sociedade que ojeriza o excesso de peso. Por isso, assim como meu paciente não queria reconhecer a obesidade (talvez para combater o preconceito que ele enfrenta), muitas pessoas têm defendido o excesso de gordura corporal como se fosse um “estilo de vida”. Mas aí ocorre um erro perigoso: estudos já comprovaram que a obesidade diminuiu a qualidade de vida e aumenta o número de mortes.
O psiquiatra Adriano Segal alertou que é perigoso louvar o corpo obeso. “Não há dúvida de que a gordofobia causa sofrimento similar ao provocado por outras discriminações, mas isso não anula o fato de que a obesidade é uma doença.” Tenho observado que quem sofre do excesso de peso, muitas vezes confunde o respeito à sua condição médica e nutricional (estar acima do peso saudável) com uma situação em que não seja necessário planejar uma mudança, como se estar obeso fosse uma situação normal para o nosso organismo. Repito: não é. Não existe obeso saudável.
Por outro lado, combater a obesidade não é sinônimo de cultuar o “corpo magro”. Aliás, a “ditadura da beleza” e as “dietas da moda” são grandes aliados da gordofobia. E a gordofobia é tão devastadora que é capaz de surgir na própria pessoa que está acima do peso, gerando o pior preconceito que pode existir, aquele que ocorre dentro de nós mesmos: o ódio ao nosso corpo.
É por isso que temos visto cada vez mais os movimentos pela aceitação dos obesos: pessoas que lutam para que a aparência obesa não seja mais perseguida ou estigmatizada pela sociedade. Aquele adolescente estava apreensivo porque sofria bullying na escola e não aguentava mais ser chamado de gordo, baleia e botijão; ele queria que eu lhe dissesse que estava tudo bem e que ele podia continuar obeso.
Concordo que precisamos combater a gordofobia, essa repulsa é preconceituosa, vergonhosa e abjeta. Mas essa luta precisa ir além: não podemos negligenciar o excesso de peso. Não é uma questão de estética, é a saúde do indivíduo que está em jogo: a obesidade aumenta a incidência de doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Também é importante compreender que a obesidade pode estar associada a ansiedade, depressão, estresse ou outros problemas emocionais que podem levar à compulsão alimentar.
Falar que obesidade é doença não é discriminar: é conscientizar. Cada indivíduo é único e responsável por si mesmo. Uma pessoa pode fazer o que quiser a respeito do seu excesso de peso: pode até não tratar. Mas ela precisa estar ciente que está colocando a sua vida em risco.
Não compactuo com quem ofende o indivíduo obeso, mas também não concordo que lutar contra a gordofobia é a mesma coisa que dizer que está tudo bem permanecer acima do peso saudável. É preciso falar sobre a obesidade com mais respeito, sim; mas, também, com coerência.