Bohemian Rhapsody: Freddie Mercury merecia mais

Bohemian Rhapsody: Freddie Mercury merecia mais

É óbvio que eu não vaiei o filme. Reservo os meus apupos para os telejornais e o governo. Li que isso teria sucedido nalgumas salas de cinema Brasil afora, supostamente, por conta das cenas gays que permeiam o filme “Bohemian Rhapsody”, dos diretores Bryan Singer e Dexter Fletcher. Muitos que me conhecem sabem que sou cinéfilo. Gosto também de Beatles, Bukowski, pudim de leite condensado e humor negro. Ademais, tenho um certo encanto pela solidão que, diga-se de passagem, considero uma viagem interior das mais interessantes, quiçá, uma virtude.

Ao longo de décadas frequentando cinemas, posso me vangloriar por nunca ter vaiado um filme sequer, por mais escabroso que fosse, nem mesmo os clássicos antológicos da cine-pornografia nacional, como “Arapuca do Sexo”, “Enfermeira Sem Calcinha” e “Se Entrou, Tem que Sair”, aos quais assisti, com uma mão na frente e outra atrás, quando era adolescente, no extinto Cine Casablanca, hoje, um badalado templo religioso apinhado de crentes patriotas que portam bíblias nos sovacos, trabucos nas cinturas e muita fé no coração.

Assumidamente ignorante em matéria de sétima arte, sinto-me deveras à vontade para lucubrar, discorrer e analisar os supostos motivos que fizeram eu não gostar do filme “Bohemian Rhapsody”. Fã da banda britânica Queen desde as priscas eras, eu aguardava com enorme expectativa pelo lançamento da película. Suponho que o excesso de ansiedade tenha sido o principal responsável pela decepção. Quando a trama começou, tendo como fundo musical a bela canção “Somebody to love”, juntamente com a tomada da câmera nas costas de um Freddie Mercury saltitante e ansioso para pisar o palco do concerto Live Aid, em 1985, devidamente trajado com aquela camiseta branca colada no corpo, ao estilo “mamãe-tô-forte”, pensei: “Putz, esse filme vai ser mesmo do caralho”. Deu ruim pra mim. Expectativa, onde foi que eu errei?

Para início de conversa, preciso dizer que não curti o ator Rami Malek no papel de Freddie Mercury. Achei-o franzino demais, feio demais, caricato demais. Arrisco em dizer que erraram na mão ao deixá-lo tão bocudo, tão dentuço. Parecia o personagem Bozó, do saudoso comediante Chico Anysio. Ficou bizarro. Quanto à sua atuação, parece convincente, embora, eu não tenha me empolgado. Pode até ser que Malek queime a minha língua, seja indicado ao Oscar e arremate a estatueta de Melhor Ator. Ou não. Pouco importa. Não sou um crítico de cinema. Também não gosto do Bolsonaro. Podem me vaiar, se quiserem. Só não saquem a arma no saloon. Eu sou apenas um escritor parodiando o Belchior.

Eu ansiava por uma cinebiografia arrebatadora e retumbante, como são os excelentes “Ray” (do diretor Taylor Hackford, que retrata a vida do incensado Ray Charles) e “The Doors” (do diretor Oliver Stone, que conta a trajetória do genial Jim Morrison e seus comparsas musicais). Receio que eu tenha ido com demasiada sede ao pote. Sinto que faltou profundidade ao filme, como deve estar faltando também a esta minha crônica. Dane-se. Eu não queria ser cronista mesmo. Nem padre.

A história transcorre com insuspeita simplicidade, velocidade excessiva, sem se aprofundar nos fatos relevantes, sem se esmerar em detalhes, fazendo a coisa toda soar meio artificial, numa espécie de biografia autorizada que pisa em ovos ao evitar polêmicas. Penso até que podemos assim considerar, tendo em vista que os consultores e produtores do filme são os virtuosos músicos Brian May e Roger Taylor, remanescentes do Queen. A exuberância e a excentricidade que sobravam ao Freddie Mercury da vida real, parecem faltar ao artista retratado no filme. É preciso reconhecer, contudo, a incrível semelhança física dos atores que interpretaram os demais membros da banda.

Apesar de decepcionado com o conjunto da obra, ouso recomendar aos interessados que vale a pena assistir ao filme. A despeito de me aborrecer com a dinâmica e a rasura da trama, saí do cinema tocado pela emoção, os olhos marejados, sentindo uma leve melancolia ao rememorar uma época efervescente da vida em que tive sangue nos olhos, molejo nos quadris e, claro, uma vasta cabeleira.

Sou fã de cinema e música. Não quero parecer arrogante, prepotente e injusto com os envolvidos no projeto, contudo, acho que Freddie Mercury, o maior intérprete do rock and roll em todos os tempos, merecia muito mais do que eu vi em “Bohemian Rhapsody”. Se Freddie cantava mais que o Elvis? A resposta é sim. Mas isso já é outra história.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.