De Hemingway a Kafka: 30 microcontos de até 100 caracteres

De Hemingway a Kafka: 30 microcontos de até 100 caracteres

Embora não seja reconhecido como um gênero literário — sendo associado às tendências de vanguarda e ao minimalismo —, os “microcontos” ganharam muitos adeptos nas duas últimas décadas. A partir do início dos anos 1990, estudos e antologias começaram a abordar o tema de forma enfática, resultando em centenas de publicações em todo o mundo.

Ainda que pareça, as micronarrativas de ficção não são algo recente. Grandes nomes da literatura mundial como Tolstói, Jorge Luis Borges, Bioy Casares, Julio Cortázar e Ernest Hemingway já incursionaram pelo tema. O escritor guatemalteco Augusto Monterroso, que morreu em 2003, é tido como um dos fundadores do “gênero” com o conto “O Dinossauro”, escrito com apenas 37 letras e considerado o menor da literatura mundial, na época: “Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.” O norte-americano Ernest Hemingway também é o autor de outro famoso microconto, com apenas vinte e seis letras: “Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados”, embora alguns estudiosos da obra de Hemingway contestem a autoria. No Brasil, o pioneiro foi o escritor Dalton Trevisan, com o livro “Ah, É?”, de 1994. Mesmo não havendo nenhuma regra clara, uma das definições para o microconto seria o limite de 150 caracteres, incluindo espaços.

Os microcontos selecionados foram extraídos dos livros “Not Quite What I Was Planning”, “It All Changed in an Instant” e “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século”, além do jornal “Observer”, da revista “Wired” e do suplemento literário “Babelia”, do jornal “El País”.

Tempo. Inesperadamente, inventei uma máquina do

Alan Moore

Olha, Pai, eu tentei, mas acho que não deu muito certo não…

Antônio Prata

Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida.

Anton Tchekhov

Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.

Augusto Monterroso

70 anos, algumas lágrimas, orelhas peludas.

Bill Querengesser

O suicida era tão meticuloso que teve que refazer diversas vezes o nó da corda para se enforcar.

Carlos Seabra

Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás.

Cíntia Moscovich

Quase uma vítima da minha família.

Chuck Sangster

A velha insônia tossiu três da manhã.

Dalton Trevisan

Conheceu a esposa em sua festa de despedida.

Eddie Matz

Vestiu os artefatos, beijou o filho com ternura e saiu pro último trabalho sobre a Terra.

Edival Lourenço

Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados.

Ernest Hemingway

Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.

Franz Kafka

2 de agosto: a Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde.

Franz Kafka

Nascido no deserto, ainda com sede.

Georgene Nunn

Então você acredita em mim de qualquer maneira?

James Frey

O homem estava invisível, mas ninguém percebeu.

José María Merino

A mulher que amei se transformou em fantasma. Eu sou o lugar das aparições.

Juan José Arreola

Eu escolhi paixão. Agora sou pobre.

Kathleen E. Whitlock

Fui me confessar ao mar. O que ele disse? Nada.

Lygia Fagundes Telles

Se Eu não acreditar em Mim, quem vai acreditar?

Marcelino Freire

Morreu

Marcelo Rota

Escrever sobre sexo, aprender sobre o amor.

Martha Garvey

Sem futuro, sem passado. Nada perdeu.

Matt Brensilver

Pegou o chapéu, embrulhou o sol, então nunca mais amanheceu.

Menalton Braff

Ouvi um barulho no portão, fui ver era a Lua nova.

Nei Duclós

Assistindo calmamente de cada moldura da porta.

Nicole Resseguie

Alzheimer: conhecer novas pessoas todos os dias.

Phil Skversky

Eu perguntei. Eles responderam. Eu escrevi.

Sebastian Junger

Eu ainda faço café para dois.

Zak Nelson

Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.