Chocada com a ignorância alheia sobre a sexualidade fui compelida a lidar com a minha. Desde então, antes de julgar uma imbecilidade ouvida, passo a escutar minha própria limitação. Chamo isso de tratamento criativo íntimo contra a imbecialização generalizada. Serve de antídoto com efeito de crescimento. Numa dessas, ouvi comentários chocantes na TV de que é melhor filho morto que gay. Antes de morrer de raiva e ter um AVC, respirei fundo e me concentrei no tratamento. Aí me lembrei de certa ocasião, quando fui fazer uma matéria pelo o dia do orgulho LGBT. Eu que pensava ser a sigla meu maior desafio de entendimento, nem supunha a minha defasagem. Para começo de conversa, o mais atual hoje é LGBTQQICAPF2K+ !!!!!!!
De origem americana, do tamanho quase de uma frase, carrega em si a dimensão do infinito de possibilidades. Ao terminar com +, abre definitivamente o universo das preferências sexuais. Literalmente, significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Mulheres Transexuais, Homens Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromântiques/Agênero, Pan/Poli, Família e amigos, gêneros não ocidentais e formas diferentes de excitação sexual e, mais. Simbolicamente, quer dizer que em pleno século 21 ainda precisamos de nomes e grupos para defender o direito individual da escolha afetivo-sexual.
Um absurdo o mundo ainda ser LGBTIfóbico. Embora eu considere que a classificação em tantos subtipos mais atrapalha que ajuda, reconheço a necessidade de demarcar firmemente o território. Espia o motivo: relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são consideradas crime em 73 países, segundo dados recentes da associação internacional ILGA (International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex Association). Desses, 13 preveem a pena de morte para atos sexuais consentidos entre pessoas adultas do mesmo sexo. Analisando assim, parece que por aqui a situação está boa, né? Nada disso! O preconceito é um inimigo perigoso que mora ao lado. O Brasil figura no primeiro lugar do ranking de assassinatos por motivação de escolha da sexualidade, de acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB) e dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Em 2017, o aumento foi de 30% em relação ao ano anterior. Fala-se menos do que se deveria sobre isso. Gostaria de ler mais e melhores abordagens sobre o assunto nos jornais, não somente notícias que vulgarizam esta vulnerabilidade social.
É fato que as articulações dos direitos humanos ganharam mais visibilidade. E as redes sociais abraçaram a luta servindo de porta-voz da necessidade de, no mínimo, tolerar a diversidade. Seja por reflexão ou necessidade de ter um perfil amistoso, a internet reforçou a propagação do direito à diversidade sexual como algo politicamente correto. Graças a muitas campanhas, depoimentos de personalidades e o envolvimento de marcas começamos a fazer certa amortização da dívida histórica com esses grupos. Avanço que não resolve, mas ajuda. Viemos de gerações de preconceito solidificado e liquefazer isso exige investimento interno e coletivo. Por isso, esse empoderamento virtual-real é imprescindível para a nossa melhoria enquanto indivíduo e comunidade. Só não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que o combate ao preconceito se deu baseado apenas em uma revisão global do respeito ao próximo.
A força da voz do capitalismo ajudou a engrossar o coro dos defensores das bandeiras multicoloridas. Gays e afins, normalmente não tem filhos e gastam mais, mostram as pesquisas. Estão carentes de aceitação pois foram e são massacrados por séculos. Unindo o útil ao agradável, nasceu o “pink money”. Nomeado pelo próprio mercado — deixo aqui meu protesto pois acho acintoso e reprodutor na prática do julgamento que se combate em teoria — movimenta cerca de R$ 420 bilhões por ano somente no Brasil, conforme dados da associação internacional de empresas, a Out Leadership. O cenário é tão promissor que existe uma Câmara de Comércio e Turismo LGBT no Brasil. Acredita? Para atender a demanda e consolidar mais um segmento de vendas de experiências, mais meios mobilizados.
Na ficção: teatro cinema, revistas, séries. Beijo gay em novela, jovem vivendo o drama do transgênero em interpretações que, ao menos tentam ser despidas de julgamentos. Na realidade: mais autoridade para conversar sobre o assunto, beijar nas ruas, andar de mãos dadas. Enfim, direito a ser quem se deseja sem sofrer represálias morais ou físicas. Direito a tudo! Inclusive, o de gastar. Independente da contaminação mercenária, vislumbro maravilhosa essa abertura. E, acredito ser ainda preciso avançar. Mais e +. Direcionar a luta para que não vire guerra. Selecionando cuidadosamente a estratégia para não incorrer no erro do julgamento. É que ser ativista de uma causa tão difícil pode endurecer e ensurdecer. O que já acontece com alguns grupos.
Informalmente nomearam o fenômeno de heterofobia. Discordo. Vamos à equidade. Nada dito a seguir se compara à LGBTIfobia e suas nuances de violência. Por isso, prefiro chamar o comportamento de rebote de envenenamento. E defino: ato inconsciente de destilar contra o outro o resquício do veneno julgador que jogaram em você. Compreendo. Contudo, se faz necessário manter a coerência. Ocorre que, em certas feitas, há um discurso incoerente ao respeito à diversidade feito por simpatizantes do LGBTQQICAPF2K+. Exemplos? Reprodução de ataques dizendo que homens são a escória da sociedade ou mulheres são as histéricas descontroladas. Ou comentários do tipo “tão legal que nem parece heterossexual”. Ascensão no trabalho por afinidade sexual tem sido estudada por analistas de RH. Proibição da entrada em festas com justificativa na sexualidade. Eu mesma fui fisicamente agredida por não topar uma proposta em uma boate gay. Penso que atos assim fragilizam o discurso de defesa da liberdade sexual. Isso porque, gostem ou não, ela deve contemplar tudo, inclusive a heterossexualidade. Entendo e concordo com várias atitudes defensivas. Gato escaldado realmente tem medo de água, né? Porém, também se vê ataque por aí. Vem de forma séria ou em piadas. E, o que tento dizer com o máximo respeito é que, qualquer um de nós, pode ser o que quiser sem ter que pagar um preço moral ou físico.
Olha, eu sei que há um monte de homem canalha. Outros tantos, ótimos. Muitas são as mulheres descontroladas. Muitas tantas, equilibradas. Não creio serem essas motivações ou desmotivações sobre a preferência do gênero o qual se relaciona ou se identifica. Sempre defendi os direitos individuais e não quero medalha de “hetero legal” por isso, entende? Mas, se eu escolho um lugar para dançar pela música, não dou a ninguém o direito de me julgar pela negativa de uma paquera. Também não fecharei os olhos às debilidades da prática do discurso por se tratar de um movimento legítimo. É preciso que se entenda que nem todo mundo que opta em relacionar com o sexo oposto está contra a diversidade sexual. Mesmo que a história mostre muitos exemplos contrários.
Por tudo isso, penso que para que todo o belíssimo combate ao preconceito em torno da sexualidade cresça consistentemente é fundamental autocrítica para rever essas posturas. Reproduzir falas pejorativas, de brincadeira ou não, provoca mais que desconforto pessoal. Reforça estereótipos. Quando o discurso pela defesa da sua escolha é agressivo em relação à escolha do outro, toda a luta democrática está em risco. E coloca todo o sentido do + em cheque.