Eu tinha 9 anos, estava na quarta série e nutria um amor secreto por Carlos. Lorena, minha amiga e confidente, chegou com a novidade. O irmão dela, Pedro, havia dito que Carlos também estava apaixonado. Tomei coragem. No dia do aniversário dele peguei meu porta-joias redondo de plástico, com uma foto de gatinho na tampa, coloquei um bombom dentro e entreguei no recreio. Na hora, os meninos que estavam com ele gritaram: “dois namoradinhos, vão casar amanhã cedinho”. Ele disse que gostava de Lorena. Jogou o presente no chão e saiu correndo. Eu comecei a chorar. Esse foi meu primeiro contato com a fofoca. Nunca soube quem mentiu. Cortei amizade com os irmãos. Assim sigo fazendo. Detesto mexerico e me dou o direito de não compactuar com conversa fiada. Isso é a maior perda de tempo! Serve, necessariamente, à malícia. O problema é que não há como fugir. Fuxicar a vida alheia é parte da natureza humana. Portanto, precisamos aprender a conviver, sabiamente, com os fuxiqueiros.
Sempre me intrigou a motivação de que gosta de mexericos. Em “Tratado Geral Sobre a Fofoca: Uma Análise da Desconfiança Humana”, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa analisa aspectos sociológicos, filosóficos, históricos e psicológicos dos bisbilhoteiros. No livro, o autor afirma que nossa observação está ligada ao que somos. Vemos no outro nosso próprio caos. Portanto, a fofoca funciona como um espelho da alma. Nesse sentido, estudioso explica que falar do alheio é, via de regra, falar de si mesmo. Só que, no ato da futrico, o futriqueiro fantasia não ter defeitos. E se lança ao gozo da perfeição ilusória. Porém, Gaiarsa adverte que falar mentiras sobre uma pessoa é terceirizar o peso de nossas imperfeições. Atuar desse modo e com frequência, frustra o desenvolvimento da consciência, imprescindível ao crescimento pessoal. Trocando em miúdos: quem vive do outro não costuma cuidar de si. Não sai do lugar. Transita recalcado nas relações. Está a todo momento se autodenunciando. O forjador de acontecimentos expõe nesse ato sua mediocridade e estagnação. Já ouviu o ditado: “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”? É bem por aí.
Alguns historiadores defendem que a boataria já estava presente na pré-história. Os homens buscavam informações acerca das fraquezas, medos e aptidões dos grupos rivais. Com isso, traçavam as estratégias de sobrevivência. Para mim, isso não é fuxicar a vida alheia. Está mais para reconhecimento de território. Defino a fofoca como uma mentira, travestida com alegorias de verdade, para deturpar algo ou alguém. Frequentemente criada por seres inábeis com a própria imagem. Uma perversidade de natureza destrutiva. Pesquisadores alemães discordam de mim. Tanto que desenvolveram a teoria da fofoca “positiva” como articuladora da cooperação. Segundo os estudos, os tais rumores positivos ajudariam a abrir as portas da confiança dentro do grupo. Acho questionável. Prefiro reforçar o comportamento genuíno. Esse sim abre portas ao bom relacionamento.
Marcada pelos comentários maledicentes desde a infância, passei a trabalhar com a redução de danos. E, como medida de autodefesa, identifiquei cinco tipos de fofoca. Então, atuo segundo a classificação. A “fofoquinha”, por exemplo, acontece entre duas pessoas ou pequeno grupo. Normalmente presente na falação familiar dos almoços de domingo ou grupos virtuais. Tratada como verdade pública é normalmente introduzida pelo falso descuido do repasse da informação “Você sabe que seu tio batia na sua tia, né?” Provavelmente, a delatora sabia do seu desconhecimento. Certamente está brava com o tio ou quer provar algum argumento. Então, repassa algo que ouviu, independentemente da veracidade. Esse tipo de fofoca é predominantemente residencial, causa mais barulho que danos, quase sempre morais e temporários. Costuma ter curta duração já que, muitas vezes, nasce na briga e morre com as pazes.
Casais tem um tipo peculiar de fofoca. É a “fofoca íntima”. No momento da raiva, o afetado (a) fala dos defeitos do seu parceiro (a) com amigos tratando isso como verdade imutável. “Fulano (a) nunca me apoia em meus desafios”. Tal modalidade é contagiosa e de longa duração. Propaga-se em diversos grupos comprometendo a afetividade do confidente com o (a) suposto (a) “malfeitor(a)”.
Mães, pais e filhos exigem exclusividade nos bafões. Só a mãe ou o pai falam mal do filho e vice-versa. É quase uma justificativa genética pelo fato do relacionamento não ser excelente sempre. “Não sei de onde meu filho tirou esse gênio. Deve ser a tataravó do meu marido. Dizem que era muito difícil”. Olha, muita atenção! É totalmente desaconselhável ao ouvinte manifestar qualquer tipo de opinião. Concordar ou discordar da “fofoca parental”, mesmo que seja apenas um balançar de cabeça, pode colocar sua vida em risco.
Já a “fofoca corporativa” tem consequências mais sérias e permanentes. Uma mentira em ambiente de trabalho provoca a maior confusão. Quiçá capaz de transformar o departamento de Recursos Humanos em divã. É colega falando do outro, subordinado falando de chefe, chefe falado de subordinado e também de seu superior. Se o volume dos corredores ou cantinas fosse aumentado, haveria transmissão ao vivo da “Rádio Peão”. Em quase todas as empresas há “informantes” que soltam brincadeiras dúbias: “Se o relatório é do Beltrano, o chefe nem revisa”. Quem quiser entende que Beltrano é ótimo. Por outro lado, Beltrano pode ser protegido. Esse tipo de inverdade, na melhor das hipóteses, atrapalha o andamento do trabalho pois cria clima de rivalidade e desafeto. Pode manchar para sempre a imagem da vítima do bochicho. E, na pior das hipóteses, gera processos administrativos e até demissões.
Por fim, a “fofoca virtual” vai desde comentários e ataques individuais nas redes sociais até a avalanche das fakenews. Essa modalidade é de altíssima periculosidade pelo nível de alcance pois se espalha mundialmente em segundos. E, no caso das fakenews, o problema é o desserviço. Recentemente, por exemplo, uma série de reportagens fantasiosas defendia a não vacinação de crianças, levando muitos pais à dúvida e até mesmo à não imunização na infância. As notícias falsas têm um caráter político que não pode deixar de ser mencionado. Não no sentido partidário, apenas. Mas, especialmente, por se referir ao comprometimento no repasse de temas de interesse público atrapalhando a governança de Estado. Impactando negativamente na vida de diversas comunidades. Desolador saber que há pessoas se dedicando a isso. Principalmente jornalistas.
Vale esclarecer que a “fofoca de gênero” é, em si mesma, pura falácia. Um estudo do Instituto de Pesquisas Onepoll (Grã-Bretanha) indica que homens passam uma média de 76 minutos diários conversando sobre essas amenidades, comparado a 52 minutos gastos pelas mulheres.
Como dito, reconhecer o tipo de fofoca serve para tentar combatê-la. Por isso, seguem algumas dicas. Quando a inverdade não for sobre você ou alguém muitíssimo próximo sugiro uma resposta automática padrão. “Não quero ser grosseira. Mas vou pedir uma gentileza. Por favor, comente isso apenas com que se interessa ou com o próprio interessado. Fica delicado, para você, me passar essas informações. Pode ser? ”. Ignorar é ceifar a fofoca e o gozo do fofoqueiro. Agora, no caso de ser você o centro da mentirada é preciso avaliar. Sempre vale interromper o mediador depois de conseguir os dados básicos. Através deles, você definirá o quanto de esforço dedicará. Normalmente, casos de fofoquinha, fofoca parental leve ou fofoca virtual individual, são bobagens voláteis. Melhor deixar para lá como modo de economia de energia. É que não vale a pena o desgaste, entende? O outro é terreno de ninguém e se preocupar com quem fala pelos cotovelos atrasa a vida. Já as fofocas íntimas, parental grave e corporativas têm maior potencial ofensivo. Da mesma forma, vale cortar o interlocutor no ato. Depois de saber o mínimo para sua defesa, vá calmamente direto à fonte. Sempre com o futuro do pretérito em dia. “Soube por algumas pessoas que você teria feito ou teria dito tal coisa. Gostaria de conversar sobre. Você me daria um minuto? ” É que quando se desmonta o cenário do sigilo com elegância, o disse que me disse não acontece. Ao marcar o terreno, as pessoas pensam um pouco mais antes de avançar.
Em quase todos os casos o fofoqueiro é covarde. Portanto, o confronto pode neutralizar o problema. Infelizmente, em muitos casos, a fofoca, fica socialmente irreversível. Quem cria, escuta e reproduz fofocas é afeito ao drama. E, desmentir, fazer justiça e se retratar não faz parte do escopo emocional dessas pessoas. Mesmo quando isso acontece, há margem de erro na correção já que a velocidade de propagação da fofoca é infinitamente maior à da retratação.
Por essas e outras, aplico e recomendo estratégias de neutralidade em campo minado por bisbilhotice. Cada um que as faça ao seu modo. Porém é fundamental manter-se firme no propósito de barrar e, se necessário, desmascarar esses enganos. Eu, mesmo com inúmeros fracassos, sigo tentando. Não apenas pelo incômodo e/ou ilegalidade (sim, fofoca pode ser crime de calúnia, injúria e difamação em alguns casos). Mas, muito mais, porque devo isso àquela criança duramente exposta por fofoqueiros na escola.