Pouca coisa causa mais aflição ao homem pensante do que a consciência da morte. Digo aqui homem “pensante” não como elogio, mas como maldição, capaz de nos engolfar à mais profunda vala se ostentarmos a menor chama de vaidade.
A consciência do fim convizinho é uma lição contra a vaidade, em especial àqueles que merecem algum destaque por seus grandes feitos. Imagino como devem ter-se sentido Napoleão e Gengis Khan, por exemplo, ao compreenderem em vida — se o tiverem feito — que não viveriam para ler os livros de História com seus nomes. Provavelmente fantasiaram se imortalizar na suposta imortalidade de seus feitos. Dá até para enxergar um nanico Napoleão olhando-se no espelho e treinando poses para as pinturas de vida eterna, mergulhando-se em martírio agridoce de quem integraria a História (assim, com H maiúsculo) sem poder estufar o peito.
Estrategicamente pensando a angústia do nanico, Fernando Pessoa decretou: “Todo homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto”. Pessoa faz lembrar o que escreveu um poeta inglês de nome Percy Shelley, zombeteiro dessa débil chateação, sobre um viajante que, chegando a uma antiga terra, viu uma estátua de duas pernas enormes e sem corpo, em cujo pedestal se lia “Meu nome é Ozymandias, e sou Rei dos Reis: Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!” A ironia vem por conta do que estava em volta da tão gloriosa estátua: nada. Vários nadas rolando como bolas de feno invisíveis num imenso e engolidor deserto.
Se Ozymandias sonhasse com a peça que lhe pregaria o tempo, teria concluído que ou o homem é célebre, ou pensante. Se for os dois, deve aprender a conviver com a certeza de que o tempo apagará todos os seus imensíssimos feitos e glórias, sua história cuidadosamente construída — recheada dos mais açucarados caprichos — relegando uma vida de hipérboles a mera farinha de orgulho. Se não rapidamente, em alguns milhares de anos. Afinal, cada indivíduo é pó e ao pó há de voltar, como diz o ensinamento de alguém que não viveu em carne para vê-lo repetido.
Que o alcance dos feitos honrosos seja uma busca em si, sem a pretensão da permanência. Somos impermanentes, inconstantes, passageiros. Que essa consciência nos conduza para fora da prisão, a fim de que sejamos grandiosos em nossa nua desvaidade fugaz. Entender-se transitório provavelmente é a única saída para o homem se ver livre durante esta passagem, pois que sua maior prisão sempre é a gaiola que o aferrolha às angústias cultivadas em si.