Vídeo de jogador da Croácia exaltando a Ucrânia eleva o patrulhamento nas redes sociais sobre a ação de grupos extremistas. Até que ponto isso vale?
Sou torcedor do Goiás desde que me entendo por gente. Foi herança paterna, o que me fez ganhar essa paixão justamente no momento mais difícil, quando o grande rival chegava a seu tetracampeonato e batia sem dó no Verdão.
O processo de aprender a gostar de um clube quando criança é assim: a gente não analisa a história da equipe, apenas gosta, se apaixona, seja porque um jogador faz maravilhas com aquela camisa, seja porque você gostou das cores, seja porque você ama seu pai e ele ama aquele time. É absolutamente emocional.
Claro, depois de crescer a gente faz as opções. Assim, posso admirar a história do Vasco, do Internacional, do Barcelona, do Livorno, do Rayo Vallecano. Não é que eu torça (sou só Goiás), mas admiro. Se eu não tivesse já meu time do coração, poderia até torcer, mas nunca com a força de uma paixão.
No futebol hoje, o que me conquista mesmo é o futebol jogado em seu esplendor. A beleza estética em campo. Por isso, é impossível torcer contra Messi, assim como não dá para não se encantar com o que Neymar faz no gramado quando ele está em pé. E meu filho se chama Arthur também por uma pequena homenagem ao Zico, meu primeiro e único super-herói em campo, que jogava esse futebol bonito.
Nesta Copa, esse futebol bem jogado, esteticamente falando, esteve ausente. Teve lampejos em jogadas esporádicas de craques como o próprio Messi e o próprio Neymar, além de Phillippe Coutinho, Hazard, De Bruyne, Mbappé, Modric, Cavani, Cristiano Ronaldo e outros poucos.
Na final da Copa, estarei torcendo pela seleção que mais bem representa o que eu penso de futebol: a Croácia. A França é um time talentosíssimo, mas submetido a um esquema tático defensivo e até retranqueiro que me incomoda muito para eu gostar.
Dito isso, falemos do Vida. O jogador croata que andou fazendo umas bobagens em vídeo e que, por isso, ganhou o rótulo de neonazista.
O cenário nos Bálcãs nunca foi de céu de brigadeiro em termos de tolerância. Outro exemplo de como aquilo ali é um pedaço complicado foi a comemoração dos jogadores suíços de descendência albanesa contra a Sérvia: Xhaka e Shaqiri fizeram gols na partida e saíram gestualizando uma águia, símbolo da bandeira da Albânia.
Ex-jogador durante anos do Dínamo de Kiev, Vida mandou um “Glória à Ucrânia”, saudação que rememora grupos radicais de direita daquele país. E a partir daí redescobriram na internet a história da Croácia dentro do armário: um país com ressentimento à esquerda e muita gente ligada ao extremismo de direita.
Durante a semifinal contra a Inglaterra, o zagueiro foi vaiado toda vez que tocava na bola, por conta de ter exaltado um país hoje inimigo da Rússia. Nas redes sociais, a classificação à final foi motivo para rememorar tudo isso. E para execrar de vez o jogador.
Eu não conheço a trajetória de vida do Vida. Não sei o que ele fez no passado que o tornaria reincidente e confesso que não pesquisei tal fato para escrever este texto. Digo apenas que, se ele realmente é um neonazi declarado, não deveria nem estar em um evento como este. Aliás, deveria estar banido do futebol.
Fora isso, o que está havendo na internet é uma tomada de dimensão da história para ameaças de morte ao Vida. E não só a ele: elas se estendem ao filho dele, que entrou em campo ao fim do jogo (talvez para dar uma amenizada na imagem do atleta, é provável) e deleitou o público e os fotógrafos presentes.
Mas muita gente resolveu patrulhar a torcida pela Croácia por conta desse contexto acima. Ou seja, torcer contra passou a ser um ato político contra um povo supostamente simpático ao neonazismo.
Enquanto eu escrevo, exatamente agora, numa mesa de esportes, falando da seleção brasileira e seu desempenho, um jornalista fala da intolerância, do pensamento binário, de não expandir o horizonte além do sim e do não.
E aí fico pensando, então, sem ir muito longe: o que sobraria dos times brasileiros, se fôssemos nos ater a um momento de sua história ou ao comportamento de alguns de seus integrantes, sejam dirigentes ou jogadores? Meu Goiás é praticamente propriedade privada de uma família que explora o transporte coletivo urbano há décadas oferecendo um serviço miserável; no passado, foi dirigido por um banqueiro e teve ligações que o favoreceram, futebolisticamente falando, durante o período militar.
O Palmeiras e o Cruzeiro foram ligados diretamente ao integralismo e indiretamente ao fascismo italiano, tiveram até de mudar nome por isso; o Grêmio e o Fluminense, para citar só dois de vários clubes, não aceitavam negros em seus elencos; o Corinthians ganhou título nacional com dinheiro muito suspeito… e a seleção brasileira de 70, o Esquadrão do Tri? Foi usada, sim, claramente como propaganda do regime militar que torturara e matava em seus porões.
Por isso tudo, e pelo que penso em termos de sociedade e humanidade, vou ficar feliz se a França vencer com sobrenomes e cores como os de Kanté, Mbappé, Hernandez e Griezmann. Assim como foi em 1998, vai provar de novo que a diversidade nos une e traz resultados positivos. Acredito muito nisso.
Mas não me comove esse futebol defensivo, embora eficiente, que a França pratica. Gosto mais do futebol valente e técnico da Croácia, exatamente por parecer mais com o velho estilo brasileiro.
E será por isso, não pelas implicações políticas de um ou mais jogadores. Repito: se houver cunho de intolerância ou supremacia étnico-racial no discurso de qualquer atleta que represente seu país, o sujeito tem de ser imediatamente punido pela Fifa e por sua federação.
Até lá, o que tem havido com o caso Vida é um patrulhamento totalmente sem sentido.
Elder Dias é editor-chefe do Portal Estádio das Coisas.
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