E se o Brasil tivesse recebido um Prêmio Nobel de Literatura, quem seria o ganhador? Antecipando as eventuais discussões, polêmicas e brigas, Jacques Fux já resolveu logo a questão. Ele “se deu” o prêmio! Isso mesmo, acabou o tabu! Depois que Leonardo DiCaprio ganhou o Oscar de Melhor Ator, o Corinthians venceu um Mundial de verdade, a Seleção Brasileira ganhou a Medalha de Ouro Olímpica, finalmente, o Brasil se laureou com um Prêmio Nobel de Literatura. Os suecos podem ter esnobado Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Jorge Amado, Cabral, Rosa e Drummond, mas não conseguiram resistir às brochadas literárias de Jacques Fux. Pelo menos segundo o próprio. O autor de “Literatura e Matemática”, “Antiterapias”, “Meshugá: Um Romance Sobre a Loucura” e do livro que retratou fielmente todo o momento político e social do mundo “Brochadas”, lavou nossa alma verde e amarela.
E o mais importante é que Fux acaba de publicar um livro com seu discurso de recebimento. E, que discurso! Sabe aquilo que todo mundo tem vontade de falar, de por para fora, de dizer bem alto: “eu mereço, eu sou bom mesmo”, mas não tem a mínima coragem para fazer? Pois bem, Fux — o nosso laureado — não tem papas na língua. Seu discurso é repleto de ironia, sarcasmo, (auto) depreciação e literatura. Uma sátira bem escrita e divertidíssima, mas que promete abalar os pilares do Nobel revelando suas politicagens e fofocas. Confere? É isso mesmo? Em se tratando de Fux, um herdeiro do falsificador erudito Jorge Luis Borges, tudo pode acontecer. Ser ou não ser não é mais a questão. Num furo de reportagem, pulei o muro com cacos de vidro e cerca elétrica da mansão de Fux no principado de Mônaco e consegui uma entrevista exclusiva. Em tempos de Fake News, nada como um bom exemplo de jornalismo literário ou literatura jornalística; o leitor decide. Com vocês, em primeira mão, entrevistamos o nobélico Fux!
O senhor está lançando o romance “Nobel”, que nada mais é do que seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel de Literatura em Estocolmo. Lava muito roupa suja literária. Entrando no espírito da coisa, primeiramente parabéns, e pergunto: o senhor tinha conhecimento de que estava entre os indicados?
Jacques Fux — Muito obrigado, Ademir. Finalmente a Academia Sueca acertou em sua nomeação. Além do mais, de que adianta ganhar o Nobel no fim da vida? Como você vai aproveitar o prêmio, a grana e a fama se já está no fim, bem no fim da sua existência? Ao me premiarem, a Academia consagra o vigor, o Viagra e a juventude literária!
E, sim, eu sabia da minha indicação. De acordo com as normas da Academia, um catedrático de renome de seu país pode apresentar um dossiê de candidatura de algum escritor que ele julga relevante. Um dos membros titulares da Academia Brasileira de Letras uma vez apresentou o dossiê do Ferreira Gullar para o Nobel. No meu caso, o professor titular de Teoria Literária da Unicamp, dr. Márcio Seligmann-Silva, enviou uma belíssima carta ao Comitê do Nobel (leia a carta na íntegra). E, parece que deu certo!
O filósofo francês Jean-Paul Sartre, deu uma de gostoso e recusou o Nobel. Existiria alguma possibilidade de o senhor fazer o mesmo?
Jacques Fux — Não. Não. De forma alguma. Segundo as regras atuais, os indicados ao Nobel já estão cientes do processo e aceitam a indicação. O que acontece é que o ganhador tem seis meses para entregar um discurso. Se você não o fizer, assim mesmo você continua sendo o ganhador do Nobel, mas não leva a grana. Eu já fiz e enviei meu discurso! Tudo certo, então. Grana no bolso!
Então, quais seriam seus planos para a montanha de dinheiro que vem junto com a medalha e o diploma?
Jacques Fux — Nem é tanto dinheiro assim. O prêmio bruto é algo em torno de um milhão de dólares. Parece sensacional, certo? Mas aí vem a Coroa Sueca e come uma grande parte do dinheiro com o imposto. Depois, é costume o laureado doar uma pequena parte do dinheiro para uma instituição de caridade. Fiz a doação com muita alegria. E o que sobra, você tem que repatriar o dinheiro — Joesley, Wesley e toda nossa corja de bandidos ficam com seu quintão — e o que resta não dá nem para comprar um apartamento em Jacarepaguá.
Deu aqui em um obscuro site na internet, com servidor da Eslovênia, que a Academia Sueca anunciou sua premiação justificando a láurea pelo senhor “ter performado, falsificado e duplicado a narrativa dos escritores canônicos, transformando-a em sua perturbada obra”. Acha tal interpretação do escopo de sua obra justa?
Jacques Fux — Valeu o Prêmio Nobel, certo? Então, justíssimo. Como falei em meu discurso: “Após anos de escolhas polêmicas, algumas vezes equivocadas e até vergonhosas, finalmente os nobres cavalheiros se redimiram e tomaram uma decisão acertada. Caríssimos, o vosso dever foi cumprido. Parabéns. Eu, sem dúvida alguma, sou merecedor incontestável desta premiação. Sim, desde muito jovem devoto a minha existência à literatura. Não exatamente à leitura e aos estudos dos clássicos, o que é muito banal e nada inédito, mas à transfiguração desse meu eu, real e biográfico, em um eu ficcional e ventríloquo da memória e da obra dos outros. Em prol deste sublime momento, ilustres colegas, eu me dediquei a metamorfosear e a introjetar a vida e a experiência dos escritores que estiveram antes de mim neste púlpito. Eu sou todos eles. Sou, inquestionavelmente, “a obra de excelência numa direção ideal”, como bem vos instruiu Alfred Nobel em seu testamento, com a intenção de agraciar os heróis-vencedores deste Prêmio”.
Consta que assim que recebeu a notícia do Nobel, o senhor telefonou para Philip Roth. Qual foi o teor da conversa?
Jacques Fux — Eu e o Roth temos uma relação bem próxima e interessante, afinal somos os dois maiores onanistas literários. O que percebo é que o mundo literário não aceita muito bem esse lance da ironia, do humor e do sarcasmo na literatura. Querem colocar as Letras num pedestal inacessível e inalcançável. Eu, Roth, Seligmann, Kafka e outros, digamos, “rabinos” contemporâneos, pensamos diferente. É importante e fundamental fazer uso do humor — com qualidade e propriedade — na literatura. Então, quando o Roth virou “Comandante da Legião Honra Francesa” em 2013, ele me ligou e tirou um sarro com a minha cara: “Agora você vai ter que me engolir. Pode começar a me chamar de Comandante”. Minha vingança nem tardou tanto. Quando recebi o Nobel fiz uma breve ligação para ele: “Chupa Comandante Roth” e desliguei.
Muitos críticos afirmam que a Academia Sueca premiou Kazuo Ishiguro em 2017 para se desculpar por ter premiado Bob Dylan em 2016. Agora tem uns youtubers metidos a cult afirmando que o senhor foi escolhido em 2018 como forma da Academia se desculpar por ter pedido desculpas em 2017? Concorda?
Jacques Fux — Gostei desse enigma lógico-matemático. A desculpa da desculpa da desculpa. Bob é um grande amigo e completamente louco. Ele até aparece como personagem em um dos meus livros — “Meshugá: Um Romance Sobre a Loucura”. Como disse em meu discurso: “O propósito desta láurea é reverenciar aqueles que, a partir da arte, dignificaram e ampliaram a concepção da vida. Que vislumbraram algo de divino e de supremo nessa sórdida devassidão humana. Que coibiram os próprios interesses comezinhos para alcançar um outro patamar na pesquisa e na exploração da linguagem literária. Eu represento essa utopia. Sou o vosso protagonista. E sou também a vossa voz. Assim, com imensa alegria e orgulho, mas convicto de que a minha escolha foi correta, aceito humildemente esta honraria. Muitíssimo obrigado”.
Diz a lenda que não há Prêmio Nobel de Matemática em função da esposa de Alfred Nobel ter tido um caso extraconjugal com um matemático. O senhor, além de escritor, é também um matemático. Foi justiça poética?
Jacques Fux — Eu fugi da matemática quando descobri que lá não poderia ganhar o Nobel. Por isso segui o caminho da Literatura. E, deixo aqui um convite: estou disponível para casos extraconjugais. Só me mandar um nude pelas redes sociais e podemos discutir os termos do acordo.
Um perfil fake da Mia Farrow publicou no Twitter que o Woody Allen anunciou que pretende adaptar seu livro “Antiterapias” para o cinema. É uma obra com fortes traços autobiográficos. Quem recomenda para interpretar o protagonista?
Jacques Fux — Quando lancei meu segundo livro, uma crítica escreveu: “Jacques Fux fez pela brochada o que Woody Allen fez pela neurose: transformou em assunto que se pode confessar em terceira pessoa, fora do consultório do terapeuta. Literariamente, of course. Coragem, leia!”. Acho que Woody poderia me convidar para que eu interprete eu mesmo nos cinemas. Grande parte da “trama” do livro “Antiterapias” se passa no banheiro, assim como quase todos os livros de Roth. Vou adorar fazer essa encenação. Já posso começar a treinar?
Brasileiro adora um primeiro lugar. Aceitaria convites para desfilar em carros de bombeiro pelas ruas de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro?
Jacques Fux — Tô fora. Quero ficar aqui, em Mônaco, curtindo meu “puxadinho”.
Olha só, as surpresas não acabam! Um contato no Rio de Janeiro acaba de me enviar um Twitter fake informando que uma escola de samba vai usar sua obra como enredo em 2019. Parece que o título já está até definido: “A brochada do judeu louco na terra da dinamite”. E neste desfile, o senhor aceitaria subir no carro alegórico?
Jacques Fux — Acho que o grande homenageado do carnaval será o Jacozinho, meu membro-personagem. Ele aparece em todos meus livros contando suas desventuras, suas odisseias e suas poucas vitórias. Tenho certeza que no carnaval ele vai ir à forra.
Seus inimigos literários o acusam de ter roubado seus livros de um colega da faculdade de engenharia que suicidou. O que tem a dizer em sua defesa?
Jacques Fux — Verdade. A ficção não passa de apropriação indébita, falaciosa e faltosa da “realidade”. Uma invenção completa da literatura, da memória e da ficção. E é justamente isso que faço como escritor.
Vim para Mônaco sentado ao lado de um senador no avião. Ele me confidenciou que três candidatos à presidência o procuraram, convidando-o para ser ministro da Educação e Cultura em seus eventuais futuros governos. Confere? O que pensa dos convites?
Jacques Fux — Não aceito. Quero ser Imperador ou Czar.
Para terminar, registro que seu livro “Nobel” é o discurso que os Acadêmicos Suecos precisariam ouvir. É desaforado, honesto e hilário ao mesmo tempo. Recomendo muito. Adiantaria alguma coiso do livro para os leitores?
Jacques Fux — É verdade. Convido a todos a conhecer esse discurso nada correto, mas que fala o que todo mundo quer dizer. Um discurso sem vergonha, sem medo, sem receio e sem falsa modéstia, como podem ver: “Se a função da arte é desvelar a alma, as vicissitudes e a experiência humana, eu vos ofereço o seu âmago. Todos, todos que algum dia escreveram um livro sonharam com este instante de glória. Todos — até os que negaram — sentiram que foram reconhecidos e condecorados de forma merecida, ou criminosamente obliterados e perseguidos. Não há dúvida de que qualquer escritor, inclusive os de internet, tem certeza de possuir um dom extraordinário e sagrado. Reza a tradição honrar e homenagear os que aqui estiveram. Aclamá-los como mestres, ídolos, fontes de inspiração e reverência. Colocá-los num patamar sacralizado e quase inatingível. No Hall da Fama e da Glória. Olímpicos. Mas concedam-me outra digressão. É no desvio, nos atos indecorosos, nos recalques obscenos, sórdidos, sorrateiros que repousa o verdadeiro autor e as suas mais sensíveis e honestas palavras. Em meu discurso, farei questão de enaltecer os atos e os textos infames. Tudo que foi e é clandestino e vergonhoso. A infâmia, amigos, é um efeito com valor de sentido. É uma exaltação. Uma necessidade de dar atenção especial ao que não foi inventariado, mas ao que pode ser inferido, resgatado e recriado nas falhas, nas calúnias, nos esquecimentos. Àquilo que nem a própria ficção alcança”.