Dover Beach, de Matthew Arnold
The sea is calm to-night.
The tide is full, the moon lies fair
Upon the straits; on the French coast the light
Gleams and is gone; the cliffs of England stand;
Glimmering and vast, out in the tranquil bay.
Come to the window, sweet is the night-air!
Only, from the long line of spray
Where the sea meets the moon-blanched land,
Listen! you hear the grating roar
Of pebbles which the waves draw back, and fling,
At their return, up the high strand,
Begin, and cease, and then again begin,
With tremulous cadence slow, and bring
The eternal note of sadness in.
Sophocles long ago
Heard it on the A gaean, and it brought
Into his mind the turbid ebb and flow
Of human misery; we
Find also in the sound a thought,
Hearing it by this distant northern sea.
The Sea of Faith
Was once, too, at the full, and round earth’s shore
Lay like the folds of a bright girdle furled.
But now I only hear
Its melancholy, long, withdrawing roar,
Retreating, to the breath
Of the night-wind, down the vast edges drear
And naked shingles of the world.
Ah, love, let us be true
To one another! for the world, which seems
To lie before us like a land of dreams,
So various, so beautiful, so new,
Hath really neither joy, nor love, nor light,
Nor certitude, nor peace, nor help for pain;
And we are here as on a darkling plain
Swept with confused alarms of struggle and flight,
Where ignorant armies clash by night.
Este poema, cuja leitura você provavelmente pulou, foi o que Daisy Perowne leu por exigência de Baxter, o marginal que ameaçava estuprá-la. Enquanto mantinha uma faca no pescoço de Rosalind, e seu comparsa vigiava Henry, o pai, além do irmão Theo e o avô. Daisy estava nua, grávida, e supostamente lia um poema de seu próprio livro. Só que não. Lia, na verdade, “Dover Beach”, de Matthew Arnold, por conta de uma dica que seu avô, também poeta, lhe dera. Enquanto a escutava, Baxter muda completamente, abandonando seu projeto malévolo inicial que incluía, além do estupro de Daisy, um provável banho de sangue. Mas então, como mágica, a leitura do poema faz com que retire a faca do pescoço de Rosalind, e aceite o convite de Henry para acompanhá-lo até o andar de cima, onde supostamente este lhe mostraria detalhes de um experimento clínico novo para sua doença — Huntington. Uma vez lá, seu comparsa foge, e ele é empurrado escada abaixo, batendo com a cabeça e quase morrendo. Quase. Vai parar no hospital de quem? Do neurocirurgião Henry Perowne, que era o único capaz de salvá-lo. E o faz. The end.
Uma característica minha desde sempre tem piorado crescentemente. Ranzinzice. Tenho tido cada vez menos paciência com várias coisas, incluindo a leitura de ficção. Já confessei aqui uma vez (Bartleby e eu) e confesso de novo. Duas coisas me irritam particularmente. Rebuscamento calculado, como aquelas paradinhas no ritmo para “desenhar” um personagem, recurso, por sinal, abusado ao extremo por Ian MacEwan em “Saturday” (e, pra todos os efeitos, por Roth em “American Pastoral”, pra dar outro exemplo). Como o Kindle não tem páginas, mas porcentagem, foi só a partir de 75% que começou de fato o livro. E mesmo assim com gordura nos outros 25%. A segunda coisa é a inverossimilhança. Essa é capaz de me fazer atirar o livro contra a parede, algo que quase fiz por várias vezes durante a penosa leitura de “Saturday”. Só não fiz porque “rasgaria” com isso uma dezena de outros livros, incluindo minha preciosa coleção de audiobook do Woody Allen.
A artificialidade das descrições de procedimentos neurocirúrgicos (quando MacEwan cita os fios utilizados eu juro que por pouquíssimo não fiquei sem meu Kindle), da atitude nobre de Henry, ao final, operando o marginal que obrigou sua filha grávida a ficar nua na frente de todos e por pouco não a violentou, a absoluta e inacreditável escapada de Henry em seu primeiro encontro com Baxter por conta de saber o diagnóstico de sua doença e a cereja do bolo podre: a leitura do poema fazendo Baxter se maravilhar e mudar de ideia. Jesus Cristo!
Poesia, como de resto toda forma de arte, não serve pra absolutamente coisa alguma (já falei sobre isso aqui, não vou me repetir). Não tem de servir. Pode até emocionar. Aliás, se dermos a “emocionar” um sentido lato, é isso mesmo que tem de fazer, se for boa (“boa” aqui num sentido husserliano, ou seja, será boa sempre que for “boa para mim”, já que não existe um “boa em si”). Mas a distância entre esse emocionar e fazer um marginal mudar de atitude é constrangedoramente enorme.
Mas ele tinha Huntington, me lembrará um espírito de porco, e Huntington pode ter mudanças bruscas de humor. O mesmo espírito de porco pode querer citar a síndrome de Stendhal, que acometia o epiléptico Dostoiévski e que o fez ter uma crise diante do “Cristo morto”, de Hans Holbien (escrevi a respeito no número 76 da revista Filosofia Ciência & Vida, da editora Escala). Ok, mas não a ponto de mudar completamente de ideia, e certamente não por conta de um poema absolutamente medíocre (“medíocre” no sentido aristotélico-adamsmithiano da palavra).
Concedo que a culpa pode não estar na ficção que leio, mas em mim (como quando um paciente chega pra você e começa assim: “Doutor, o senhor é o quinto médico que procuro”). De toda forma, isso é irrelevante. Para mim. Tornei-me intolerante a picanhas literárias. Tenho consumido mais filé. Mal passado, sangrando, é verdade, mas sem gordura. “Extension du domaine de la lutte”, de Michel Houllebeck e “Les Catilinaires”, de Amélie Nothomb, conseguiram minha completa atenção recentemente. E agora me apaixonei por Holden Caulfield, criação genial de J.D. Salinger, uma sugestão antiga do editor da Bula, que eu ficava jogando pra depois, mas que furou a fila por conta da citação de um trecho aqui, Os personagens mais mal-humorados da história da literatura. E se você não concorda comigo, pense bem, pode ser que você seja uma dessas hienas imbecis que riem de qualquer besteira no cinema. E esteja aplaudindo pelas coisas erradas.
PS: O verbete sobre “Saturday” na Wikipédia diz que foi um sucesso de crítica e público. Há mais hienas imbecis no mundo do que Caulfield pode imaginar.