Otto Lara Resende tem uma crônica de 1992 chamada “Zano”. É sobre um gato que fugiu de sua casa. Reli-a recentemente numa coletânea e resolvi contar a minha história sobre felinos. Muitos autores interessam-se por esses animais gloriosos e misteriosos. Só que eu, é curioso, até então só havia escrito sobre cães e peixes beta. De fato, felídeo, em casa, só houve um. E por completo aca-so. Mas “esse um” fez História e abriu muitos precedentes.
Numa noite fria e chuvosa (sem clichê), uma gata entrou em meu domicílio – até hoje não sei por onde – e decidiu parir no quartinho dos fundos. Da cozinha ouvi uns murmúrios e fui averiguar. Ao chegar no dormitório já haviam batido cartão no mundo três bebês-gato. O rumorejo era da mamãe, estava com dificuldades na délivrance do quarto filho. O bichinho estava nascendo sentado, dava até para ver a pata saindo da aflita genitora. Fiquei receoso de bancar o parteiro. Mas, ou aju-dava, ou a pobrezinha deixaria três órfãos e um falecido.
Puxei com suavidade a patinha. O bichano veio vindo, escorregando, até que mostrou-se ao planeta. Era todo branco, com manchas vermelhas no nariz. Ao livrar-se da placenta deu um miado atonal: batizei-o logo de Zappa. Consegui doar seus irmãos a amigos e fiquei com ele. É preciso dizer que Zappa sempre foi meio na dele. Não era propriamente carinhoso feito alguns que vejo por aí. Po-rém, como seu xará, era bastante curioso.
Pulemos para uns meses mais tarde. Em casa de nordestino, não pode faltar pimenta. Na minha existia uma prateleira na cozinha repleta de frascos e garrafas com dezenas de “caga-fogo” trazidas de viagens ou recebidas de presente. Ficava bem no alto para nenhuma criança botar a mão.
Num domingo pós-almoço, refestelava-me no sofá da sala quando se deu o estrondo. Levantei-me, espavorido, e logo vi Zappa estatelado no piso de cerâmica, rodeado de cacos, malaguetas, cumaris e dedos-de-moça. O gato parecia o Nicolás Maduro discursando, todo vermelho. Meu desconheci-mento em relação a felinos revelou-se naquela hora. O primeiro pensamento foi: “ele precisa de um banho urgente para tirar essa pimenta do corpo”.
Enfiei um calção, peguei o pet nos braços e entramos os dois no box. Quando caiu o primeiro jato do chuveiro, Zappa soltou suas garras, como o Wolverine. Em seguida, largou um triste miado. Feito um herói da Marvel, atingiu-me fundo com as unhas no peito e saltou pela janelinha do ba-nheiro.
Como na crônica de Otto, meu Zano sumiu por um longo tempo. Já estava dando como caso perdi-do, quando ele surgiu magro, encardido e com cara de pidão. Ele e seus três filhos. Batizei as crias de Hendrix, Clapton e Santana. Desde então, nunca mais usei pimenta na comida.