Foi um carnaval estranho. Eu fui convidado para pular numa cidadezinha do Meio Norte por uma garota que conheci em Londres, quando estudava idiomas. Nunca ia imaginar que o pai da moça era deputado, muito menos que a localidade fosse tão rústica.
Comecei a estranhar quando o irmão caçula da garota, vamos chamá-lo de Gustavo, convidou-me para conhecer a cidade em sua pick-up (sempre elas). No momento em que deixávamos a garagem, a mãe dele veio correndo, ofegante, com duas pistolas Magnum nas mãos. Bateu no vidro do utilitário e ralhou:
— Gustavo, tu vais sair de casa sem revólver, menino? Estás doido?
E, no momento seguinte, entregou a ele e a mim os paus de fogo.
— Que Nossa Senhora do Perpétuo Socorro os acompanhe! — murmurou ela e entrou persignando-se em casa. Sem saber o que fazer com aquele trabuco deixei-o em cima da coxa por todo o trajeto.
O sábado de Carnaval foi no clube. Todo o clã da namorada aboletou-se numa grande mesa à direita da orquestra. No outro tabuleiro, ao lado oposto dos músicos, a família do clã inimigo.
Iniciaram-se os trabalhos: Red Label com gelo de água de coco e patinhas de caranguejo. Duas horas depois, todos continuavam sentados, bebendo scotch, quebrando cascas sem martelinho. Ninguém se animava a dançar. Do alto de minha energia dos 20 anos, puxei a namorada para o meio do salão – sob o olhar reprovador dos familiares do velho político.
Momentos depois, ao som de “Cabeleira do Zezé”, encostou-se ao meu lado um moreno alto, com um volume sobre a camiseta que lembrava muito a Magnum que eu empunhara na pick-up. O mulatão sussurrou em meu ouvido: – Meu nome é Zé Maria. Sou da polícia e trabalho para o deputado. O senhor pode ter dois dedinhos de prosa comigo ali no balcão do bar?
— Vamos — falei, já pedindo à namorada que voltasse à mesa.
Abrimos uma Cerpinha. Zé Maria completou o discurso que iniciara: — O deputado está preocupado. O senhor com a filha dele, nesse salão, pulando carnaval. É perigoso demais, não sabe?
— Mas qual é o problema dela dançar comigo?— perguntei meio confuso.
O policial foi didático: — O senhor é de São Paulo. É frouxo, almofadinha, criado na maçã com coalhada. O povo daqui lhe janta em dois tempos, seu menino…
Fiquei rubro de indignação, Zé Maria prosseguiu: — …vem um ignorante aí, lhe mete uma mãozada no escutador de marchinha e… puf, o senhor cai, eita vergonha da peste! O deputado não quer isso…
— E o que ele quer? Que a gente volte para mesa, é isso? – disse, ironicamente.
— Carece não, moço! — me interrompeu Zé Maria. Faça assim: dance mais a menina, viu? Vou ficar bem aqui no balcão olhando. Se alguém vier com graça, aponte o caboclo: eu passo fogo nele na hora.
Fiquei alguns segundos em silêncio. Depois tomei uma decisão vital. Dei um tapinha nas costas de Zé Maria e respondi, tentando ser o mais natural possível: — Ah, maravilha! Só um detalhe: se eu quiser matar alguém eu venho aqui no balcão e aviso, beleza? Vai que eu, ali na dança, faço um gesto com a mão, você pensa que é pra atirar… Combinado?
Zé Maria topou. E passou as quatro noites encarapitado no balcão do bar. Só que, fora algumas caixas de Cerpinha, não matamos ninguém.