É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas não precisam acontecer. Nas relações interpessoais, não é diferente. Osmir tinha prometido a Silvânia que, quando noivassem, comemorariam em Paris. Ela meio que deu de ombros. O namorado era um fofo, entretanto era difícil crer que ele a levasse a passear, de mãozinhas dadas, na beira do Sena num fim de tarde.
Não queria criar expectativas. Foi assim com o dentista — ela só se referia assim ao “ex” Altério, devido ao rancor que não conseguia, depois de anos, digerir. Ele a agarrara na cadeira do consultório quando fora tratar um canal. E começaram ali mesmo algo, muito quente, mas que lhe provoca um frio na boca do estômago até hoje.
O dentista, nem dentista era. Após um tempo descobriu que era protético e, na ausência do verdadeiro dono da cadeira, atendeu-a apenas com o fito de seduzi-la. Como mentia bem o canalha do Altério. Prometeu mundos e fundos e terminou deixando-a sem fundos.
Por isso, com Osmir, seria melhor aguardar o destino dar as caras, se Paris ou Paripueira, era ir em frente, sem grandes perspectivas. Num sábado chuvoso de maio, o namorado a convidou para um entrecôte no Giggio. Depois do tradicional brinde com Bavária, ele puxou do bolso um envelope da CVC.
Paris em junho? — Indagou, lançando as passagens aéreas em cima da toalha quadriculada.
Desceu uma lágrima no rosto pálido de Silvânia. Tudo o que esperou daquele embusteiro odontológico seria realizado com um homem que, de fato, a amava e valorizava. Já sei até onde vou te levar, amor, Osmir adiantou. Ai, meu Deus, assim você me mata, lindo.
Vi no mapa a ponte mais perto do nosso hotel. Tomamos uma champanhe nacional no quarto e, no pôr do sol, caminhamos na beirinha do Sena. Ululá!, acrescentou o namorado fazendo biquinho. Silvânia nem conseguiu finalizar o entrecôte. Já iniciara a viagem pela França.
Após algumas semanas de muita ansiedade aportaram na terra de Victor Hugo. Hospedaram-se no hotel Des Deux Continents, em Saint Germain. O lugar tinha esse nome porque suas duas alas eram divididas por um pátio interno. O quarto do casal dava para o átrio. Ao entrar na habitação, Silvânia abriu as persianas. O que viu no apartamento da outra ala não foi nada romântico. Um homem mais velho esbofeteava uma moça. Silvânia chocou-se, deu um gritinho e cerrou a janela. Osmir veio com as taças de Moët Chandon.
Meia hora depois estavam na ponte do Sena mais próxima. Desceram as escadas chegando até a calçada que margeia o rio. O sol se punha deixando tudo num tom de ouro velho. O casal afinal realizava o sonho de andar por ali abraçadinho.
Silvânia suspirava, Osmir apreciava as ancestrais edificações art-decô em volta. Tudo era encanto até que surgiu à frente deles o pequeno coreano beijando a boca do enorme sudanês.
Silvânia e Osmir estacaram na hora e, focando melhor a visão, notaram mais uma centena de outros rapazes seminus, alguns muito musculosos e tatuados, agarrando-se e atritando-se uns aos outros feito um enorme polvo de braços, coxas, línguas, nádegas e genitais. Aquela era uma das pontes gays de Paris.
Baixou o crepúsculo. Sem piscar retornaram, em pesado silêncio, ao Des Deux Continents. No quarto, Osmir entregou uma taça de champanhe à noiva. Ela lançou-a ao chão e o esbofeteou.