Num país cada vez mais dividido e cheio de incertezas, existe uma unanimidade: todo mundo adora odiar o Romero Britto. O artista plástico pernambucano é culpado por tudo de ruim que acontece no Brasil: dengue, chicungunha, febre amarela, coronavírus, golpe, ignorância política e truculência nas redes sociais. Será que Romero Britto merece mesmo todo esse discurso de ódio pra cima dele? Eu tenho certeza que não. Mais do que isso, acredito que temos muitos motivos para amar Romero Britto. Eu listei os sete principais.
O Brasil se encontra fracionado politicamente e todos clamam por alguém que consiga unir a população num projeto comum. Esse alguém já existe e é justamente Romero Britto. O artista já presenteou com seus quadros a ex-presidente Dilma Rousseff, o presidente Jair Bolsonaro, o governador paulista João Dória, o ex-governador carioca Sérgio Cabral, o presidente americano Barack Obama, a rainha Elizabeth e até mesmo o iluminado Lula. Romero Britto une opostos com a mesma facilidade com que combina cores primárias. O Brasil precisa disso.
Em minhas andanças urbanas, já vi escolas infantis, oficinas mecânicas e grafites que reproduzem o estilo de Romero Britto. Curiosamente, nunca encontrei artista urbano que saia por aí emulando Pedro Américo ou Almeida Júnior. Mesmo o “Parangolé” de Hélio Oiticica, que nasceu com a proposta de vestir o proletariado, jamais transpôs o abismo entre as classes e permanece ainda hoje como um abadá dos abastados. Só Romero Britto une a base e o topo da pirâmide social. Ele e a Anitta, claro. Mas a Anitta não pinta, só rebola. A ideia de uma arte consumível e acessível, que possa estar ao mesmo tempo em galerias e camisetas é uma das mais geniais formulações de Andy Warhol, o criador da Pop Art. Warhol abriu o caminho para caras como Roy Lichtenstein e Keith Haring, ambos ilustradores talentosos. Haring, aliás, nunca teve problemas em comercializar sua arte, que foi estampada em tudo, de livros infantis a cinzeiros. Romero Britto é o nosso Keith Haring. Não há nada errado em ser o Keith Haring.
Vamos ser sinceros: não vivemos exatamente num país de Da Vincis, Caravaggios e Michelangelos. Não somos nem de longe uma terra de Mirós, Dalis e Picassos. Estamos bem distantes de sermos um lugar de Pollocks, Calders e De Koonings. Muito menos de Rembrants, Van Goghs ou Mondrians. Nossa pintura mais famosa é “O Abapuru”, de Tarsila do Amaral, popularmente conhecida como “O Pezão com Elefantíase”. Fala sério. Romero Britto é julgado em relação a quê, exatamente? Nem dá nem pra dizer que ele é a expressão da nossa decadência cultural, pois o declínio pressupõe um ponto alto, coisa que nunca tivemos. Mas não me entenda mal! Sou um otimista incurável e acredito sinceramente que nosso ponto alto está em algum lugar do futuro. No passado, eu sei que não está.
Romero Britto nasceu no Recife, tem cabelo de Cauby Peixoto e cara de nordestino. Ele não frequenta o apartamento da Paula Lavigne e nem faz parte das capitanias hereditárias que controlam culturalmente o país desde 1500. É fácil odiá-lo justamente porque ele não é apadrinhado de nenhum potentado do Leblon ou baluarte da MPB. Não se engane, querida leitora e estimado leitor: a raiva que Romero Britto desperta é fruto do nosso elitismo, que não admite sucesso algum fora do compadrio cultural. Defender Romero Britto é, veja você, um ato de resistência. Como ensinou Hélio Oiticica: “Seja marginal, seja herói”.
Atualmente, nós festejamos Tom Jobim e Carmem Miranda. Mas durante anos, a Bossa Nova foi considerada “cópia de música americana” e Carmem Miranda, coitada, foi obrigada a gravar sambinha para desculpar o sucesso nos Estados Unidos. Sérgio Mendes continua um exilado cultural. E mesmo Hélio Oiticica e Ligia Clark, hoje tão festejados, também comeram a paçoca que o diabo amassou. Olha que curioso: por um lado, é o olhar estrangeiro que nos credencia, tanto que todo ano torcemos por uma indicação ao Oscar. Por outro lado, se o cara faz sucesso, aí não pode, aí não dá, aí já é ofensivo. O mundo é uma aldeia global, mas nós continuamos uns botocudos nativistas. Se Romero Britto ainda morasse em Recife, ele seria saudado como um dos maiores artistas do Brasil, tenha certeza.
O mundo virou um tribunal onde qualquer um pode julgar, avaliar, pesar, culpar, condenar e execrar. Esse movimento moralista-regressivo é mundial e quem o identifica apenas na “direita” do espectro político sofre claramente de miopia seletiva. No Brasil, o novo autoritarismo apontou seus canhões justamente para a arte. Primeiro fecharam a exposição “Queer Museu”, em Porto Alegre, depois protestaram contra a performance “La Bête”, de Wagner Schwarz, em São Paulo. Justificativas para o fascismo sempre vão existir. “Isso atenta contra os valores familiares!”, bradará alguém para impedir que o divertido quadro “Criança Viada Travesti da Lambada” seja interditado. Ou então: “Romero Britto não me agrada esteticamente, vamos tacar fogo nesse museu!”. “Ah, mas isso não é nem de longe a mesma coisa!”, eu escuto o leitor pensando. “Você está misturando as coisas”, comenta o outro. “Além disso, onde já se viu escutar alguém pensando?” Ok, muito justo. Mas, sim, é tudo exatamente a mesma coisa. Defender a arte — mesmo a arte ruim, mesmo a arte que não me agrada esteticamente, mesmo a arte que me incomoda politicamente — é obrigação de todo mundo que não se rende aos padrões morais e culturais. Defender o que gostamos é fácil. Difícil mesmo é defender o que não gostamos.
Romero Britto sofre das mesmas acusações que fazem a Paulo Coelho. “É uma arte fácil e de segunda linha…” É, pode ser. Mas o fato é que Paulo Coelho e Romero Britto formam fãs e abrem enormes possibilidades para a expansão cultural. Afinal, você sempre pode dizer: “Você gosta de Paulo Coelho? Cara, você precisa ler o Jorge Luis Borges, vá por mim!” Romero Britto fornece uma grande oportunidade para fazer exatamente a mesma coisa. “Você gosta de Romero Britto? Cara, você precisa conhecer o Luiz Paulo Baravelli, vá por mim!”