O pior filme da saga Star Wars. Um filme sem Força, sem respeito e sem vergonha
Luke Skywalker foi meu herói de infância e adolescência. Claro, James Bond, Mad Max, Indiana Jones, Highlander, Remo e Rambo também foram, mas o jovem Skywalker sempre foi o preferido. Difícil imaginar um personagem que encarne tão bem o mito do herói em todas as suas nuances. Foi de humilde fazendeiro à mestre guerreiro de maneira sutil e progressiva. Colaborou muito a inspirada atuação de Mark Hamill, que foi se sofisticando de filme a filme. Por essa tradição de consistência narrativa na construção do personagem e não apenas por mera nostalgia irracional que esperei ansioso o retorno do jedi Luke Skywalker em “Star Wars – Episódio VIII – O Último Jedi”. Sua aparição nos últimos segundos do Episódio VII, quando Rey lhe estende seu antigo sabre de luz, herança de Darth Vader, deixou as expectativas em alta.
Resultado: decepção. Não tanto pelas muitas decisões erradas que o diretor e roteirista Rian Johnson tomou quanto aos destinos de Luke Skywalker, mas por tudo o que o cerca no filme.
Até que tenho bastante simpatia por “Episódio VII – O Despertar da Força”, apesar de suas várias inconsistências conceituais e furos de roteiro, mas algo em sua proposta de ser a primeira parte de uma terceira trilogia não me parecia convincente. Como é tradição na saga, pensei: “tenho uma má sensação sobre isso”. O filme “O Último Jedi” confirmou minha desconfiança.
Pergunto: sobre o que é essa terceira trilogia? Vejamos: a primeira tratava dos esforços da Aliança Rebelde em derrubar um Império militarista que espalhava terror pela galáxia. A saga da família Skywalker inseria-se nesse pano de fundo. Ok. A trilogia prequela, apesar de mal executada, tinha objetivos muito claros: mostrar a queda da República e da Ordem Jedi, a ascensão do Império e a sedução de Anakin Skywalker pelo Lado Negro da Força, tornando-se Darth Vader. Ok. Refaço a pergunta: sobre o que é a terceira trilogia? Eu não sei responder. Sobre a derrubada da Nova República não é, pois ocorreu apressadamente na metade do primeiro filme. Sobre a retomada da Ordem Jedi também não é. Será que é sobre Rey descobrir os segredos da Força? Personalista demais. Será uma comédia romântica espacial, cheia de encontros e desencontros como toda comédia romântica, entre Rey e Kylo “Nariga” Ren? Será que é sobre Poe Dameron tentando imitar Han Solo? Será que é sobre Finn “Cirilo” tentando sair da friend zone da Rey “Maria Joaquina”? Será que é sobre matar cada um dos três antigos protagonistas em cada um dos três novos filmes? Não sei. Aparentemente, pelo que vimos até agora, é sobre a Resistência tentar derrotar a Primeira Ordem? Se for isso, não passa de um mais do mesmo dos mais rasteiros.
Star Wars sempre reciclou seus entrechos dramáticos. “O Retorno do Jedi” retoma vários elementos de “Uma Nova Esperança”, assim como “O Despertar da Força”. Muito do destino de Luke foi antevisto na trajetória de Anakin. Mas, nestes casos, essas repetições funcionam como rimas narrativas ou leitmotiv dos personagens. Agora, quando “O Último Jedi” praticamente repete o enredo básico de “O Império Contra-Ataca”, acrescido de cenas e situações de “O Retorno de Jedi”, a sensação que fica é de falta de direção. Não se sabe qual história se quer contar.
Por exemplo: quando se revela que os pais de Rey, depois de todo o mistério levantado, são apenas dois bêbados quaisquer, isto não é uma original, intrigante e inteligente quebra de expectativas, é simplesmente um desperdício narrativa. Pior, é não saber lidar com as próprias premissas, não saber atar os fios soltos deixados pelo caminho. Os mais ingênuos podem tentar justificar que J. J. Abrams, diretor de “O Despertar da Força”, tinha algum outro caminho em mente, que foi modificado por Rian Johnson, mas essa desculpa já foi usada para justificar o fiasco do final de “Lost”, não convence mais.
E por que mataram o temido líder supremo Snoke sem sequer explicar quem ele é, de onde veio ou por que é tão poderoso na Força? Quando o Imperador Palpatine é morto por Vader em “O Retorno do Jedi”, o personagem, embora tivesse aparecido pouco, estava bem delineado, sabíamos qual sua função na história. Snoke é apenas um vilão do Scooby-Doo que “teria se dado bem se não fosse esses malditos garotos”. Quem ele é? Será o lendário sith Darth Plagueis, o mestre de Palpatine? Jamais saberemos. Só sabemos que é muito distraído e isso custou sua vida. Outro desperdício.
Imagino que os fã-boys mais radicais retrucarão que as respostas estarão no livro tal que se passa na época tal entre o quadrinho tal e o game tal do Universo Expandido. Não. Não. Não. Sei bem que estamos na era das mídias compartilhadas, mas um produto precisa fazer sentido sozinho para só depois se inserir em um mosaico. Portanto, vale o que está no filme. Universo Expandido é para “nerds hardcore”, não se pode cobrar tamanho grau de interesse do público comum.
Aparentemente, ninguém está no comando da nave chamada franquia Star Wars. Ou será que desde que a Disney comprou a Lucas Film o comando foi entregue secretamente para o Pateta? Alguns pensam que a produtora Kathleen Kennedy é uma mão firme no leme, mas parece que a moça está ocupada demais contando dinheiro para se preocupar com bobagens como respeito à mitologia, consistência narrativa e mesmo o mais simples e pueril senso de continuidade.
Por falar em continuidade, notaram que Daisy Ridley, a intérprete de Rey, nitidamente ganhou uns quilinhos entre “O Despertar da Força” e “O Último Jedi”? Não haveria problema se “O Último Jedi” obedecesse a tradição da saga em ter grandes hiatos de tempo entre um episódio e outro. O caso é que o Episódio VIII começa exatamente no momento em que termina o Episódio VII. Mas essa gafe nutricional é irrelevante. Muito mais sério é o fato de que a Resistência acabou de destruir a principal arma da Primeira Ordem, a Estação Starkiller, várias vezes maior do que Estrela da Morte, e mesmo assim estão em desvantagem na guerra! Como assim? A Primeira Ordem possui recursos infinitos? A Resistência não deveria estar dando medalhas para os heróis da campanha bem-sucedida, como aconteceu no inesquecível final de “Uma Nova Esperança”? Os pilotos e oficiais não deveriam estar festejando em um baile comemorativo? Mas estão fugindo? Como isso aconteceu? Como acharam a base da Resistência? Quem é o incompetente responsável pela camuflagem? Até as bases da Aliança Rebelde que, teoricamente, tinha bem menos recursos, eram mais secretas.
Essa equivocada decisão de roteiro gerou diversos problemas. O mais evidente é: como explicar a dicotomia da passagem do tempo entre as sequências com as naves da Resistência fugindo dos cruzadores da Primeira Ordem, que se conta em horas, e o longo período em que Rey ficou no planeta Ahch-To, na ilha particular de Luke Skywalker, que parece ter durado pelo menos uma semana?
O mesmo valeria para a projeção astral de Luke ao final do filme. Pelo visto, nessa galáxia muito, muito distante, a Relatividade de Einstein não vale. O tempo e o espaço são fixos. Ilógico, mas como estamos falando de um universo onde som e fogo se propaga no vácuo, então podemos colocar uma projeção astral para o outro lado da galáxia em tempo real na conta da suspensão de descrença. Aceitável. Só me pergunto porque Anakin ou Obi-Wan Kenobi não usaram essa habilidade em “O Ataque dos Clones”, quando precisavam desesperadamente se comunicar com o Conselho Jedi. Enfim, se tem uma coisa que aprendemos com Star Wars é que os jedis conhecem muito pouco sobre seus poderes. Os roteiristas menos ainda.
E foi o roteiro de Rian Johnson que transformou Luke Skywalker em uma figura patética, incompetente, covarde, preguiçosa e ignorante. Não me surpreende que o sempre bem-humorado mestre Yoda o tenha ignorado por tanto tempo. Aqui Luke é patético porque a aura do personagem se perde no momento em que joga o sabre de luz para trás, ignorando seu passado. O diretor e roteirista achou que seria uma boa ideia sacrificar toda sua trajetória heroica em prol de uma piadinha, só para quebrar o clima de quem estava esperando uma cena épica entre ele e Rey. A cena é tão pouco sutil que quase dá para ouvir Rian Johnson rindo e falando “ra-ra-ra, nerds malditos, enganei vocês, vejam como sou esperto!”. Luke é incompetente porque o parco treinamento que se permite dar para Rey mais parece uma sessão de yoga para madames. Perdeu-se a oportunidade de fazer de Rey a discípula e continuadora do estilo Skywalker de esgrima jedi. Ela continua sabendo usar a Força por pura intuição, o que não faz o menor sentido com a tradição da saga, que pressupõe que se deve começar a estudar os caminhos jedi desde a infância para se ter um mínimo de controle sobre ele (a princesa general Leia também vai na mesma onda). A covardia de Luke se evidencia quando se recusa a seguir o chamado da aventura. Obi-Wan Kenobi, numa situação física e psicológica muito pior, não hesitou um segundo. Mas nada se compara a sua preguiça e ignorância, quando se sugere que Luke Skywalker passou décadas guardando manuscritos jedi raros e jamais teve a curiosidade de lê-los. Só se preocupou em usar as roupinhas certas, em estar na moda jedi. Lamentável!
Mas Mark Hamill se esforçou e, apesar do roteiro estúpido, entregou uma atuação não apenas digna, mas primorosa. Muito diferente de Harrison Ford que não interpretou Han Solo em “O Despertar da Força”, fazendo apenas um Harrison Ford velho. Quanto a Carrie Fisher, embora lamente por sua morte prematura, não se pode ignorar sua total incapacidade interpretativa, talvez motivada pelo excesso de botox. Era uma ex-atriz.
Mark Hamill é o inverso, trata-se de um intérprete no auge de seus recursos. Sente-se o peso dos anos em seus ombros, o conflito em sua alma é quase palpável, as decisões que tomou transbordam em seu olhar. Pena que essa fantástica matéria-prima, que nas mãos de um diretor consciente renderia a composição de um mestre sábio e amargurado, foi usada para fazer piadinhas, jogando por terra toda a premissa do “O Despertar da Força”, que era a importância vital de se encontrar o último mestre jedi. Por falar nisso, se Luke não queria mesmo ser encontrado por que diabos R2-D2 convenientemente despertou ao final do Episódio VII revelando a peça que faltava para sua localização? Não faz sentido.
Assim como não faz sentido a morte de Luke Skywalker. Até compreendo que estejam tirando o foco dos velhos protagonistas para se concentrar nos novos, mas isso poderia ser feito de modo muito mais inteligente e respeitoso. Por exemplo: neste Episódio VIII Luke poderia cumprir o papel de arquétipo de mestre para no Episódio IX encontrar um fim digno e redentor após vencer um confronto com Snoke pelas almas de Rey e Kylo Ren, espelhando seu confronto com Palpatine diante de Darth Vader. Isso sim seria um leitmotiv digno. Mas preferiram matá-lo de exaustão depois de fazer uma pegadinha do jedi malandro com o vilão paspalho Kylo Ren. Muito pouco para uma figura tão gigantesca. Discorda de mim? Tudo bem, direito seu. Sabe quem concorda? Mark Hamill. Ele deu várias declarações mostrando seu descontentamento quanto ao destino do personagem. Hamill sabe o que diz, ninguém conhece Luke como ele.
Afinal, sem Luke o que sobra para o Episódio IX? Outra guerrinha de mamonas entre os incompetentes da Primeira Ordem, liderados por um chorão e por uma caricatura de general, e o exército de Brancaleone da Resistência, esse bando de maltrapilhos comandados pela general princesa botocada? Ou nem isso, já que Carrie Fisher não estará na continuação. Devemos esperar outro duelo sem graça e sem sentido entre Kylo Ren e Rey? Muito pouco para o que deveria ser o encerramento majestoso de uma trilogia épica.
Para não dizer que não há nada de relevante em “O Último Jedi” cabe fazer os elogios de praxe a parte técnica: fotografia, direção de arte, efeitos visuais, trilha sonora entre outras coisas. Há cenas do filme que são verdadeiras pinturas, pensadas milimetricamente para se transformarem em papel de parede dos computadores e celulares de milhões de nerds mundo afora. Mas nada que não seja obrigação em se tratando de uma produção de centenas de milhões de dólares. Nada disso fica em pé sem um roteiro digno. A essência do cinema sempre será contar histórias. Se essa primeira obrigação não se cumprir de nada adianta triunfos técnicos. E o roteiro de “O Último Jedi”, salvo alguns momentos isolados, é pobre, redutor e sem ritmo. Quando quer ser emocionando é apenas melodramático. Finge ser inovador quando é apenas desrespeitoso. Não cita, imita. Não evolui ideias, desperdiça. A saga Star Wars ficou menor por culpa deste episódio VIII.
Jamais pensei que diria isso, mas estou começando a ficar com saudades de George Lucas.