O escritor francês Marcel Proust gostava de jogar uma brincadeira de salão chamada “Confissões”, onde os participantes respondiam perguntas pessoais. Em sua homenagem, hoje o jogo ficou conhecido como “Questionário Proust”.
A Revista Bula, depois de ter adquirido em um concorrido leilão no eBay a Tábua Ouija original do filme “O Exorcista”, entrou em contato sobrenatural com o próprio Marcel Proust, em carne, osso e ectoplasma, que, relembrando seus tempos de jornalista, assinou contrato exclusivo como nosso correspondente do outro lado da vida.
Sempre nas altas rodas aristocráticas e altas esferas celestiais, Marcel Proust entrevista o Homero argentino Jorge Luis Borges. Eis um verdadeiro encontro de titãs injustiçados pela Academia Sueca: de um lado o homem dos caminhos de Swann e Guermantes, do outro o homem do jardim das veredas que se bifurcam. Com vocês, na série Entrevistas do Além, o legitimo Questionário Proust com o fazedor Borges, psicografado em javanês pelo meio médium ligeiro Ademir Luiz.
Marcel Proust — Monsieur George Louis, fala francês?
Jorge Luis Borges — Falo todos os idiomas. Mas, infelizmente, o francês não pode ser uma língua universal.
Marcel Proust — Como tem sido sua vida após a morte?
Jorge Luis Borges — Tenho certeza que não existe nada depois da morte.
Marcel Proust — A cegueira permanece no além vida?
Jorge Luis Borges — Nunca vivi em um mundo visual.
Marcel Proust — Encontrou-se com Deus?
Jorge Luis Borges — Sim, mas não acredito nele.
Marcel Proust — E Lúcifer?
Jorge Luis Borges — Não. Imagino que esteja ocupado com o senhor Perón.
Marcel Proust — Tigre, espelho, enciclopédia, faca ou labirinto?
Jorge Luis Borges — Um livro de Borges.
Marcel Proust — Borges lê Borges?
Jorge Luis Borges — Poderia procurar em vão nesta casa um exemplar de meus livros. Não vai encontrar. Zelo muito por minha biblioteca. Mas talvez o Outro leia.
Marcel Proust — Quem é o Outro?
Jorge Luis Borges — Eu sou o homem íntimo, o homem particular. O Outro é o homem público.
Marcel Proust — Qual sua maior ambição como escritor?
Jorge Luis Borges — A máxima ambição de um escritor deve ser que seu nome seja esquecido, mas que alguma frase sua faça parte do idioma, que se torne anônima.
Marcel Proust — Apreciou inspirar o vilão de “O Nome da Rosa”?
Jorge Luis Borges — Não li o livro, nem vi o filme, só ouvi o Eco.
Marcel Proust — Qual sua visão de paraíso?
Jorge Luis Borges — Uma biblioteca. A leitura é uma forma de felicidade.
Marcel Proust — E sua visão de inferno?
Jorge Luis Borges — Ouvir pela eternidade uma das vulgares radionovelas de Evita Perón. A Argentina chorou muito mais do que devia por ela.
Marcel Proust — Considera-se um escritor tipicamente argentino?
Jorge Luis Borges — Dizer que sou um escritor que pode ser situado geograficamente me parece um disparate.
Marcel Proust — Genebra ou Buenos Aires?
Jorge Luis Borges — Tlön, Uqbar, Orbis Testius.
Marcel Proust — Gostaria de ter escrito “Dom Quixote”?
Jorge Luis Borges — Deixo a pretensão da escrita para Pierre Menard. Para mim basta a leitura, quando se lê “Dom Quixote” a presença de Cervantes se manifesta.
Marcel Proust — Zahir ou Aleph?
Jorge Luis Borges — Livro de areia.
Marcel Proust — Qual sua opinião acerca de escolas literárias?
Jorge Luis Borges — Estou arrependido de ter participado delas. São formas de publicidade ou conveniências para a história da literatura.
Marcel Proust — Qual livro levaria para uma ilha deserta?
Jorge Luis Borges — “A Invenção de Morel”, do Adolfito, que se passa em uma ilha deserta.
Marcel Proust — Uma obra inesquecível?
Jorge Luis Borges — “Funes, o Memorioso”.
Marcel Proust — O que fez quando se encontrou pessoalmente com Shakespeare?
Jorge Luis Borges — Devolvi sua memória.
Marcel Proust — Artistas devem ser engajados politicamente?
Jorge Luis Borges — Nada tenho a ver com os políticos. Não gosto deles. Sou um poeta, não um ativista.
Marcel Proust — Experimentou algum tipo de entorpecente?
Jorge Luis Borges — Tentei fumar marijuana, que os vulgares chamam de maconha, e fracassei. Finalmente, optei pelas pastilhas de menta.
Marcel Proust — Qual sua opinião sobre a instituição do casamento?
Jorge Luis Borges — O casamento é um destino pobre para uma mulher.
Marcel Proust — Os ingleses inventaram o futebol, nós franceses criamos a Copa do Mundo, na Argentina nasceram alguns dos melhores futebolistas. Monsieur aprecia futebol?
Jorge Luis Borges — O futebol é popular porque a estupidez é popular. Aprecio brigas de galo.
Marcel Proust — Concorda com a tese de que a Argentina manipulou o resultado da Copa de 1978?
Jorge Luis Borges — O Mundial de 1978 foi uma calamidade.
Marcel Proust — Lamenta não ter recebido o Prêmio Nobel?
Jorge Luis Borges — Era uma velha tradição escandinava a de me prometer esse prêmio e depois dá-lo a outro. Preferia ter morrido tendo-o recebido. Para meu consolo, o próprio Alfred Nobel confidenciou-me que lamenta o despreparo dos executores do seu espólio.
Marcel Proust — Soube que Bob Dylan ganhou o Prêmio Nobel?
Jorge Luis Borges — Quem é Bob Dylan?
Marcel Proust — Monsieur faleceu antes da popularização da internet. Olhando de cima e por cima, o que acha da rede?
Jorge Luis Borges — Parece-que que as pessoas se levam muito a sério na Internet. As pessoas que se levam muito a sério são horríveis.
Marcel Proust — Escreveu contos, poesias, ensaios, fez traduções. Por que não escreveu um romance?
Jorge Luis Borges — Sou excessivamente preguiçoso para escrever romances. Tem-se que por muito recheio, de modo que antes de chegar ao terceiro capítulo estaria exausto.
Marcel Proust — Leu “Em Busca do Tempo Perdido”?
Jorge Luis Borges — Não sou um leitor de romances. Tentei ler “Madame Bovary” e fracassei, quis ler “Os Irmãos Karamazov” e fui derrotado. Com o senhor Proust nem cheguei a por os pés nos caminhos.