Que atire a primeira pedra quem nunca chorou largado, ouvindo Coríntios 13 da boca de um orador bem treinado. A carta não foi apenas bem construída por Paulo de Tarso, num crescente de arrepiar, como também fala tudo o que se quer ouvir sobre o sentimento mais explorado da literatura, da pintura, da música e da história: o amor.
Queria dizer que é verdade que o amor tudo suporta, tudo crê, tudo espera. Queria dizer que o amor não é invejoso, não se ensoberbece, tampouco é leviano… Mas então falaríamos de um sentimento vivido por gente grande espiritualmente e não pela escumalha rude e defeituosa que é o ser humano.
Não há dúvida de que se lançar às teias do amor exige coragem, crueza e uma breve nota de insânia. É um movimento para os que guardam alguma elevação em si. Mas a travessia de uma vida compartilhada jamais seria capaz de se equilibrar apenas sobre esse conceito tão subjetivo. Amar é um verbo escorregadio, uma intensa aura capaz de unir pessoas diferentes, que levam a vida de maneira díspar e nem sempre salutar.
Há quem diga que, se o sentimento não for puríssimo e eterno, é porque não era amor. Bobagem! Seria como isolá-lo num asséptico tubo de ensaio: ou você apenas ama, ou então empacota suas coisas e vai embora. A questão é que se trata de um sentimento que raramente vem sozinho em toda sua luz. “O amor é o sentimento dos seres imperfeitos, já que a função do amor é levar o ser humano à perfeição”, disse Aristóteles. Pode-se amar honestamente e, mesmo assim, afogar o outro em ciúme. Pode-se amar loucamente e, ainda assim, não aceitar as divergências naturais. Pode-se amar com todo o coração e, a despeito disso, não falar a mesma língua. Pode-se até mesmo amar muito e simplesmente não saber demonstrar nada. Somos seres primitivos, é exigir demais que só amemos à maneira bíblica.
Acredito piamente num amor infantil que afoga o outro em demandas absurdas ou mesmo naquele que provoca a despersonalização de quem ama. Não duvido de que seja amor, ainda que manifestado de forma rudimentar. Entretanto, essa mistura com tanta coisa tóxica dificilmente constrói pontes sustentáveis. Amor é um dos pilares fortes e imprescindíveis, mas sem dúvida é apenas um deles. Enquanto não houver confiança, compreensão, empatia, diálogo, respeito e inúmeras outras mantenedoras da convivência, o amor será apenas uma voz incompreendida que queima mais do que redime. É preciso aceitar a própria liberdade, a liberdade do outro, e compreender que as barras de ferro das gaiolas não foram feitas para abrigar corações. É por isso que se apaixonar é a coisa mais fácil do mundo, enquanto amar exige dinâmica, esforço, paciência e boa vontade. Tanto que poucos amores resistem de verdade — sem os véus da conveniência — por toda a vida.
E o que nos cabe fazer? Bem, na dúvida, mais vale a coragem desajeitada do que a omissão segura. “Um covarde é incapaz de exibir amor; amor é a prerrogativa do bravo”, disse Gandhi. Aos poucos, entre lições amargas e corações remendados, vamos nos tornando dignos da carta de Paulo aos Coríntios.