Eu queria ser como os outros. Eu queria ser como todo mundo. Mas minha mãe sempre me disse que eu não sou todo mundo. Ainda assim, eu queria comer uma picanha mal passada sem pensar no boi que foi sacrificado para estar no meu prato. Eu queria torcer pelo toureiro ao invés do touro, queria comer um espetinho de coração sem imaginar as dez galinhas mortas ali na minha frente, banhadas no alho e no sal grosso.
Eu queria passar o cartão de crédito sem pensar em como vou pagar a fatura. Felizes daqueles que compram o que querem e que não são torturados pelos extratos bancários. Sempre admirei essas pessoas audaciosas e confiantes. Um dia desses fui comprar um tênis e a moça do caixa me perguntou:
— Débito ou crédito?
— Crédito, por favor.
— Em quantas vezes?
— Vinte.
Ela sorriu. De certo não esperava a minha resposta. Simpática, me ofereceu a sua melhor proposta: 3 vezes sem juros. Meu único pensamento foi: eu queria ser como todo mundo. Teria comprado o oxford em verniz preto, a rasteirinha de pérolas, a alpargata azul e a sandália plataforma vermelha. Mais o tênis. Passaria tudo no cartão. Sorrindo. Mas não, eu não sou todo mundo. Aceitei a sua melhor oferta e voltei para casa descontente com a minha noção matemática, com o meu raciocínio lógico e o meu senso de responsabilidade.
Eu queria ser como todo mundo e tomar um porre para afogar um amor falido, sabe? Eu já tentei. Juro. Mas dormi antes. Queria que a minha vida fosse alegre como um trio elétrico. Só trocaria a cantora, as pessoas, o ritmo, a letra. Colocaria umas cadeiras, abaixaria um pouco as luzes, ligaria o ar condicionado. O trio elétrico da minha vida tocaria blues para mim e uma dúzia de pessoas. Eu queria ser como todo mundo e não ter intolerância musical. Eu queria não me irritar com sons monocórdios, palavras ordinárias e erros de concordância. Eu queria conseguir me divertir impensadamente ao som de músicas com apenas 4 frases e três acordes. “Ex my love” só poderia mesmo rimar com “um e noventa e nove”.
Eu queria ver uma temporada inteira de uma série num fim de semana. Queria ler os livros que todo mundo lê, assistir aos filmes que todo mundo vê. Eu queria sentir sem sentimento, ter prazer sem envolvimento. Eu queria mesmo era ser como todo mundo e ir vivendo sem me importar se estou sabendo viver. Eu queria ser mais ingênua para ser mais feliz. Queria mesmo. Aliás, felicidade é isso. É comer carne sem ligar para a procedência, é passar o cartão de crédito sem peso na consciência, é tomar um porre sem se preocupar com a ressaca. A felicidade é um estado de inconsciência. Ah, como eu queria ser feliz…