Não espere seu pai ir embora para dizer que o ama

Não espere seu pai ir embora para dizer que o ama

Uma vez por mês, o pai viajava na sexta e só voltava na segunda cedinho. Ele fazia plantões em uma cidade vizinha. O menino, curioso, assistia ao pai arrumando a maleta de médico para, depois, guardá-la no chão do carro, na frente do banco do passageiro. Quando o pai saía na sua Brasília branca, o menino corria até o portão da garagem para vê-lo ir embora; e ficava lá, pensativo, até o carro sumir na avenida. “E se ele não voltasse?”.

Um dia, o menino se escondeu atrás do banco do motorista, pois queria fazer plantão junto com o pai (no Natal, o menino tinha ganhado uma maleta com estetoscópio, seringa e otoscópio feitos de plástico). Quando estavam quase chegando na cidade dos plantões, o menino tossiu e quase matou o pai de susto. A mãe teve que ir de ônibus buscar o menino, mas ninguém entendeu que ele só queria cuidar dos doentes, assim como o papai fazia.

Durante os dias que antecedem o domingo do Dia dos Pais, todo ano, vejo as pessoas compartilharem nas redes sociais as fotos de seus velhos. Tem pai esportivo em corrida de rua; tem pai junto do filho, na pescaria; tem pai dançando valsa com a filha; e tem aquele que está segurando um copo de cerveja, rindo gostoso como se tivesse acabado de ouvir uma piada.

Um caso, em especial, me chamou a atenção. Um amigo, que se tornou pai recentemente, está triste: é que o seu pai faleceu há poucos meses. Meu amigo não sabe como será a sensação de comemorar a própria paternidade pela primeira vez justo quando, também pela primeira vez, seu pai não estará mais com ele. “Eu queria ter dito ao papai que o amava, mas nunca consegui.”

Fiquei pensando nisso. Quando se tem o pai sempre por perto, ou mesmo se ele mora longe, mas se mantém presente, é comum se acomodar na segurança da sua presença. Mas repare que o pique dele já não é mais o mesmo de quando tinha tanta energia para trabalhar por várias horas seguidas, ou quando subia no telhado para consertar a antena da televisão. Hoje ele toma remédios, sente dores e tem o caminhar mais lento por causa da artrose; suas mãos já não são tão ágeis, e os fios de cabelos brancos, assim como a pele enrugada ao redor dos olhos, revelam que heróis também envelhecem.

Uma amiga me disse que o pior dia da vida dela foi quando o pai enfartou e precisou fazer uma cirurgia cardíaca. Ela não podia entrar na Unidade Coronariana e quase enlouqueceu porque o pai estava ali, a poucos metros, e ela não podia ficar ao lado dele. Por outro lado, uma vez atendi um paciente de oitenta anos que foi à consulta sozinho. Ele tem cinco filhos, quatro noras e nove netos adultos, mas todos estavam ocupados com coisas mais importantes e urgentes do que acompanhar o velho na consulta, com o diabetes totalmente descompensado.

Quando meu avô faleceu, na cama do hospital, meu pai e meus tios estavam lá. Papai conta que suas últimas palavras foram algo sobre o time de futebol deles: “espero que esse ano a gente ganhe a Libertadores”. Vovô parou de respirar e meu pai e meus tios estavam rindo e chorando.

É que um dia os pais vão-se embora. Por isso, não espere para dizer ao seu pai o quanto ele é importante. E deixe o menino que resta em você — aquele que pedia colo quando estava com medo e que ficava no portão da garagem esperando o pai retornar do trabalho — abraçar e beijar o papai mais uma vez.

Rebeca Bedone

é médica.